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1.4 O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado na Constituição

1.4.3 Meio ambiente equilibrado como essencial à sadia qualidade de vida

Diz, ainda, o caput do art. 225 que o meio ambiente equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida. O que quer dizer um ambiente equilibrado? O que significa qualidade de vida?

Como se viu, a Lei que trata da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6938/81), em seu art. 3º, I, considera o meio ambiente como conjunto condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Encara-se, pois, como acima mencionado, o meio ambiente não só por seus elementos, mas pelo todo (conjunto de elementos e suas relações recíprocas).

Eis o teor do dispositivo legal, in verbis:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

Percebe-se, pela própria definição legal de meio ambiente, a qual auxilia a interpretação das normas ambientais inseridas na Constituição, uma vez que esta não contém a conceituação de meio ambiente, que este, em essência, não é algo que possa ser representado por uma realidade estática. O meio ambiente, mesmo antes de intervenções humanas mais intensas, apresenta-se como realidade dinâmica, que, portanto, está em constante movimento, em perene processo de modificação, de (re)construção, o que se dá pela influência recíproca entre seus diversos componentes, bióticos e abióticos.

Essas interações e mutações constantes, como diz a própria norma, seguem leis naturais que, dentro de um caos ou aleatoriedade aparentes, conduzem as alterações ambientais a um equilíbrio. Diz-se que o meio ambiente natural equilibrado está em homeostase104.

A respeito da expressão meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim se pronuncia Herman Benjamin:

104 “Processo de auto-regulação, através do qual os sistemas biológicos tentam manter um equilíbrio ou

estabilidade, enquanto se ajustam às mudanças de condições ambientais para uma ótima sobrevivência […]”.MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 988-989.

[…] cada vez mais os cientistas se dão conta de que os sistemas naturais não são tão previsíveis como dão a entender as expressões populares, do tipo “equilíbrio ecológico” ou “equilíbrio da natureza”. Na verdade, o equilíbrio ecológico, no sentido utilizado pela Constituição, antes de ser estático, é um sistema dinâmico. Não é objetivo do Direito Ambiental fossilizar o meio ambiente e estancar suas permanentes e comuns transformações, que vêm ocorrendo a milhões de anos. O que se busca é assegurar que tal estado dinâmico de equilíbrio, em que se processam os fenômenos naturais, seja conservado, deixando que a natureza siga seu próprio curso”.105

No mesmo sentido leciona Paulo Affonso Leme Machado:

O equilíbrio ecológico “é o estado de equilíbrio entre os diversos fatores que foram um ecossistema ou habitat, suas cadeias tróficas, vegetação, clima, micro- organismos, solo, ar, água, que pode ser desestabilizado pela ação humana, seja por poluição ambiental, por eliminação ou introdução de espécies animais e vegetais [...].

O equilíbrio ecológico não significa uma permanente inalterabilidade das condições naturais. Contudo, a harmonia ou a proporção e a sanidade entre os vários elementos que compõem a ecologia – populações, comunidades, ecossistemas e a biosfera – hão de ser buscadas intensamente pelo Poder Público, pela coletividade e por todas as pessoas.106

É preciso sublinhar que, dentro desse equilíbrio dinâmico que caracteriza o meio ambiente, o homem está inserido, constituindo, senão o mais importante, um dos elementos bióticos capazes de interferir no equilíbrio das relações que se estabelecem no meio ambiente. A natureza, por assim dizer, não é algo externo ao homem e suas múltiplas atividades, mas, em verdade, é uma realidade maior do que a humanidade, que lhe dá abrigo, que lhe alimenta, que lhe permite viver.

Daí, considerando-se o homem com um fator que também legitimamente interfere no meio ambiente, porque também tem seu espaço na natureza, é de se exigir que essa atuação, assim como a dos outros seres, dê-se de forma equilibrada, respeitando o tempo da natureza para regeneração de seus recursos renováveis, de absorção dos resíduos que nela são despejados, utilizando de forma parcimoniosa os recursos não renováveis, em outras palavras, que essa ação humana, para ser legítima, seja sustentável no longuíssimo prazo (gerações futuras).

A Constituição afirma expressamente que esse ambiente ecologicamente equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida.

105 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira.

In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental

brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 127-128.

106 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 20ª ed. São Paulo, Malheiros, 2012, p.

Para Canotilho e Vital Moreira, qualidade de vida é:

[…] um resultado, uma consequência derivada da interacção de múltiplos fatores no mecanismo e funcionamento das sociedades humanas e que se traduz primordialmente numa situação de bem-estar físico, mental, social e cultural, no plano individual, e em relações de solidariedade e fraternidade no plano coletivo. A constituição estabelece, acertadamente, a articulação entre ambiente e qualidade de vida: o ambiente é um valor em si na medida em que também o é para a manutenção da existência e alargamento da felicidade dos seres humanos (teleologia antropocêntrica).107

Por qualidade de vida ou vida com qualidade, para fins jurídicos, pode ser entendida a vida que vai além de simplesmente sobreviver, trata-se de um viver qualificado pela possibilidade de pleno desenvolvimento das potencialidades do ser humano, que, para tanto, deve ter acesso a alimentação de qualidade, moradia digna, educação, saúde, entre outras exigências, dentre as quais, mas não exclusivamente, viver em um meio ambiente equilibrado, desprovido de poluição e fonte de recursos para o desenvolvimento das mencionadas pontencialidades.

Depreende-se, pois, uma grande aproximação entre a qualidade de vida e vida com dignidade. Daí estar com razão Fiorillo ao associar a qualidade de vida ao acesso ao que ele denomina de piso vital108 mínimo, representando este a concreta realização do princípio

da dignidade da pessoa humana e dos direitos sociais descritos no caput do art. 6º da CF/88 somados ao enfoque ambiental.109

Herman Benjamin vai além da interpretação antropocêntrica da expressão, tomando-a como indicadora da necessidade de manutenção do ambiente em condições de permitir o pleno desenvolvimento de todas as formas de vida, e não somente a humana.110

107 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. Vol I, 4ª.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra, PT: Coimbra Editora, 2007, p. 845.

108 Pensa-se ser válida a observação de Sarlet e Fensterseifer, no sentido de que não se deve compreender o que

se costuma chamar de mínimo existencial somente como aquilo que seja essencial para sobreviver, daí ser mais adequada a menção a mínimo existencial em lugar de mínimo vital, que demonstra a superação ao conteúdo mínimo necessário para uma simples manutenção da vida, para significar uma vida qualificada pela dignidade, o que engloba o acesso a um meio ambiente sadio. FENSTERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).

Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 29.

109 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Saraiva,

2012, p. 66-67.

110 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental

Enfim, um meio ambiente equilibrado, não degradado, é mesmo fundamental a uma vida com saúde, na qual se possa desempenhar todos os papéis reservados ao ser humano na vida social.

A partir do próximo capítulo, passar-se-á a abordar o instituto do licenciamento ambiental dito geral. Frisa-se, desde já, que se pretende abordar tão-somente o licenciamento dito geral ou ordinário, isto é, o regulado pela Lei Complementar 140/2011, Lei nº 6.938/81, Decreto nº 99.247/90 e Resolução 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), não se tratando, no trabalho, acerca de processos de licenciamento para específicas atividades a ele sujeitas. É o que se passa a fazer.

2. LICENCIAMENTO AMBIENTAL: UMA FERRAMENTA DE