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Da «aprendizagem informal à aprendizagem formal»

Capítulo 2. Gramática e leitura: da investigação ao ensino

2.2. A leitura como competência linguística

2.2.2. Ensino e aprendizagem da leitura

2.2.2.1. Da «aprendizagem informal à aprendizagem formal»

Modelos de aprendizagem da leitura: modelos desenvolvimentistas e modelos compreensivos

Desde a década de 1980, foram propostos vários modelos de aprendizagem da leitura. Contrariamente aos modelos teóricos de leitura mencionados em 2.2.1.2., que procuram caracterizar os processos envolvidos no ato de ler na leitura experiente, estes modelos procuram descrever as fases ou estádios pelos quais as crianças passam durante a aprendizagem inicial da leitura. No quadro abaixo, apresenta-se uma síntese de quatro modelos de aprendizagem de referência na literatura e das suas respetivas fases a partir de Martins & Niza (1998: 129-135). Destes, será tratado brevemente o modelo de Marsh

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Niza 1998), assim como o modelo de Frith (1985), que tem subjacente uma teoria cognitiva da aprendizagem da leitura que viria a influenciar investigações posteriores.

Marsh et al. (1981) 4 fases Ehri et al. (1985) 3 fases Frith (1985) 3 fases Harris et al. (1986) 4 fases adivinhas linguísticas leitura por índices

visuais

estratégias logográficas

vocabulário visual

rede de discriminação rede de discriminação

descodificação sequencial

leitura por índices fonéticos

estratégias alfabéticas descodificação fonológica descodificação

hierárquica

leitura pelo uso sistemático do código

estratégias ortográficas

fase ortográfica Quadro 3: Síntese de modelos de aprendizagem de leitura, segundo Martins & Niza (1998:136).

O modelo proposto por Marsh et al. (1981), baseado na teoria de desenvolvimento piagetiana, apresenta quatro fases de aprendizagem da leitura, caracterizadas por diferenças qualitativas nas estratégias utilizadas pelas crianças. Na primeira fase, a das «adivinhas linguísticas», a criança identifica palavras não por processos de descodificação mas por índices visuais, a partir do contexto extralinguístico. Assim, palavras como o seu nome, o nome dos pais ou de marcas, passam a constituir o vocabulário visual da criança. Já na segunda fase, denominada «rede de discriminação», a criança passa a prestar atenção a alguns índices gráficos das palavras, como a primeira letra ou a dimensão da palavra, e é capaz de estabelecer comparações entre novas palavras e palavras que conhece, ainda que fortemente apoiada pelo contexto extralinguístico. É apenas na terceira fase, a da «descodificação sequencial», que a identificação das palavras passa a ser apoiada nas correspondências simples entre grafemas. Por fim, na quarta fase, a da «descodificação hierárquica», as crianças são capazes de utilizar regras mais complexas de correspondência, tendo em conta, por exemplo, valores posicionais das letras e analogias entre palavras.

Frith (1985) propõe um modelo de aprendizagem da leitura em três fases. A primeira fase, conhecida como a fase «logográfica», caracteriza-se pela utilização de

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estratégias apoiadas em indicadores gráficos (forma, cor, tipo de letra) e contextuais das palavras. Nesta fase, que pode ser observada a partir dos três anos, a criança é capaz de «ler» palavras a que frequentemente está exposta, tais como o nome escrito dos colegas do jardim de infância ou de logomarcas. No entanto, se se alterarem os indicadores que suportam a identificação das palavras (por exemplo, PEDRO para Pedro), possivelmente a criança deixará de conseguir identificar a palavra. Na segunda fase, as crianças passam a identificar as palavras através de estratégias alfabéticas, ou seja, é iniciado o processo de descoberta do princípio alfabético, que permite a compreensão de que as palavras são representadas por combinações de símbolos visuais, os grafemas, e que estes codificam os fonemas. Segundo Silva (2003), a descoberta deste princípio parece ser uma das tarefas mais complicadas que as crianças têm de enfrentar no seu percurso até à aquisição de comportamentos fluentes de leitura e escrita. Com efeito, nesta fase, a criança pode encontrar diversos obstáculos relacionados com as possibilidades de representação dos fonemas na sua língua, pelo que é neste nível que podem começar a manifestar-se dificuldades de leitura, de acordo com Frith (1985). Por fim, na terceira fase, a da utilização de «estratégias ortográficas», é consolidado o princípio alfabético e são automatizadas as correspondências grafema/fonema, o que permite às crianças a identificação rápida de partes significativas das palavras a partir de sequências de letras e de padrões ortográficos (contrariamente às estratégias logográficas) e não dos seus sons (contrariamente à estratégias alfabéticas).

Apesar do seu contributo para a identificação e a caracterização das fases da aprendizagem da leitura, os modelos mencionados concebem a leitura como um percurso sequenciado da primeira à última fase, não prevendo diferenças individuais na utilização de estratégias de leitura durante a aprendizagem. O que estudos subsequentes vieram demonstrar (por exemplo, o trabalhos de Chauveau & Rogovas-Chauveau e de Rieben, citados por Martins & Niza 1998) é que cada fase não se caracteriza pelo uso exclusivo de um tipo de estratégias, mas por estratégias dominantes, que podem ser abandonadas ou manter-se ao longo do processo de aprendizagem, sendo a flexibilização no uso destas estratégias uma condição para que a criança se torne um bom leitor.

Para além dos modelos de aprendizagem, também designados modelos desenvolvimentistas, outros modelos procuraram, de forma mais compreensiva, propor

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um enquadramento para os fatores cognitivos, sociais e pedagógicos subjacentes à aprendizagem da leitura. Desses modelos14, referem-se brevemente o modelo da clareza

cognitiva e a perspetiva psicogenética (Martins & Niza 1998, Viana & Teixeira 2002, Silva 2003).

O modelo da clareza cognitiva foi proposto por J. Downing na década de 1970 e consiste numa abordagem integrativa que considera, em simultâneo, o desenvolvimento da compreensão das finalidades e funções da leitura e as características da linguagem oral (Viana & Teixeira 2002). Considerando que a aprendizagem da leitura segue as etapas de outras aprendizagens em geral, Downing propõe um modelo que comporta três fases: a fase cognitiva, a fase de domínio ou mestria e a fase de automatização. Na fase cognitiva, a criança deve apropriar-se das funções e finalidades da leitura (os «conceitos funcionais») e dos seus aspetos técnicos (os «conceitos estruturais»), isto é, a natureza das relações entre linguagem escrita e oral. Como sistematizam Viana & Teixeira (2002), de acordo com este modelo, o desenvolvimento na leitura ocorre por um aumento da «consciência» das funções e das características da linguagem oral e escrita, sendo que o termo «clareza cognitiva» se refere não apenas aos fatores linguísticos mas também aos fatores cognitivos envolvidos na aprendizagem da leitura. Esta fase constitui um fator explicativo de dificuldades na leitura, visto que, para o autor do modelo, a «confusão cognitiva» relativamente aos objetivos e às propriedades da linguagem escrita é impeditiva da progressão para fases seguintes de aprendizagem. Na segunda fase, as crianças terão de exercitar as operações básicas da tarefa de ler até atingirem um nível de automatização que lhes permita executar essas operações sem um controlo consciente, tratando-se, portanto, de uma fase de treino. Por último, a terceira fase corresponde à fase de automatização, ou seja, o aprendiz leitor atinge um nível de fluência que lhe permite realizar os processos básicos da leitura sem custos cognitivos, podendo prestar atenção à obtenção de significado (Viana & Teixeira 2002, Silva 2003).

Por seu turno, de acordo com perspetiva psicogenética, baseada na teoria geral dos processos de conhecimento de Piaget e defendida por E. Ferreiro & A. Teberosky, a abordagem cognitiva do texto escrito pelas crianças começa muito antes da entrada para

14 Veja, por exemplo, Silva (2003), para uma revisão mais detalhada de modelos compreensivos da

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a escola, passando por quatro níveis evolutivos, desde uma relativa indiferenciação entre imagem e texto até ao estabelecimento de uma correspondência termo a termo entre as unidades do enunciado oral e os segmentos do texto escrito (Viana & Teixeira 2002). Estes níveis foram propostos a partir de situações experimentais criadas para estudar como crianças dos quatro aos seis anos relacionavam imagem e texto. Num primeiro nível, caracterizado pela indiferenciação entre imagem e texto, as crianças tratam o texto escrito tal como a imagem e ambos constituem uma unidade, na medida em que representam os mesmos objetos; num segundo nível, designado por hipótese do nome, o texto é considerado uma etiqueta ou legenda da imagem, existindo já uma diferenciação entre os dois; no terceiro nível, e ainda que a escrita continue a ser «lida» a partir do desenho, começam a considerar-se propriedades gráficas do texto, tais como a continuidade e seu comprimento e a diferenciação de letras; por último, o quarto nível caracteriza-se pela colocação de hipóteses que relacionam os fragmentos gráficos e o enunciado oral (primeiro é colocada a hipótese silábica, segundo a qual cada grafema representa uma parte da palavra oral, e depois emerge a hipótese alfabética, em que a criança tenta fazer corresponder grafemas e fonemas).

Os resultados destas autoras foram parcialmente confirmados com crianças portuguesas por Martins & Mendes (1986), citado por Martins (1996), que identificaram três níveis evolutivos, correspondentes a diferentes conceções sobre a linguagem escrita em crianças em idade pré-escolar: a «leitura icónica», a «hipótese do nome» e o «tratamento linguístico da mensagem escrita» (Martins 1996: 128-129). Num primeiro nível, o da leitura icónica, as crianças, apesar de distinguirem texto e imagem, referem-se ao texto da mesma forma que se referem à imagem, isto é, o modo de leitura é interpretativo, numa ordem não fixa, e o texto é tratado como reenviando diretamente para os conteúdos referenciais. O nível da hipótese do nome, por sua vez, caracteriza-se pelo facto de as crianças já se referirem ao texto e à imagem de forma distinta, sendo um indicador deste comportamento a eliminação do artigo indefinido (que usam geralmente quando falam da imagem) para referir o texto. Noutros casos, a hipótese do nome é já acompanhada da compreensão de que a escrita representa a linguagem oral, o que se torna evidente quando, após a leitura de uma palavra, se pede às crianças para ler o que ficou de uma palavra parcialmente tapada e ela produz uma segmentação do enunciado

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oral. Por fim, no terceiro nível, o do tratamento linguístico da mensagem escrita, as crianças começam a procurar correspondências entre a palavra escrita e o enunciado oral. Ao nível da frase, são capazes de identificar e isolar os seus diferentes constituintes e, ao nível da palavra, de identificar e isolar unidades mínimas de som.

Em síntese, de acordo com a teoria psicogenética, assume-se que as crianças constroem progressivamente o seu conhecimento sobre a linguagem escrita a partir de hipóteses que vão colocando e do confronto dessas hipóteses com novas informações, o que lhes permite manter ou não as conceptualizações construídas. As atividades de pré-leitura e leitura supõem, assim, e ainda antes do ensino formal, a interação entre um sujeito ativo (o futuro leitor) e um objeto de conhecimento (a leitura), sob a forma de um problema a ser resolvido.

Comportamentos emergentes da leitura

A investigação sobre a leitura tem mostrado que, antes de ter início a aprendizagem formal da leitura, as crianças constroem representações sobre a linguagem escrita, sobre as suas funcionalidades, características e relações com a linguagem oral. O conceito de emergência de leitura (ou de comportamentos emergentes de leitura) descrito por Mary Clay em 1966 constituiu-se como um campo profícuo de investigação em leitura e é, atualmente, um dos pilares presentes no ensino da leitura (Sim-Sim 2001). O processo de emergência da leitura é gradual e complexo e envolve múltiplas vertentes, desenvolvendo-se em paralelo com o da emergência das competências de escrita, como sistematiza Mata (2008).

Embora não se pretenda abordar de forma aprofundada os comportamentos emergentes de leitura, apresenta-se seguidamente uma sistematização de conceções precoces das crianças sobre a linguagem escrita e, particularmente, sobre a leitura no que se refere às suas funcionalidades e aos seus aspetos figurativos e conceptuais, sobretudo a partir de Martins (1996) e Martins & Niza (1998).

No que concerne às funcionalidades da leitura e da escrita, a partir de investigações conduzidas por diferentes autores, Martins & Niza (1998) afirmam que, em idade pré-escolar, as crianças apresentam já uma perceção das práticas de leitura e

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escrita presentes nos seus contextos familiares, sendo capazes de identificar os elementos da sua família que sabem ler ou estabelecendo relações entre diversos tipos de suporte e os conteúdos que estes veiculam (por exemplo, sabendo que num jornal se pode ler notícias). Para além disso, o contacto com práticas de leitura e escrita no seu meio envolvente permite-lhes estabelecerem objetivos para a aprendizagem da leitura e da escrita, por exemplo, quando questionadas sobre para que querem aprender a ler, algumas crianças respondem «para poder ler livros de histórias» ou «para ser grande» (Martins & Niza 1998: 56). Contudo, o que a investigação também mostra é que há diferenças relevantes entre as crianças quanto às atitudes que estes objetivos pressupõem: para algumas crianças, a linguagem escrita é vista como uma imposição externa ou como uma atividade sem sentido dissociada da comunicação e do prazer e não como um projeto significativo ou um instrumento potencializador do desenvolvimento. A construção de um «projeto pessoal de leitor» (Martins 1996), que resulta da interiorização por parte da criança das finalidades da linguagem escrita, parece ser facilitadora da aprendizagem da leitura e da escrita, na medida em que permite dar sentido ao processo de aprendizagem e justificar o envolvimento da criança na aprendizagem.

Relativamente aos aspetos figurativos e conceptuais da linguagem escrita, diversos trabalhos de investigação, entre os quais se destacam os de Ferreiro e colegas já mencionados, analisaram as conceções das crianças sobre aspetos formais da leitura e da escrita. De entre esses aspetos, são particularmente relevantes, no caso da leitura, as conceções infantis sobre as características formais do ato de leitura e sobre o material de leitura e as convenções do universo gráfico.

Quando levadas a observar duas situações de leitura distintas de um leitor adulto (uma de leitura silenciosa de um jornal em que são adotados os comportamentos pertinentes quanto a postura e fixação do olhar e outra em que o leitor apenas folheia o jornal mas não se detém em qualquer página), as crianças dividiram-se: para algumas, a leitura não é possível sem voz, pelo que o adulto não estava a ler em nenhuma das situações; para outras, a leitura silenciosa é aceite como uma forma de leitura, distinguindo, contudo, a primeira situação, em que o adulto está a ler, da segunda, em que está a olhar; por fim, um terceiro grupo de crianças estabelece já diferenças

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pertinentes entre olhar e ler, referindo vários comportamentos do ato de leitura como o tempo de fixação do olhar sobre o material escrito. Quanto às características do material de leitura, e após se ter apresentado às crianças um conjunto de cartões com um número variado de letras (uma ou várias letras, iguais ou diferentes entre si), questionando-se se todos aqueles cartões serviam para ler, as respostas foram sensíveis a critérios como a quantidade e a variedade das letras (por exemplo, rejeitando uma letra só ou uma sequência de letras iguais), o que sugere a existência de um modelo cognitivo abstrato sobre a palavra escrita. No que se refere à capacidade para distinguir texto de imagem, letras de números e sinais de pontuação e ao conhecimento sobre a direcionalidade da escrita, crianças em idade pré-escolar revelaram distinguir bem texto de imagem, mas nem todas diferenciaram letras de números ou de sinais de pontuação. Algumas, mas não todas as crianças, mostraram já conhecer as orientações convencionais da escrita.

Em síntese, no momento da entrada para a escola, e antes de serem formalmente ensinadas a ler, as crianças colocam hipóteses sobre a linguagem escrita. Há crianças que ainda não relacionam a linguagem escrita com a linguagem oral: para ler um texto acompanhado de uma imagem, antecipam o conteúdo do texto através da imagem e pensam no referente para o qual a linguagem reenvia e não na linguagem em si mesma. Outras crianças já são capazes de relacionar a linguagem escrita com a oral, analisando os enunciados orais e os textos escritos e tentando estabelecer correspondências entre os dois.

Linhas orientadoras para o ensino da descodificação

Como já se mencionou, aprender a ler não é um processo natural, na medida em que a aprendizagem da leitura não decorre da simples exposição ao material escrito, exigindo por parte da criança uma consciência explícita das estruturas linguísticas que deverão ser manipuladas intencionalmente. No entanto, no momento em que entram para a escola, as crianças possuem já representações sobre a linguagem escrita e algumas delas são capazes de a relacionar com a linguagem oral, o que tem sido entendido como um aspeto facilitador da aprendizagem formal da leitura e da escrita.

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Ainda que as representações sobre a linguagem escrita se iniciem muito cedo, no ambiente familiar em que a criança cresce, as experiências familiares não são as únicas que influenciam o desenvolvimento das conceções sobre a leitura e a escrita. O papel da escola, desde os primeiros anos do pré-escolar ao 1.º ciclo, parece ser determinante para o desenvolvimento destas representações, em particular, contribuindo para atenuar diferenças entre as crianças decorrentes de oportunidades distintas de contacto com práticas de leitura e escrita e de interação com outros a propósito da linguagem escrita (Martins & Niza 1998).

Será, pois, importante que se criem, desde o jardim de infância, ambientes que favoreçam a descoberta das funcionalidades da linguagem escrita e o envolvimento com a leitura e com a escrita. De acordo com Mata (2008: 25-26), deverão ser desenvolvidas pelo educador ações que (i) proporcionem oportunidades para a exploração de diversos suportes de escrita, (ii) integrem o escrito na rotina escolar das crianças, (iii) forneçam um modelo, através da utilização da leitura e da escrita na presença das crianças, (iv) incentivem a utilização diversificada de livros da biblioteca de escola, (v) proporcionem oportunidades de exploração do escrito, com materiais adequados, (vi) façam notar e explorem funções de diferentes suportes em saídas e passeios, (vii) envolvam as famílias e as suas práticas de literacia familiar.

Com a entrada no 1.º ciclo, o ensino da leitura passa a estar fortemente associado ao ensino da descodificação, que tem como grande objetivo a identificação automática da palavra escrita. A escolha dos métodos para o ensino da descodificação deve ter em linha de conta o perfil das crianças a ensinar, desde os comportamentos emergentes de leitura aos seus conhecimentos da linguagem oral, em particular o seu nível de consciência fonológica15, que é atualmente considerado o ponto de partida para a descoberta e

consolidação do princípio alfabético (Sim-Sim 2009, Silva 2003). Independentemente dos métodos escolhidos pelo professor (cf. 2.2.1.2.), e quer sejam privilegiadas estratégias fónicas, que enfatizem a correspondência entre grafema e fonema, ou estratégias globais, é importante que seja encontrada uma combinação sistemática de ambos os tipos de estratégias, suportada pela leitura de escritos reais (Sim-Sim 2009).

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Para concluir, retomam-se do trabalho desta autora algumas linhas orientadoras decorrentes da investigação das últimas décadas (Sim-Sim 2009: 26-27), entendendo-se ser necessário que o ensino da descodificação:

(i) ocorra em contexto real de leitura, ao invés de resultar de exercícios descontextualizados, o que passa pela criação de um ambiente de aprendizagem estimulante, com materiais de leitura e escrita diversificados e para fins distintos, com rotinas diárias de leitura por prazer, com oportunidades para a criança ouvir e ver ler e conversar com o adulto sobre a leitura;

(ii) tenha como sustentáculos as experiências e os conhecimentos da criança sobre a linguagem escrita, incluindo sobre as suas funções e estruturação gráfica, devendo ser criadas situações que permitam à criança, por exemplo, manusear livros e explorar os seus elementos (reconhecer a capa, saber apontar o título, saber virar páginas, observar ilustrações), conhecer a orientação gráfica da escrita, conhecer a mancha gráfica das palavras, assim como a posição e a orientação das letras, fazer o reconhecimento logográfico de algumas palavras, desenvolver a sensibilidade fonológica (produzir rimas e distinguir, separar e identificar sílabas);

(iii) tenha como alicerce a consciência fonológica e, em particular, a consciência fonémica, entendida como «a capacidade para prestar atenção, identificar e manipular os sons da fala» (Sim-Sim 2009: 39). Entre as estratégias promotoras do desenvolvimento da consciência fonémica estão a segmentação fonémica, a identificação e substituição de fonemas em palavras, a reconstrução fonémica, a contagem de fonemas;

(iv) seja explícito, direto e transparente ao nível do ensino da correspondência grafema/fonema, devendo ser especialmente treinados pelas crianças a sedimentação do princípio alfabético, a correspondência som inicial/letra, a identificação dos nomes das letras, o conhecimento da ordenação alfabética, o reconhecimento de letras maiúsculas, minúsculas, manuscritas e de imprensa; (v) contemple o reconhecimento de padrões ortográficos frequentes de forma

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consonânticos frequentes, ditongos orais e nasais, vogais nasais, prefixos e sufixos frequentes, assim como combinações frequentes de vogal/consoante; (vi) fomente a leitura de palavras frequentes para a construção de um léxico visual

e a consequente identificação rápida e automática de palavras, através do