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Da aplicação do licenciamento ambiental: atividades que devem ser a ele submetidas.

2. LICENCIAMENTO AMBIENTAL: UMA FERRAMENTA DE GERENCIAMENTO DE

2.5 Da aplicação do licenciamento ambiental: atividades que devem ser a ele submetidas.

A fim de aprofundar o conhecimento acerca das atividades que se sujeitam ao licenciamento ambiental, convém segmentar as normas contidas no caput do art. 10 da Lei 6938/81 e art. 2º da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) n. 237/97, com o fito de extrair o significado dos termos ali utilizados para criar a hipótese de

57 Referindo-se a direitos, deveres e princípios ambientais na Constituição de 1988, Herman Benjamin ensina

que “[...] procedimentais ou instrumentais são os que se prestam à viabilização, execução ou implementação dos direitos e das obrigações materiais, alguns com feição estritamente ambiental, outros de aplicação mais abrangente, não restritos ao campo da tutela do meio ambiente [...]. BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 115.

58 Nas palavras de Ingo Sarlet, “[…] sustenta-se que com base no conteúdo das normas de direitos fundamentais

é possível se extrair conseqüências para aplicação e interpretação das normas procedimentais, mas também para formatação do direito organizacional e procedimental que auxilie na efetivação da proteção aos direitos fundamentais de modo a se evitarem os riscos de uma redução do significado do conteúdo material deles. Neste contexto, há que considerar a íntima vinculação entre direitos fundamentais, organização e procedimento, no sentido de que os direitos fundamentais são, ao mesmo tempo e de certa forma, dependentes da organização e do procedimento (no mínimo, sofrem uma influência destes), mas simultaneamente também atuam sobre o direito procedimental e as estruturas organizacionais”. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos

fundamentais. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 166.

59 Acerca das dimensões subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais consultar: DIMOULIS, Dimitri;

MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 116-131; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Edições Almedina, 2003. p. 476-477; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO; Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 255-258. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 157-172.

60 PEREIRA, Ana Carolina Barbosa; TEIXEIRA, Leopoldo Fontenele. Algumas tentativas de flexibilização do

licenciamento ambiental à luz dos princípios da vedação do retrocesso ambiental e da proibição de proteção insuficiente do meio ambiente por parte do Estado: desburocratização ou inconstitucionalidade? In: Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito. (Org.). Anais do [Recurso eletrônico] XX Encontro Nacional do CONPEDI.. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011, p. 2080-2111.

61 OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. Introdução à legislação ambiental brasileira e licenciamento

ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 287.

62 “não é demais novamente salientar tratar-se o licenciamento ambiental das atividades poluidoras ou

modificadoras do meio ambiente do principal instrumento à disposição do Poder Público para permitir e induzir a utilização racional dos recursos ambientais, até por organismos estatais ou paraestatais, de forma não predatória, atingindo a finalidade social que a Constituição prioriza”. OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis.

Introdução à legislação ambiental brasileira e licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005,

incidência das normas que exigem o licenciamento ambiental. Eis a redação dos dispositivos,

in verbis:

Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental. (Redação dada pela Lei Complementar nº 140, de 2011)

Art. 2º- A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.

Inicialmente, cumpre descrever o conceito de recursos naturais, degradação ambiental e poluição. Todos esses conceitos estão presentes na Lei 6938/81. Diz o art. 3º da referida Lei, in verbis:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)

Vê-se que os recursos ambientais são praticamente todos os bens naturais passíveis de serem manejados ou afetados pelas atividades humanas, quais sejam, atmosfera, águas, solo e subsolo, fauna, flora, biosfera.

A interação entre esses recursos ambientais pode ser entendida como o que se denomina meio ambiente, local que abriga e rege a vida. Quando uma atividade altera, de forma adversa (impacto negativo), o meio ambiente, diz-se que se está diante de uma

degradação ambiental. Quando a degradação ambiental é fruto de uma atividade que implique uma das situações descritas nas alíneas do inciso III, do art. 3º, tem-se a poluição.

Percebe-se que o conceito de degradação ambiental engloba o de poluição, visto que esta é uma espécie de degradação ocasionada por uma atividade, que, decerto, é aquela conduzida por uma pessoa, física ou jurídica, de direito público ou privado. É de se frisar, ainda, que as hipóteses passíveis de causar poluição não são taxativas, podendo, ainda que com dificuldade, haver atividade não descrita ali, mas que, por causar degradação ambiental, é de ser enquadrada no conceito legal de poluição. 63

Dentro da precaução que é inerente ao processo de licenciamento ambiental, determina o legislador que não só a atividade que seja efetivamente poluidora deve se submeter ao prévio licenciamento, mas também aquela que potencialmente seja poluidora.64

A Resolução CONAMA 237/97, no seu art. 2, §1º, afirma que estão sujeitas ao licenciamento as atividades descritas no seu Anexo 1. Todavia, cabe aqui o alerta de que também essa relação não é exaustiva, sendo praticamente impossível ao legislador prever todas as hipóteses de atividades degradantes que devem ser previamente licenciadas, considerada a complexidade e rapidez com que evolui a tecnologia e o conhecimento humanos. Aliás, o parágrafo segundo do art. 2º da mesma Resolução abre margem ao complemento da lista contida no Anexo 1.65

Para as atividades que constam do citado Anexo 1, pensa-se que se está diante de uma presunção juris tantum de que as atividades ali descritas devem se submeter ao processo de licenciamento ambiental, considerada a pré-compreensão que se tem de seu caráter efetiva ou potencialmente poluidor ou degradador do meio ambiente.

Assevera-se haver aí uma presunção relativa – que admite prova em contrário – porque, em tese, o interessado no licenciamento pode demonstrar por estudos técnicos que sua

63 FIORILO, Celso Antônio Pacheco; MORITA, Dione Mari; FERREIRA, Paulo. Licenciamento ambiental.

São Paulo: Saraiva, 2011, p. 33.

64 FARIAS, Talden. Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos. 2ª ed. Belo Horizonte: Forum,

2010, p. 42-43.

65 FARIAS, Talden. Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos. 2ª ed. Belo Horizonte: Forum,

2010, p. 44-45. OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. Introdução à legislação ambiental brasileira e

licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 296-297; FINK, Daniel Roberto; André

Camargo Horta de Macedo. Roteiro para licenciamento ambiental e outras considerações. In: FINK, Daniel Roberto; ALONSO JR., Hamilton; DAWALIBI, Marcelo. Aspectos jurídicos do licenciamento ambiental. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 18; BECHARA, Erika. Licenciamento e compensação

ambiental na lei do sistema nacional das unidades de conservação (SNUC). São Paulo: Atlas, 2009, p. 92.

MACHADO, Auro de Quadros. Licenciamento ambiental: atuação preventiva do estado à luz da Constituição da República Federativa do Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 124.

atividade não é geradora, nem potencialmente, de impactos ambientais com significância suficiente para demandar a realização de um processo de licenciamento ambiental.66

Pode, ainda, o próprio Poder Público explicitar exceções àquela lista, haja vista que o próprio parágrafo segundo do art. 2º da Resolução 237/97 abre margem para isso quando diz caber ao órgão ambiental competente definir os critérios de exigibilidade e detalhamento do Anexo 1, levando em consideração as especificidades, os riscos ambientais, o porte e outras características do empreendimento ou atividade. Devem, todavia, tais exceções constar de norma geral.67

As razões que justificam essa margem de liberdade do licenciador são bem explicitadas por Erika Bechara:

Com efeito, a faculdade conferida ao órgão ambiental de definir de quais empreendimentos estampados no Anexo 1 será exigido o licenciamento até tem uma razão de ser: alguns dos empreendimentos ali citados podem ter um porte acanhado ou qualquer outra característica que lhes retire o potencial degradador (o que não significa dizer que não provocarão nenhuma alteração do meio ambiente […]), de modo a se fazer prescindível o procedimento licenciatório. Ademais, como bem observa Francisco Thomaz van Acker, algumas das atividades aludidas no Anexo 1 estão descritas de forma muito vaga – como p. ex.: “obras de arte” e “criação de animais” -, de modo a reclamar providências normativas posteriores, no sentido de esclarecer quais as atividades que, de fato, estão abrangidas nestas indicações tão imprecisas.68

Consoante visto acima, sujeitam-se ao licenciamento ambiental todas as obras, empreendimentos e atividades que, utilizando recursos naturais, tenham o condão de ser poluidores ou mesmo de causar degradação ambiental. Assim, a contrario sensu, ter-se-ia que atividades em sentido amplo que nem potencialmente pudessem causar degradação ambiental não necessitariam se submeter ao processo de licenciamento ambiental.

Todavia, qualquer intervenção humana na natureza possui a capacidade de causar impacto ambiental. Portanto, não é a ausência de impacto no ambiente que deve servir de parâmetro para afastar a exigência de licenciamento, e sim a magnitude do impacto. Somente

66 Em sentido diverso, entendendo que se a atividade está contida no Anexo 1, não há margem para não

realização do licenciamento cf. FARIAS, Talden. Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos. 2ª ed. Belo Horizonte: Forum, 2010, p. 44; BECHARA, Erika. Licenciamento e compensação ambiental na lei do

sistema nacional das unidades de conservação (SNUC). São Paulo: Atlas, 2009, p. 95.

67 BECHARA, Erika. Licenciamento e compensação ambiental na lei do sistema nacional das unidades de

conservação (SNUC). São Paulo: Atlas, 2009, p. 93-95.

68 BECHARA, Erika. Licenciamento e compensação ambiental na lei do sistema nacional das unidades de

os impactos com algum relevo é que se submetem ao licenciamento ambiental, sob pena de se ter que licenciar qualquer atividade humana.69

Mas o que é impacto ambiental? Impacto ambiental é toda alteração causada no meio ambiente pelo homem. Afirma o art. 1º da Resolução CONAMA n. 001/86, in verbis:

Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:

I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas;

III - a biota;

IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais.

É importante ressaltar que nem todos os impactos ambientais causados pelo ser humano são prejudiciais ao meio ambiente, podendo-se falar em impactos positivos e negativos (Decreto 99.274/90, art. 17, § 1º, c). O licenciamento ambiental teria como uma de suas missões impedir ou minorar os impactos negativos e maximizar os impactos positivos.70

No mais, tanto a Lei 6938/81, como a Resolução 237/97, buscam abarcar todas as possibilidades de condutas tendentes a causar impactos ambientais ao utilizar os termos localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades. Guilherme de Souza Nucci, comentando o tipo previsto no art. 60 da Lei 9605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, assim interpreta os termos acima mencionados:

[…] construir (fabricar, gerar), reformar (reconstruir, emendar), ampliar (aumentar

as dimensões), instalar (colocar algo preparado para entrar em funcionamento e

fazer funcionar (entrar em atividade) são as condutas cujo objeto é o

estabelecimento (local onde funciona alguma empresa ou instituição), obra

69 FARIAS, Talden. Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos. 2ª ed. Belo Horizonte: Forum,

2010, p. 50; OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. Introdução à legislação ambiental brasileira e

licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 289.

70 FARIAS, Talden. Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos. 2ª ed. Belo Horizonte: Forum,

2010, p. 51. OLIVEIRA. Segundo Antônio Inagê de Assis Oliveira, “o seu cotejamento é que permite à autoridade licenciadora, tendo em vista o bem comum, decidir pela concessão ou denegação da licença, assim como, no caso do deferimento, estabelecer as restrições cabíveis de forma a reduzir ao mínimo os efeitos ambientais adversos e potencializar os benéficos”. Antônio Inagê de Assis. Introdução à legislação ambiental

(qualquer prédio em construção) ou serviço (atividade) potencialmente poluidora (capaz, em tese, de gerar sujeira) [...].71

O termo localização, como se verá adiante, tem íntima vinculação com a chamada licença prévia, eis que até mesmo o local que se pretende instalar determinada atividade deve ser objeto de licença ambiental, até para se saber acerca da possibilidade de utilização daquele lugar para a atividade desejada, haja vista que o uso pretendido do espaço pode, por exemplo, não ser autorizado pelo zoneamento ambiental ou mesmo se estar diante de uma área especialmente protegida, como as áreas de preservação permanente, nas quais a legislação restringe o seu aproveitamento em benefício da tutela ambiental.

São esses, pois, os pressupostos exigidos pela legislação de regência para que se vislumbre a necessidade de submissão de determinada atividade humana ao processo administrativo de licenciamento ambiental.

Uma vez compreendida a hipótese de incidência das normas que preveem a necessidade de realização do licenciamento, faz-se importante estudar como se desenrola o processo de licenciamento ambiental, isto é, o seu procedimento. Mas, antes, é recomendável efetuar um estudo acerca do objetivo maior do processo de licenciamento ambiental: a licença ambiental.

71 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4ª ed. São Paulo: Revista dos