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DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO

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A medida tem força coercitiva, produz efeitos positivos, mas a sua verdadeira aplicação é um conjunto de fatores que estão implícitos. Se as instituições familiares, escolares, etc, perdem o poder de educação dos menores, as medidas impostas pelo Poder Público através do Estatuto repercutirá em pouco efeito. Contudo, o juiz através de sua autoridade, ainda impõe um caráter sancionatório, trazendo resultados positivos.

8.2 DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO

O direito à propriedade é garantido pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXII. Caso alguém seja prejudicado em relação ao seu patrimônio, tem direito ao ressarcimento do mesmo. Se um adolescente cometer algum ato infracional, contrário as normas legais, que cause prejuízo à vítima, deverá reparar o dano, fazendo o ressarcimento do patrimônio. Está previsto no artigo 927 do Código Civil que a prática de um ato ilícito impõe ao seu autor a obrigação de reparar o dano. Roberto João Elias59 dá exemplo de algumas situações que poderão ocasionar o ressarcimento pelo adolescente:

em caso de furto, roubo, apropriação indébita, sempre que possível, o objeto da infração deve ser restituído. Porém, se o ato infracional causou algum dano, é natural que haja uma compensação em dinheiro. Isso, evidentemente, pode ocorrer se o adolescente possuir bens. Caso contrário, o Juiz da Infância e da Juventude poderá aplicar outra medida. (2010, pág. 158)

Como a medida prevista no Estatuto é aplicável aos adolescentes, que estão em fase de desenvolvimento, nem sempre haverá patrimônio para que possa ressarcir o dano que causou. Como já dito anteriormente, os pais ou responsáveis legais, são responsáveis pelos menores, e podem ser acionados pela vítima do ato infracional, que

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ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. 2010, pág. 158.

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restituição ao prejuízo causado. Sobre a responsabilidade dos pais, comenta Roberto João Elias que

não se deve esquecer que os pais ou tutores são responsáveis pela reparação civil, nos termos do artigo. 932, I e II, do novo Código Civil. Nada impede, portanto, que sejam acionados pela vítima de prejuízos causados por menores (crianças e adolescentes).

Apesar das medidas socioeducativas serem aplicadas somente aos adolescentes o exemplo citado pelo autor demonstra uma exceção em que a medida de obrigação de reparar o dano poderá ser aplicada aos responsáveis da criança.

O que na maior parte das vezes acaba ocorrendo é que os pais por serem responsáveis e os adolescentes não terem poder econômico, a medida acaba indiretamente surtindo efeito perante os pais ou responsável e não diretamente ao adolescente, como é intenção do ECA. A responsabilidade da reparação será exclusivamente dos pais aos menores de 16 anos e solidária quando tiver mais de 16 anos.

A partir do inciso II, do artigo 112, a lei prevê a necessidade de provas de materialidade e indícios de autoria. Porém o promotor de Justiça Lauro Gomes Ribeiro60 comenta que

a autoridade judicante deve atenuar o rigorismo formal das “provas suficientes de autoria e materialidade da infração”, no sentindo de alcançar Adolescentes com deficiências familiares, a fim de possibilitar a ingerência do Poder Público, buscando levar aos hipossuficientes elementos educadores e apoio psicossocial.

O promotor interpreta que a intenção da lei é atingir a família, a conduta social dos adolescentes. Se a lei for tratada com extremo rigor, muitas vezes poderá deixar de atingir situações em que seria necessária a intervenção do Estado. Os magistrados

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PEREIRA, Cassio Rodrigues. Estatuto da Criança e do Adolescente à luz do direito e da Jurisprudência. 2002, pág. 167.

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devem adequar subjetivamente a aplicação da lei, considerando os indícios e a materialidade, porém evitando inocentar adolescentes infratores, por falta de provas suficientes e dúvida da conduta.

O direito “penal” do menor é diferenciado do direito penal previsto no Código Penal. Apesar da utilização de teorias do direito penal estarem implícitas no Estatuto, a aplicação no caso das medidas não seguem os mesmos fundamentos. No caso de dúvida, a medida deverá ser aplicada. Os doutores Carlo Fantonio Junior e Oswaldo Monteiro da Silva Neto (Coletânea de julgados reunida pelos Promotores de Justiça da Infância e da Juventude da Capital)61 destacam que a simples confissão do menor é suficiente para aplicação da medida.

Um dos problemas em relação à aplicação da reparação do dano e de outras medidas, de forma geral, não encontra-se exatamente na aplicação da medida, mas sim, que muitos casos sequer chegam ao poder judiciário.

Segundo Edson Passetti62 falta ao ECA incorporar o elemento conciliatório, dando o derradeiro ultimato ao modelo punitivo. Diz o autor, após citar Louk Hulsman e Jacqueline Bernat de Celis: “Uma parte muito pequena de situações teoricamente criminalizáveis são tratadas pela mecânica repressiva. Casos deveriam passar pelo sistema penal escapam ou porque não são denunciados à polícia ou porque ao chegarem conhecimento do Ministério Público não são levados adiante, pois através dos mais diversos critérios os promotores filtram as situações puníveis. Muitas vezes a vítima não considera que exista um autor culpável pelo fato, entendendo não haver razão para uma intervenção criminalizante. Busca, então, uma compensação ou uma forma de conciliação e, com isso, coloca em dúvida a classificação das condutas em ‘civil’ ou ‘penal’ – grifo do autor (cf. Violentados: crianças, adolescentes e justiça, p. 150)

De forma contrária, há autores que entendem que as relações das crianças e adolescentes devem ser resolvidas por órgãos administrativos do Estado, não sendo necessário na maioria dos casos o ingresso no poder Judiciário. Mais importante seria

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PEREIRA, Cassio Rodrigues. Estatuto da Criança e do Adolescente à luz do direito e da Jurisprudência. 2002, pág. 168.

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a aproximação do adolescente ao meio que está inserido em sua comunidade. Dessa forma defende Miguel Moacyr Alves Lima63 que

aplicar o princípio da desjudicialização significa buscar novos critérios para compreender e abordar a questão menorista, encarando sob um prisma crítico-dialético as suas raízes sociais, econômicas e políticas; significa redefinir o papel reservado às instituições privadas ou estatais no contato com a criança e o adolescente cuja situação ou conduta exija orientação, acompanhamento, assistência material ou moral, correção, tratamento ou proteção; significa, também, no caso de infratores, esgotar em todos os sentidos os meios não jurisdicionais de recepção e encaminhamento. (MUNIR CURY, 2010, pág. 562)

O texto acima citado demonstra a deficiência do sistema e não da aplicação da medida. Cabe tanto a vítima quanto aos funcionários do Estado que cumpram seu papel denunciando e fazendo cumprir as normas previstas na lei. Na maior parte das vezes, os casos acabam por se resolver entre as partes, com ou sem reparação do prejuízo ou com o próprio Ministério Público não dá continuidade. Dessa forma, não há como garantir o cumprimento da medida e ter eficiência na sua aplicação.

A reparação à vítima poderá ser através da restituição do patrimônio que sofre dano ou através do ressarcimento ou de outra forma que compense o ato. O que o ECA levará em conta é que tenha ocorrido algum tipo de perda patrimonial, não importando a sua espécie. A partir do momento que há essa perda, haverá o dever da reparação.

Na prática, a intenção da aplicação da medida de reparar o dano é focada na vítima e no próprio adolescente, como forma de fazê-lo compreender o seu ato. De acordo com Miguel Moacyr Alves Lima64,

[...] favorecendo-se ainda mais para a vítima a recuperação das perdas e propiciando-se que, de imediato, o adolescente perceba os efeitos sociais e econômicos dos seus atos, aguçando-lhe o sentido de seus direitos e deveres. Trata-se, então, de aproveitar os “reflexos patrimoniais” do ato praticado pelo adolescente para nele desenvolver ou estimular o desenvolvimento de traços positivos do seu caráter.

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CURY, Munir (coord). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: Comentários Jurídicos e Sociais. 2010, pág. 562.

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CURY, Munir (coord). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: Comentários Jurídicos e Sociais. 2010, pág. 561.

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O artigo 116 do ECA não é específico quando refere-se a compensar o prejuízo da vítima e por ser uma norma em branco, dá margem para que seja interpretada de forma livre, o que pode não se a intenção do legislador.

José Luiz Mônaco da Silva65 comenta a reparação do dano:

se o adolescente infrator não reunir condições financeiras de reparar o dano causado, a solução consistirá na sua substituição por outra medida. De nada adiantaria impor-lhe a obrigação de reparar o dano se, sabidamente, o prejuízo experimentado pela vítima não seria ressarcido dado as suas precárias condições socioeconômicas. Assim, nesses casos, a medida prevista na cabeça do artigo deverá (e não poderá, como diz erroneamente o dispositivo) ser trocada por uma das que fazem parte do rol do art. 112, preferencialmente à prestação de serviços à comunidade.

O juiz Luiz Carlos de Barros Figueiredo66 comenta que “a restituição da coisa normalmente já se procedeu na fase policial, e ‘chover no molhado’ não tem grande valor pedagógico”.

Reparar o dano acaba não produzindo muitos efeitos na prática. O patrimônio pode ser devolvido de uma forma ou outra conforme previsto no Estatuto, mas atingir o verdadeiro fim social da medida é um tanto distante.

A medida de reparação deve atingir à vítima, ao adolescente e aos pais ou responsáveis. A intenção do Estatuto é não apenas suprir o patrimônio abalado, o lado econômico ou cumprir com a burocracia da lei, é também considerar o lado social que está em questão, de forma a fazer o adolescente passar por essa vivência e buscar uma ressocialização de forma positiva. Essa interação dos interesses do ECA cabe à autoridade competente, sendo o Ministério Público e devendo cumprir o caráter pedagógico da aplicação dessa medida para que surta efeitos positivos.

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CAVALLIERI, Alyrio. Falhas do Estatuto da Criança e do Adolescente. 1995, pág. 62. ϲϲ

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8.3 DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À