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5. A NEGOCIAÇÃO COLETIVA E OS INSTRUMENTOS COLETIVOS

5.1. Em prol da negociação coletiva internacional

5.1.2. Modelos de negociação coletiva internacional

Desde meados dos anos 90, depois da incorporação do Acordo sobre Política Social Europeia ao Tratado de Maastricht de 1992, vários modelos de negociação coletiva36, para além dos limites territoriais estatais e para além dos atores nacionais normalmente envolvidos na entabulação de instrumentos coletivos de trabalho, surgiram.

O primeiro modelo tem assento nos artigos 153, itens 1, 2 e 3; e 155, itens 1 e 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (antigos artigos 137 e 139 do Tratado Constitutivo da Comunidade Europeia – TCE)37, por meio dos quais as instituições

36 AGUILAR GONZÁLVEZ, Maria Cristina. La Negociación Colectiva en el Sistema Normativo

Comunitario. Valladolid: Lex Nova, 2006, pp. 125 a 127, passim. No âmbito da União Europeia, Brian

Bercusson atesta, ainda, que o diálogo social tem apontado quatro tipos de acordos possíveis: (i) o acordo interconfederal, intersetorial entre os parceiros sociais europeus (BusinessEurope, CES e CEEP); (ii) o acordo setorial europeu entre os parceiros organizados por indústria ou setor; (iii) o acordo com a empresa multinacional que tenha filiais em mais de um Estado Membro da União; e (iv) o acordo abrangendo mais de um Estado Membro (European Labour Law. Second Edition. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, p. 151).

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1. A fim de realizar os objectivos enunciados no artigo 151, a União apoiará e completará a acção dos Estados-Membros nos seguintes domínios:

a) Melhoria, principalmente, do ambiente de trabalho, a fim de proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores;

b) Condições de trabalho;

c) Segurança social e protecção social dos trabalhadores;

d) Protecção dos trabalhadores em caso de rescisão do contrato de trabalho; e) Informação e consulta dos trabalhadores;

f) Representação e defesa colectiva dos interesses dos trabalhadores e das entidades patronais, incluindo a co- gestão, sem prejuízo do disposto no n. 5;

g) Condições de emprego dos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território da União; h) Integração das pessoas excluídas do mercado de trabalho, sem prejuízo do disposto no artigo 166;

i) Igualdade entre homens e mulheres quanto às oportunidades no mercado de trabalho e ao tratamento no trabalho;

j) Luta contra a exclusão social;

k) Modernização dos sistemas de protecção social, sem prejuízo do disposto na alínea c). 2. Para o efeito, o Parlamento Europeu e o Conselho podem:

a) Tomar medidas destinadas a fomentar a cooperação entre os Estados-Membros, através de iniciativas que tenham por objectivo melhorar os conhecimentos, desenvolver o intercâmbio de informações e de boas práticas, promover abordagens inovadoras e avaliar a experiência adquirida, com exclusão de qualquer harmonização das disposições legislativas e regulamentares dos Estados- -Membros;

b) Adoptar, nos domínios referidos nas alíneas a) a i) do n. 1, por meio de directivas, prescrições mínimas progressivamente aplicáveis, tendo em conta as condições e as regulamentações técnicas existentes em cada um dos Estados-Membros. Essas directivas devem evitar impor disciplinas administrativas, financeiras e jurídicas contrárias à criação e ao desenvolvimento de pequenas e médias empresas.

O Parlamento Europeu e o Conselho deliberam de acordo com o processo legislativo ordinário, após consulta ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões.

Nos domínios referidos nas alíneas c), d), f) e g) do n. o 1, o Conselho delibera de acordo com um processo legislativo especial, por unanimidade, após consulta ao Parlamento Europeu e aos referidos Comités.

O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu, pode decidir tornar aplicável às alíneas d), f) e g) do n. o 1 o processo legislativo ordinário.

3. Qualquer Estado-Membro pode confiar aos parceiros sociais, a pedido conjunto destes, a execução das directivas adoptadas em aplicação do n. 2 ou, se for caso disso, a execução de uma decisão do Conselho adoptada nos termos do artigo 155.

Nesse caso, assegurará que, o mais tardar na data em que determinada directiva ou decisão deva ser transposta ou executada, os parceiros sociais tenham introduzido, por acordo, as disposições necessárias, devendo o Estado-Membro em questão tomar as medidas indispensáveis para poder garantir, a todo o tempo, os resultados impostos por essa directiva ou decisão.

4. As disposições adoptadas ao abrigo do presente artigo:

— não prejudicam a faculdade de os Estados-Membros definirem os princípios fundamentais dos seus sistemas de segurança social nem devem afectar substancialmente o equilíbrio financeiro desses sistemas, — não obstam a que os Estados-Membros mantenham ou introduzam medidas de protecção mais estritas compatíveis com os Tratados.

5. O disposto no presente artigo não é aplicável às remunerações, ao direito sindical, ao direito de greve e ao direito de lock-out.

(...) Artigo 155

1. O diálogo entre os parceiros sociais ao nível da União pode conduzir, se estes o entenderem desejável, a relações contratuais, incluindo acordos.

2. Os acordos celebrados ao nível da União serão aplicados, quer de acordo com os processos e práticas próprios dos parceiros sociais e dos Estados-Membros quer, nas matérias abrangidas pelo artigo 153, a pedido conjunto das partes signatárias, com base em decisão adoptada pelo Conselho, sob proposta da Comissão. O Parlamento Europeu é informado dessa adopção.

O Conselho delibera por unanimidade sempre que o acordo em questão contiver uma ou mais disposições relativas a um dos domínios em relação aos quais por força do n. 2 do artigo 153 seja exigida a unanimidade.”

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europeias podem entabular o diálogo social intersetorial para superar as dificuldades típicas relacionadas com a definição do que venha a ser “disposições necessárias” que deverão ser aplicadas no âmbito social. Vários acordos marco foram celebrados sobre as licenças- maternidade e paternidade, sobre o trabalho a tempo parcial e sobre os contratos de duração determinada, que, depois, se traduziram em Diretivas da União Europeia38.

O segundo modelo de negociação coletiva internacional diz respeito àquela que surge em razão da decisão da Comissão Europeia relativa à criação de comitês de diálogo setorial para a promoção do diálogo entre os agentes sociais em escala europeia, alguns também convertidos em Diretivas39.

O terceiro modelo é o que está se desenvolvendo no nível da empresa, com as empresas multinacionais de um lado e, de outro, com os comitês de empresa europeus ou com os sindicatos europeus ou com as federações sindicais internacionais, quer esses últimos organismos, de representação obreira, atuem de forma separada; quer de forma conjunta. Por esse tipo de negociação coletiva, busca-se a homogeneidade na regulamentação dos assuntos que transcendem as fronteiras nacionais mediante o estabelecimento de direitos de procedimento a valer para as sucursais e centros de trabalho, incluídas as filiais40, de uma mesma multinacional.

38 Como é o caso das Diretivas nºs 96/34/CE relativa ao Acordo Marco sobre as licenças paternidade e

maternidade celebrado pela BusinessEurope, o CEEP e a CES; 97/81/CE relativa ao Acordo Marco sobre o trabalho a tempo parcial, também entabulado pela BusinessEurope, CEEP e CES; e 99/70/CE sobre o Acordo Marco sobre o trabalho de duração determinada, também entabulado pela BusinessEurope, CEEP e CES. Ver, para tanto, ALES, Edoardo. La Negociación Colectiva Transnacional y la Necessidad de una Norma de la Unión Europea. Revista Internacional del Trabajo. Ginebra: Oficina Internacional del Trabajo, v. 128, nºs 1- 2, junio: 163-178, 2009, p. 164; PURCALLA BONILLA, Miguel Ángel. El Trabajo Globalizado: Realidades y Propuestas. Navarra: Aranzadi, 2009, pp. 104-105; BRONSTEIN, Arturo S. International and Comparative

Labour Law: Current Challenges. Geneva: International Labour Office; Hampshire: Palgrave Macmillan, 2009, p. 41.

39 Como é o caso das Diretivas nºs 1999/63/CE relativa ao Acordo sobre a ordenação do tempo de trabalho

dos trabalhadores do mar entabulado entre a Associação de Armadoras da Comunidade Europeia e a Federação de Sindicatos de Transporte da União Europeia; e 2000/79/CE relativa ao Acordo europeu sobre a ordenação do tempo de trabalho do pessoal de vôo da aviação civil entabulado pela Associação Europeia de Companhias Aéreas, a Federação Europeia de Trabalhadores no Transporte, a Associação Europeia de

Cockpit, a Associação de Linhas Aéreas Regionais Europeias e a Associação Internacional de Carrier Aéreo. Ver, para tanto, ALES, Edoardo. La Negociación Colectiva Transnacional y la Necessidad de una Norma de la Unión Europea. Revista Internacional del Trabajo, p. 164; PURCALLA BONILLA, Miguel Ángel. El

Trabajo Globalizado, pp. 104-105; BRONSTEIN, Arturo S. International and Comparative Labour Law, p. 41; CARRIL VÁZQUEZ, Xosé Manuel. Asociaciones Sindicales y Empresariales de Carácter Internacional, pp. 194-195.

40 ALES, Edoardo. La Negociación Colectiva Transnacional y la Necessidad de una Norma de la Unión

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O quarto modelo de negociação coletiva internacional é de natureza intersetorial, que os agentes sociais europeus levam a cabo de maneira autônoma e em conformidade com o artigo 155, item 1, do “Tratado sobre o Funcionamento da União Européia”, a fim de definir normas mínimas sobre aspectos específicos (teletrabalho, estresse laboral e assédio e violência no trabalho), ainda que amplos, das condições de trabalho41.

Com exceção do primeiro e do quarto modelo de negociação coletiva internacional, explicitamente previstos nos documentos constitutivos da União Europeia, os outros dois modelos acabaram, também, por serem regrados por instrumentos jurídicos próprios da União Europeia. No que diz respeito ao segundo modelo, a própria União Europeia editou a Decisão nº 98/500/CE relativa aos comitês de diálogo setorial. No que diz respeito ao terceiro modelo, a União Europeia editou a paradigmática Diretiva nº 94/45/CE sobre a constituição de um comitê de empresa europeu, tudo a ilustrar que, ainda que a União Europeia tenha desempenhado um papel importante para a aparição desse leque de possibilidades em negociação coletiva internacional42, o fenômeno negocial surgiu, originariamente, da atuação dos próprios atores sociais, no mundo dos fatos, cuja atuação espontaneamente ultrapassa os limites nacionais. De um lado, as empresas multinacionais; e, de outro, entidades sindicais internacionais (federações sindicais regionais e internacionais ou confederações sindicais regionais européias) ou, mesmo, organismos paritários ou, até, unitários, de representação obreira e patronal, como é o caso dos comitês de empresa europeus43, sem descartar a possibilidade de que a negociação coletiva também possa vir a se processar pela via das representações coletivas de trabalhadores de natureza unitária e não-sindical, desde que não conflitantes com as representações sindicais, como, aliás, convém ao disposto nos artigos 3º, alínea “b”; e 5º da Convenção nº 135 da OIT44 sobre a proteção de representantes de trabalhadores.

41 ALES, Edoardo. La Negociación Colectiva Transnacional y la Necessidad de una Norma de la Unión

Europea. Revista Internacional del Trabajo, p. 165.

42 Idem, ibidem, p. 165.

43 Ainda que a Diretiva nº 94/45/CE não contenha referência expressa aos sindicatos, a maior parte dos

comitês de empresa europeus incluíram os sindicatos em suas estruturas.

44 “Artigo 3º

Para os fins da presente Convenção, os termos "representantes dos trabalhadores" designam pessoas reconhecidas como tais pela legislação ou a prática nacionais, quer sejam:

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Já fora do contexto específico da União Europeia, poder-se-ia sustentar, segundo Georgenor de Sousa Franco Filho, que as modalidades possíveis de negociação coletiva internacional são as seguintes: (i) a geográfica, que abrangeria uma região ou grupo de países de regiões diferentes; (ii) a multinacional, que ocorre com uma empresa “transnacional”; e (iii) a internacional de setor industrial, que atingiria várias federações de vários países e que, por isso, poderia ser ajustada em um acordo marco supranacional, por comissões consultivas paritárias, por convenções coletivas de ramo de âmbito supranacional e negociações supranacionais por empresa, com conteúdo similar ao das nacionais45.

Para tanto, o procedimento, ainda segundo o autor, pode ser o de negociação internacional centralizada em alto nível de direção, com a direção central da matriz da multinacional, e descentralizada, ou seja, em vários locais com órgãos de direção inferior da estrutura empresarial46. Também se denomina de descentralizada, segundo a doutrina especializada, a negociação coletiva internacional processada por sindicatos de diversos países que coordenam, entre si, os objetivos e as estratégias de barganha e de negociação, ainda que cada um, ao final, negocie por separado, com a multinacional, as normas a cada um aplicáveis, o que dá ensejo à coordenação de vários convênios coletivos de trabalho47.

b) ou representantes eleitos, a saber representantes livremente eleitos pelos trabalhadores da empresa, conforme as disposições da legislação nacional ou de convenções coletivas, e cujas funções não se estendam a atividades que sejam reconhecidas, nos países interessados, como dependendo das prerrogativas exclusivas dos sindicatos.

(...) Artigo 5º

Quando uma empresa contar ao mesmo tempo com representes sindicais e representantes eleitos, medidas adequadas deverão ser tomadas, cada vez que for necessário, para garantir que a presença de representantes eleitos não venha a ser utilizada para o enfraquecimento da situação dos sindicatos interessados ou de seus representantes e para incentivar a cooperação, relativa a todas as questões pertinentes, entre os representantes eleitos, por uma Parte, e os sindicatos interessados e seus representantes, por outra Parte.”

45 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Negociação Coletiva Transnacional. In: FRANCO FILHO,

Georgenor de Sousa (coord.). Curso de Direito Coletivo do Trabalho: Estudos em Homenagem ao Ministro Orlando Teixeira da Costa. São Paulo: LTr, p. 291-307, 1998, p. 299; FRANCO FILHO. Georgenor de Sousa. As Empresas Transnacionais e as Entidades Sindicais no Mercosul. Revista do Tribunal Superior do

Trabalho. São Paulo: LTr, v. 64, p. 60-67, 1995, p. 63.

46 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Negociação Coletiva Transnacional. Ob. cit., p. 299; FRANCO

FILHO. Georgenor de Sousa. As Empresas Transnacionais e as Entidades Sindicais no Mercosul. Ob. cit., p. 63.

47 FRANCO, Julio; MARCOS-SÁNCHEZ, José; BENOÎT, Christine. Negociación Colectiva Articulada: Una

Propuesta Estratégica. Lima: Organización Internacional del Trabajo; Lima: Programa Laboral de Desarrollo – PLADES, 2001, p. 156.

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Contribuem para a negociação coletiva internacional, e para o desenvolvimento daquelas modalidades, condições objetivas, que dizem respeito ao grau de integração comercial e produtiva, de regionalização do mercado de trabalho e à presença de empresas em mais de um país, bem como condições subjetivas, relativas à capacidade de organização e de integração dos sindicatos envolvidos48.

Diante de todas essas circunstâncias, e mormente dos paradigmas ofertados pela União Europeia, constata-se que a nova e querida atuação do internacionalismo profissional opera em variadas dimensões para a negociação coletiva internacional, que dependem da atuação dos atores sociais a partir do universo micro, dos locais de trabalho, até o universo macro, para além das fronteiras nacionais.

No universo micro, a partir da revitalização e da renovação das práticas sindicais com o desenvolvimento de direitos de informação e de consulta nos locais de trabalho para embasar o trabalho, na Europa, de comitês de empresa europeus, ou, no mundo, de conselhos ou comitês sindicais internacionais de trabalhadores49. Em sistemas normativos que admitem a coexistência de representações coletivas de trabalhadores de natureza sindical nos locais de trabalho (delegados sindicais, seções sindicais na empresa) com as de natureza unitária e não-sindical, a partir do desenvolvimento, também, da atuação, do acesso à informação e à consulta, de representantes eleitos de trabalhadores, de delegados de pessoal, de comitês ou conselhos de empresa locais ou regionalizados, inclusive, em grupos empresariais, a depender da estrutura empresarial.

No universo macro, a partir da constatação de que blocos de atuação supranacional, como é o caso da União Europeia, sugerem a integração de sistemas de direitos sociais para prover, os atores sociais e trabalhadores e de empresários, de segurança para a atuação de forma simétrica no espaço geográfico internacional/global.