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A organização e funcionamento das representações sociais, segundo Abric (op. cit.), são regidos por um duplo sistema que envolve um núcleo central e seus elementos periféricos. Este sistema é responsável pela formulação, manutenção e, ao mesmo tempo, atualização das representações sociais.

O núcleo central é determinado essencialmente pelo fator social, ou seja, as condições históricas, sociológicas e ideológicas; por isto é considerado o elemento mais estável nas representações sociais; conseqüentemente, é o elemento que mais resiste a mudanças. É o núcleo central que vai determinar, ao mesmo tempo, a significação e a organização da representação. Segundo Abric (op. cit.), ele desempenha duas funções essenciais:

de tous ces éléments. C’est pourquoi, elles sont si intimement pétries de notre subjectivité. Et pourtant, elles sont du même coup partie de la réalité de ce que nous sommes » (Bourgain, 1998:126).

Luciane Manera Magalhães

(i) uma função geradora, pois o núcleo central “é o elemento pelo qual se cria, ou se transforma, a significação dos outros elementos constitutivos da representação. É através dele que os elementos passam a ter um sentido, um valor.”1 (Abric, id. p. 22) e;

(ii) uma função organizadora, pois é o núcleo central o responsável pela natureza das ligações estabelecidas entre os elementos da representação, ou seja, ele é o elemento que promove a unificação e estabilização da representação.

Os elementos periféricos posicionam-se em relação direta com o núcleo central; entretanto, são determinados muito mais por fatores individuais e contextuais. Nas palavras de Abric, o sistema periférico está “mais associado às características individuais e ao contexto imediato”2 (id. p. 28). Eles são elementos hierarquizados, ou seja, localizam-se mais ou menos próximos do núcleo central. Quanto mais próximos do núcleo central, mais possibilidades de atuação na concretização da significação da representação. Nesse caso, os elementos periféricos ilustram, explicam ou justificam essa significação. Em outras palavras, os elementos periféricos podem ser compreendidos como esquemas organizados pelo núcleo central que atuam como um ‘quadro de decodificação’3 de uma situação; assegurando, assim, um funcionamento quase que instantâneo da representação (cf. Flament, 1989).

Ao contrário do núcleo central, os elementos periféricos são flexíveis e instáveis. Eles desempenham três funções essenciais:

(i) função de concretização: os elementos periféricos são responsáveis pela integração dos elementos da situação na qual se produz a representação;

1 « ... il est l’élément par lequel se crée, ou se transforme, la signification des autres éléments constitutifs de la

représentation. Il est ce par quoi ces éléments prennent un sens, une valeur ».

2 « … beaucoup plus associé aux caractéristiques individuelles et au contexte immédiat ». 3

Representações Sociais da Leitura

(ii) função de regulação: são responsáveis pela adaptação da representação às evoluções do contexto;

(iii) função de defesa: defendem o núcleo central das mudanças, assumindo, assim, quase que a totalidade das transformações da representação (como, por exemplo, novas interpretações e integração condicional de elementos contraditórios).

Toda transformação de uma representação passa, primeiro, pela transformação dos elementos periféricos para, em um momento posterior, mudar o núcleo central. Assim, o núcleo central passa por mudanças muito mais lentamente que os elementos periféricos. Mas o que determina as transformações das representações sociais? Como e quando são transformadas? Quais são as relações entre representações sociais e práticas sociais? Com o objetivo de responder a estas questões, no contexto da presente pesquisa sobre formação continuada, proponho o diagrama (2), a seguir, que foi inspirado nas colocações de Flament (1994), sobre as tranformações das representações sociais:

Luciane Manera Magalhães

Modificações das circunstâncias externas

(necessidade de continuidade da formação profissional)

Modificações das práticas sociais

(Curso de Especialização) (aulas de leitura)

Esse diagrama (2), sugere que as modificações operadas nas RS, são motivadas por fatores externos, isto é, pela mudança das circunstâncias externas relativas ao ambiente em que o sujeito ou grupo está inserido e do qual é participante. No caso da presente pesquisa, a necessidade de continuidade da formação profissional seria o aspecto desencadeador da modificação das práticas sociais das (alunas)professoras. Assim, a primeira modificação (das práticas sociais) seria a própria participação no curso de formação continuada e, a segunda, que nesse caso aparece como decorrente da primeira, a modificação da prática de ensino de leitura. As setas, no diagrama, que sugerem essas modificações são bidirecionais,

Modificações dos Elementos Periféricos

Mod. do Núcleo Central

Representações Sociais da Leitura o que ilustra a característica dialética desse processo. Esta característica está presente também na relação entre as modificações das práticas sociais e os elementos periféricos das representações sociais. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que as modificações das práticas sociais proporcionam mudanças nos elementos periféricos, as mudanças operadas, nesse sistema, orientam as práticas sociais, através de uma troca permanente. Por outro lado, o sistema periférico estará sempre atuando com a função de proteger o núcleo central, mas uma vez modificado o núcleo central de uma representação social, conseqüentemente, serão observadas novas modificações nas práticas sociais do sujeito ou grupo.

Considerando-se que são as representações já constituídas que vão direcionar a maneira do sujeito (re)significar os novos conhecimentos, veremos na análise dos dados, no capítulo V, a prática de ensino da leitura desenvolvida pelas duas (alunas)professoras, DÉBORA e RAQUEL, no início da geração dos dados, sendo direcionada pelas representações acerca da noção de texto, de leitura e de seu ensino, constituídas anteriormente em suas práticas sociais. Estas práticas vão ser objeto de comparação com as práticas desenvolvidas, por elas, nos meses subsequentes em que freqüentaram o curso de especialização; práticas (re)formuladas, como argumentarei, com base nas modificações operadas em suas representações sociais.