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Da antissindicalidade nacional à antissindicalidade internacional

1.2. Táticas antissindicais e desleais no cenário global

1.2.2. Da antissindicalidade nacional à antissindicalidade internacional

As fragilidades das legislações nacionais de empresas multinacionais no combate às práticas desleais, como dão exemplo as legislações norte-americana e britânica153, berço de várias investidas capitalistas sobre o trabalho, explicam, em grande medida, o perfil acomodado do proceder de várias daquelas empresas em âmbito internacional.

As empresas, hoje, pela mobilidade do capital, colocam em perigo as negociações coletivas e apresentam declarações de “melhores práticas” empresariais que, em síntese, pregam o deslocamento da produção e a exportação de empregos a países detentores de normas sociais e ambientais precárias e sem sindicatos independentes154, quer em relação ao empregador, quer em relação ao Estado. Tratam-se, em sua ampla exemplificação, de práticas “melhores” de conteúdo meramente comercial155, sem destaque para as práticas laborais, que se sujeitam, por isso, às fragilidades nacionais e à incompetência estatal em lidar com a dinâmica do capital.

Por conseqüência, o velho modelo sindical, que se instaurou em boa parte do mundo dito civilizado, representativo dos vínculos trabalhistas calcados no elo da subordinação clássica, ruiu. E ruiu porque estruturado verticalmente e não horizontalmente

152 “A tentativa de constituir um sindicato engaja, em cerca de 80% dos casos, a contratação de consultores,

detetives e empresas de segurança que assessoram os empregadores em campanhas anti-sindicais. As atividades destes incluem a vigilância implícita dos ativistas sindicais com o objetivo de desacreditá-los e, em alguns casos, obtêm antecedentes médicos, penais e financeiros destes, mas também investigam sua vida familiar em busca de algum ponto comprometedor, algo próprio destes ‘advogados de porta de cadeia’ assim alcunhados aqui no Brasil” (RAMOS, Sergio Motejunas. O Sindicalismo Norte-Americano. In: FREITAS JR, Antonio Rodrigues; SANTOS, Enoque Ribeiro dos (coord.); CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Passos (org.). Direito Coletivo do Trabalho em Debate, p. 109).

153 Os exemplos mais marcantes de legislação antissindical, no mundo, indicados nas monografias

acadêmicas, são encontrados nos Estados Unidos e no Reino Unido, seguidos, ainda, da Austrália (OLNEY, Shaula L. Unions in a Changing World, pp. 35, 36, 37, 38 e 40).

154 CONFEDERACIÓN INTERNACIONAL DE ORGANIZACIONES SINDICALES LIBRES (CIOSL).

Una Guía Sindical sobre la Mundialización, p. 19; ANDREFF, Wladimir. Multinacionais Globais, pp. 35, 76 e 77; e MANTSIOS, Gregory. Introduction. In: MANTSIOS, Gregory (ed.). A New Labor Movement for the

New Century. New York: Monthly Review Press, p. xiii-xix, 1998, pp. xv-xvi.

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como impõe a moderna estrutura empresarial, o que permitiu o esfacelamento da representação sindical para o universo de todos aqueles que, espalhados e fragmentados na estrutura horizontal e enxuta da empresa moderna156, tornaram-se integrantes, sem querer, do terceiro setor, da economia informal e dependentes economicamente da empresa tomadora de serviços (antes empregadora), do contingente de voluntários, dos desempregados e dos “não-empregáveis”157.

A movimentação do capital, em âmbito internacional, casou-se, perfeitamente, com a estrutura e os interesses da empresa multinacional. Essas empresas motivam-se por dois eixos de ação principais. O primeiro é o da globalização da produção. O segundo é o da promoção da divisão internacional do trabalho158, que suscita, ao longo do tempo, essa fragmentação da classe trabalhadora ao redor do planeta, todos pertencentes do mercado mundial de trabalho – fracamente representados sob a perspectiva sindical porque inexistente, de forma consistente, uma solidariedade sindical internacional horizontalizada – e todos precarizados nos locais de produção de baixo custo encontrados pelo capital, principalmente do Terceiro Mundo, integrantes do exército reserva de trabalho industrial no globo.

A concorrência suscitada internamente na classe trabalhadora, pelos empregos existentes, resultado dessa desterritorialização da força de trabalho – não é preciso ir muito além para demonstrar –, não conseguiu encontrar, no seio do movimento sindical, uma resposta satisfatória159.

As causas são várias, mas podem ser pinçadas em algumas transformações profundas causadas pelas operações das empresas multinacionais e do capitalismo mundial, entre as quais (i) a conversão de economias nacionais em economias locais diante da conduta das multinacionais na reorganização do espaço produtivo global, o que dificulta, se

156 MELHADO, Reginaldo. Os Sindicatos e a Mundialização do Capital: Desafios, Horizontes e Utopias. In:

In: VIDOTTI, Tárcio José; GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto (coord.). Direito Coletivo do

Trabalho em uma Sociedade Pós-Industrial: Estudos em Homenagem ao Ministro Antonio José de Barros Levenhagen. São Paulo: LTr, p. 81-93, 2003, p. 90; INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL.

Multinacionais Holandesas: O Dia-a-Dia dos Trabalhadores da Ahold, Akso Nobel, Philips e Unilever na Holanda e no Brasil. Florianópolis: IOS, 2005, p. 62.

157 VASCONCELOS FILHO, Oton de Albuquerque. Liberdades Sindicais e Atos Anti-Sindicais, p. 123. 158 MATIAS, Eduardo Felipe P. A Humanidade e suas Fronteiras, p. 131; HOBSBAWM, Eric. A Era dos

Extremos, p. 272.

159 ANTUNES, Ricardo. O Caracol e sua Concha, p. 31; FERUS-COMELO, Anibel. Paving the Path Toward

the Unionization of High-Tech Sweatshops. In: SCHMIDT, Verena (ed.). Trade Union Responses to

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não é para inviabilizar, a regulação nacional das conseqüências, quer tal regulação parta do Estado, quer parta dos sindicatos, quer parta dos empregadores; (ii) o decréscimo da quantidade de trabalho vivo, humano, necessário à produção das mercadorias; (iii) o aumento do desemprego estrutural gerador de processos de exclusão social, ilustradores da crise do Estado-Providência; (iv) a enorme mobilidade e deslocalização dos processos produtivos decorrentes da revolução tecnológica e da predominância dos mercados financeiros sobre os mercados produtivos; (v) o aumento da segmentação dos mercados de trabalho; (vi) a saturação da procura de bens de consumo de massa e a queda da oferta pública de bens coletivos (saúde, ensino e habitação); (vii) a destruição ecológica que alimenta novas indústrias e degrada a vida dos cidadãos; (viii) o desenvolvimento da cultura de massa marcada pela ideologia consumista; (ix) as alterações constantes nos processos produtivos, o que tornam o trabalho mais rápido e mais duro, penoso, fragmentado no tempo, incapaz de gerar solidariedade ou de preservar uma consciência coletiva de classe ou, até mesmo, de lealdade empresarial; e (x) o aumento dos riscos sociais e previdenciários aos quais se submetem os trabalhadores.

Essas transformações causam impactos no sindicalismo, cuja extensão é difícil prever, mas não é difícil imaginar que já são significativas160. E se os sindicatos dificultam o aperfeiçoamento das táticas capitalistas, as multinacionais terão, sempre, à disposição, a oportunidade de recuperar a produção perdida com ações sindicais em plantas industriais fixadas em outros locais161, não servidos de organização coletiva de trabalhadores.

As empresas multinacionais acabam se beneficiando, ademais e muitas vezes indiretamente, (i) dos excessivos obstáculos administrativos impostos por legislações várias para o reconhecimento sindical162; (ii) dos trâmites procedimentais muito alongados; (iii) da

160 SOUSA SANTOS, Boaventura de. Teses para a Renovação do Sindicalismo em Portugal, seguidas de um

Apelo. In: ESTANQUE, Elísio; SILVA, Leonardo Mello e; VÉRAS, Roberto; FERREIRA, António Casimiro; AUGUSTO COSTA, Hermes (orgs.). Mudanças no Trabalho e Ação Sindical: Brasil e Portugal no Contexto da Transnacionalização. São Paulo: Cortez, p. 167-188, 2005, pp. 174-175.

161 CRAVER, Charles B. Can Unions Survive?, p. 90; RIGBY, Mike; SMITH, Roger; BREWSTER, Chris.

The Changing Impact and Strengh of the Labour Movement in Advanced Societies. In: HARCOURT, Mark; WOOD, Geoffrey (ed.). Trade Unions and Democracy: Strategies and Perspectives. News Brunswick: Transaction Publishers, p. 132-158, 2009, p. 134; PURCALLA BONILLA, Miguel Ángel. El Trabajo

Globalizado, pp. 206-207.

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interferência nos assuntos sindicais internos por empregadores163 e pelo Estado; e (iv) da falta de incentivo à rotina de negociar coletivamente investindo-se de boa-fé, o que inclui a transparência na apresentação de dados pela empresa164 e a abstenção na adoção de táticas que visem a diminuir a autoridade do representante ou representantes dos trabalhadores ou, mesmo, introduzir instabilidade na negociação coletiva165.

Tudo isso sem contar com as causas que ajudam o enfraquecimento internacional do movimento sindical166, como o número de homicídios contra dirigentes sindicais (fato corriqueiro, por exemplo, na Colômbia167), de roubos de dirigentes sindicais e das prisões arbitrárias de dirigentes sindicais (muito noticiada nos recentes eventos do levante do povo no Oriente Médio contra ditaduras e governos repressores da liberdade).

Incentivadas pelas práticas já cometidas nos países de origem, de fato os empregadores multinacionais dirigem-se contra os sindicatos, contra a filiação de trabalhadores em sindicatos e contra a formulação de políticas legislativas de proteção ao trabalho168 e de promoção da ação sindical169, muitas vezes encampados por políticas

163 Como é a hipótese, sugerida pela doutrina norte-americana, de um empregador cometer ato de ingerência

na estrutura sindical de trabalhadores para reforçar a importância de uma autoridade centralizada na administração sindical e, portanto, mais facilmente cooptada pelo empresariado (DeMARTINO, George. The Future of US Labour Movement in an Era of Global Economic Integration. In: MUNCK, Ronaldo; WATERMAN, Peter (ed.). Labour Worldwide in the Era of Globalization: Alternative Union Models in the New World Order. New York: Palgrave, p. 83-96, 1999, pp. 85-86).

164 CONFEDERACIÓN INTERNACIONAL DE ORGANIZACIONES SINDICALES LIBRES (CIOSL).

Una Guía Sindical sobre la Mundialización, p. 119; e FELIX, Juarez Rogério. Boa-fé nas Negociações Coletivas. In: VIDOTTI, Tárcio José; GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto (coord.). Direito

Coletivo do Trabalho em uma Sociedade Pós-Industrial: Estudos em Homenagem ao Ministro Antonio José de Barros Levenhagen. São Paulo: LTr, p. 182-212, 2003, p. 208.

165 PIAZZA, James A. Going Global, p. 53. 166 Idem, ibidem, p. 129.

167 A Colômbia enfrenta um processo, que se percebe no resto do mundo também, mas particularmente nesse

país, de debilitação do processo de negociação coletiva, causada pela cultura antissindical reinante em empregadores, governos e altos servidores públicos do Estado, pela violência contra sindicalistas, pela ausência de uma legislação de suporte às convenções da OIT, pela recessão econômica, pelo estado constante de beligerância interna e externa (que não flexibiliza, por exemplo, chicanas de países vizinhos como a Venezuela) e pela intimação a empregados negociarem diretamente com os empregadores, de modo a, pouco a pouco, renunciarem às suas organizações sindicais (ROSADO DUQUE, Juan Bernardo. El Sindicalismo Colombiano: Actor Social em Medio de la Guerra, y el Temor a la Libertad. In: GARZA TOLEDO, Enrique de La (comp.). Sindicatos y Nuevos Movimientos Sociales en América Latina. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), p. 95-120, 2005, pp. 111 e 113).

168 EDWARDS, Richard. Rights at Work, p. 15.

169 BLANPAIN, Roger; BISOM-RAPP, Susan; CORBETT, William R.; JOSEPHS, Hilary K.; ZIMMER,

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estatais, que, cooptadas, seguem a cartilha da antissindicalidade para criminalizar a militância sindical e enfraquecer as garantias sindicais, de ordem legal, já existentes170.

Não sem razão, a maioria dos negócios norte-americanos, e de suas empresas171, orienta-se pelo desejo de se tornarem os mais livres possíveis de sindicatos, os mais dessindicalizados possíveis (union-free), quer nas operações nacionais, quer nas internacionais, o que impacta, diretamente, os padrões de investimentos feitos pela empresa, os tipos de locais onde se instalarão, os modelos de remuneração e os tipos de empregados que se entrevistam e que se contratam172.

Ao transpor as linhas de produção para plantas sem organização coletiva de trabalhadores, sem sindicatos, em verdadeiros greenfields, as plantas sindicalizadas eventualmente mantidas participam menos do bolo de investimentos, a ponto de, ao longo do tempo, tais plantas não mais serem contadas para algum tipo de produção. Na crua filosofia detidamente analisada pelos estrategistas dessas empresas, “nascer é melhor do que reencarnar”173. Sem sindicados, as multinacionais podem promover um maior investimento no relacionamento direto com o empregado, sem terceiros intervenientes no processo, sem representantes, muitas vezes em movimentos dissimulados de cooptação e de

170 Como é o caso, hoje, por exemplo, da Coréia do Sul (BIELER, Andreas; LINDBERG, Ingemar; PILLAY,

Devan. The Future of the Global Working Class: An Introduction. In: BIELER, Andreas; LINDBERG, Ingemar; PILLAY, Devan (ed.). Labour and the Challenges of Globalization, p. 11). O noticiário internacional recente, ainda mais depois de certas paralisações ocorridas em montadoras automobilísticas na China, dão conta, ao contrário, de que multinacionais como a norte-americana Wal-Mart, conhecida por manter política de não reconhecimento dos sindicatos no resto do mundo, teve que, por pressão dos sindicatos chineses, mudar a política (TIEJUN, Wen. How China’s Migrant Labourers are Becoming the New Proletariat. In: BIELER, Andreas; LINDBERG, Ingemar; PILLAY, Devan (ed.). Labour and the Challenges

of Globalization: What Prospects for Transnational Solidarity? London: Pluto Press; Scottsville: University of KwaZulu-Natal Press, p. 81-97, 2008, p. 93), muito embora seja uma das empresas mais antissindicais que se tem notícia (para tanto, para exemplificação, ver BROFENBRENNER, Kate. Conclusion. In: BROFENBRENNER, Kate (ed.) Global Unions: Challenging Transnational Capital Through Cross-Border Campaigns. Ithaca: Cornell University Press, p. 213-225, 2007, pp. 220-221).

171 Nos EUA, há uma enorme batalha, interna, para a promoção do sindicalismo, a fim de igualá-lo ao típico

americanismo. Um importante personagem do sindicalismo norte-americano, Philip Murray, desde 1947, sustentava que, antes de ser um sindicalista, era americano, com isso querendo vincular o sentimento patriótico também ao movimento sindical, o que explicaria o porquê de, nas décadas de 30 e 40, toda e qualquer ação sindical, de piquete a greves, apresentarem a bandeira norte-americana em destaque (RICHARDS, Lawrence. Union-Free America, pp. 29-30).

172 WEILER, Paul. C. Governing the Workplace: Employee Representation in the Eyes of the Law. In:

KAUFMAN, Bruce E.; KLEINER, Morris M. (ed.). Employee Representation: Alternatives and Future Decisions. Madison: Industrial Relations Research Association, p. 81-104, 1993, p. 85.

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alienação, que acabam por também causar o isolamento do trabalhador e um enorme vazio decorrente da ausência de voz, de ausência de representação174.

O movimento antissindical é tão forte no mundo corporativo mundialmente que até os tradicionais setores que viviam “livres” de sindicatos, ainda que ilegalmente, se transformaram por completo. Antes, apenas trabalhadores da gerência e executivos possuíam qualificação de não-sindicalizados, até porque menos motivamos sindicalmente, preocupados que estão com a própria carreira do que com a solidariedade. Agora, até operários possuem tal qualificação. Antes, as empresas “livres” eram, basicamente, do setor de serviços. Hoje, são também as de manufatura. Antes, as empresas “livres” eram pequenas, com menos de cem funcionários. Agora, não há limites175.

A antissindicalidade, em verdade, tornou o sindicalismo quase que irrelevante, tanto para a política, quanto para a economia176, até porque sequer se consideraram, neste ponto, as práticas antissindicais advindas do próprio Estado, que sedentos por investimentos diretos estrangeiros, são capazes de oferecer qualquer tipo de benesse ao capital, que vão das variadas formas de isenção tributária até a um ambiente livre de direitos trabalhistas177.