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Capítulo 2. Gramática e leitura: da investigação ao ensino

2.2. A leitura como competência linguística

2.2.1. Para uma delimitação do conceito de leitura

2.2.1.3. Lemos todos da mesma maneira?

Até ao momento, procurou mostrar-se como a leitura é uma competência complexa, em que se mobilizam diversos processos, capacidades e fontes de conhecimento. Um bom nível de compreensão de leitura não só requer a coordenação e a interação destes processos como a sua execução de forma rápida e automática. Dada a complexidade e o dinamismo da leitura, é esperado que possam existir diferenças nos níveis de compreensão obtidos por diferentes leitores (ou até por um mesmo leitor em situações de leitura distintas), especialmente se se considerarem leitores mais jovens.

Perfetti (1999, 2001), no seu modelo «blueprint» do leitor, não só tenta dar conta dos processos envolvidos na compreensão nos leitores experientes, como procura

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antecipar dificuldades de leitura nas várias componentes, tal como se representa na figura seguinte.

Figura 2: Potenciais fontes de problemas em diferentes componentes da compreensão da leitura (Perfetti 1999, 2001).

Ao nível da palavra, por exemplo, o leitor pode ter dificuldades em processar as sequências de letras ou em selecionar o significado adequado de uma palavra; o leitor pode apresentar processos fonológicos defetivos, o que limitará a identificação de palavras e a memória de palavras. Por outro lado, no eixo da compreensão, o leitor pode apresentar dificuldades sintáticas ou ser incapaz de gerar inferências e de monitorizar a compreensão (Perfetti 2001).

Se se considerarem os leitores mais jovens, as dificuldades de leitura podem ser acrescidas. Como já se mencionou, sabe-se que, se a descodificação for difícil, o sistema de processamento será sobrecarregado e os recursos cognitivos disponíveis podem revelar-se insuficientes para que a criança compreenda a mensagem escrita (Perfetti 1985). No entanto, o que a investigação tem mostrado é que, mesmo quando bons níveis de descodificação e de vocabulário são obtidos, há diferenças no nível de compreensão que as crianças atingem. A partir de pesquisas que envolveram crianças entre os 8 e os 14

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anos com um nível de descodificação adequado à idade, Cain & Oakhill (2007, 2009) identificaram um conjunto de processos e capacidades considerados determinantes na distinção entre crianças com desenvolvimento típico no que se refere à compreensão («bons compreendedores») e crianças com défices de compreensão («compreendedores fracos»). De entre os vários processos identificados pelas autoras (desde o nível da palavra ao nível do texto, passando pela memória e pelo uso do conhecimento geral), interessam particularmente ao estudo a desenvolver aqueles que operam ao nível da frase (dentro da frase e entre frases), nomeadamente o conhecimento sintático e a consciência sintática e o uso de determinados mecanismos coesivos, que se tratam seguidamente em diferentes secções.

Conhecimento sintático e consciência sintática

De um modo geral, e atendendo ao desenvolvimento típico, pode considerar-se que as competências sintáticas das crianças estão fortemente desenvolvidas no momento em que começam a aprender a ler, ainda que se continuem a desenvolver durante os anos seguintes (C. Chomsky 1969). Sendo claro que, na leitura, o conhecimento sintático é crucial para que o leitor possa derivar significado das frases do texto, há, contudo, pelo menos duas questões que não estão completamente esclarecidas em torno do papel das capacidades sintáticas na leitura, tal como problematiza Perfetti (2001): (i) saber se o conhecimento sintático oral, adquirido natural e espontaneamente pela criança, é suficiente para lidar com as estruturas sintáticas tipicamente mais complexas e formais presentes na linguagem escrita e, (ii) partindo do pressuposto de que há diferenças na compreensão resultantes do conhecimento sintático, saber se essas diferenças resultam, efetivamente, de um défice sintático ou se podem ser atribuídas a outras fontes que influenciam a performance em tarefas sintáticas.

Se os resultados obtidos em diferentes estudos não são convergentes quanto à existência de uma relação entre conhecimento sintático e leitura, mesmo quando foram usados os mesmos instrumentos, as evidências parecem suportar uma relação entre consciência sintática e leitura (Cain & Oakhill 2007, 2009), ainda que esta não esteja tão bem estabelecida quanto a da consciência fonológica, por exemplo (para uma revisão, ver Cain 2007; Scott & Koonce 2013). Considerada como um tipo de consciência linguística

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(cf. 2.1.1. deste capítulo) que diz respeito ao nível da frase, a consciência sintática pode definir-se como a capacidade do sujeito para refletir sobre os aspetos sintáticos da língua e para controlar deliberadamente a aplicação das regras de gramática (Gombert 1990). Inclui-se na consciência sintática a capacidade de identificar unidades sintáticas como as frases e os sintagmas, os processos de concordância e as relações locais e a longa distância que se estabelecem entre sintagmas (I. Duarte 2008, 2010). A consciência sintática tem sido avaliada através de tarefas que envolvem a manipulação de frases, tais como o julgamento de frases, a correção ou, mais recentemente, a analogia e a replicação (para uma revisão, ver Gaux & Gombert 1999a, Correa 2004).

De um modo geral, os estudos que têm procurado estabelecer relações entre consciência sintática e leitura colocam como hipóteses que a consciência sintática desempenhe um papel relevante ao nível da descodificação de palavras, na compreensão ou em ambas as componentes da leitura. Por exemplo, de acordo com os trabalhos desenvolvidos por Tunmer e colegas (Tunmer, Nesdale & Wright 1987, Tunmer & Hoover 1992), qua avaliaram consciência fonológica, consciência sintática e aprendizagem da leitura, os autores argumentam que o contexto sintático influencia a leitura de duas formas: para as crianças que não têm ainda automatizada a identificação de palavras, providencia informação quando a informação fonológica é incompleta, ou seja, há uma combinação de dois tipos de consciência linguística, a fonológica e a sintática, para descodificar palavras difíceis e também palavras novas; para além disso, permite que os leitores monitorizem de forma eficaz os processos de compreensão. Demont & Gombert (1996) obtiveram resultados consonantes com os anteriores num estudo longitudinal que envolveu crianças dos 5 aos 8 anos, prevendo um efeito mais relevante da consciência fonológica no reconhecimento de palavras e da consciência sintática na compreensão, nomeadamente ao nível dos processos de monitorização.

Outros estudos, sugerindo que o contributo da sintaxe na leitura se torna independente quando a leitura se centra na compreensão de frases e de textos, investigaram o papel da consciência sintática na compreensão da leitura em idades mais avançadas e em unidades superiores à palavra (Gaux & Gombert 1999a). Em alguns desses estudos, e para que a compreensão pudesse ser avaliada como componente independente, o nível de leitura quanto a descodificação ou compreensão foi controlado

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(por exemplo, Bowey 1986b; Bentin, Deutsch & Liberman 1990; Gaux & Gombert 1999b; Nation & Snowling 2000).

Por exemplo, J. Bowey demonstrou não só que bons leitores quanto a descodificação possuem níveis superiores de consciência sintática quando comparados com maus leitores (Bowey 1986a), mas também que é possível estabelecer uma associação entre consciência sintática e monitorização da compreensão de leitura (Bowey 1986b). Os resultados deste segundo estudo, obtidos a partir da aplicação de tarefas de avaliação da consciência sintática e de leitura oral a crianças de 4.º e 5.º anos de escolaridade, mostram que bons e maus leitores no que respeita a descodificação de palavras diferem em termos significativos na consciência sintática. Para além disso, ao serem analisados os erros de leitura cometidos pelos sujeitos, os maus leitores produzem maior proporção de erros gramaticalmente inaceitáveis (compreensão), bem como realizam um menor número de autocorreções baseadas em critérios gramaticais (monitorização da compreensão). Desta forma, a autora obteve evidência consonante com a hipótese de que a consciência sintática pode desempenhar um papel facilitador na compreensão da leitura, influenciando a monitorização da compreensão.

Também Bentin, Deutsch & Liberman (1990) identificaram uma relação entre consciência sintática e compreensão, a partir de um estudo com três grupos de crianças com variação no nível de competência de leitura: um grupo de crianças com perturbações na leitura (11;6 anos), um grupo de bons leitores (9;3 anos) e um grupo de leitores fracos (9;1 anos). Os autores avaliaram a capacidade de usar o contexto sintático para identificar palavras numa tarefa oral, bem como a capacidade de detetar e corrigir violações da estrutura sintática. Os resultados mostraram que, para a língua estudada, o hebraico, os fatores sintáticos estão diretamente relacionados com perturbações de leitura, visto que o grupo de crianças com perturbações, ao contrário dos restantes grupos, mostrou pouca diferença na identificação de palavras em frases gramaticais e agramaticais, bem como evidenciou dificuldades em detetar violações em frases. A capacidade de detetar erros e, sobretudo, de proceder à sua correção foi a principal diferença encontrada entre o grupo de bons leitores e o de leitores fracos, o que sugere que os bons leitores possuem maior capacidade para usar o conhecimento sintático de forma produtiva.

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Gaux & Gombert (1999b) aplicaram sete tarefas de avaliação do conhecimento sintático a 83 sujeitos (12;3 anos), tendo em conta a distinção entre conhecimento implícito e explícito (repetição, julgamento, localização, correção, explicação, replicação e identificação da classe e da função), e cinco tarefas de compreensão de leitura (uma tarefa de leitura em voz alta e quatro tarefas distintas de leitura de palavras e pseudopalavras). Os autores obtiveram evidência de que os pré-adolescentes são capazes de prestar atenção deliberada à sintaxe. Os contributos foram mais frequentes quando a tarefa requeria um conhecimento explícito, o que sugere que este tipo de conhecimento está implicado na leitura e no acesso à compreensão. Uma vez agrupados os participantes quanto aos resultados obtidos na compreensão da leitura, observou-se que os pré-adolescentes com fracas capacidades de compreensão apresentaram um défice na consciência sintática face aos bons compreendedores, apresentando baixos resultados sobretudo nas tarefas que requeriam um conhecimento explícito. Para além disso, os resultados evidenciam uma relação específica entre inversão da ordem de palavras e compreensão, o que reflete a importância da consciência sintática no processamento sintático.

Nation & Snowling (2000) examinaram a consciência sintática em dois grupos de crianças com mesmo nível de descodificação (assim como de memória verbal e idade), mas com diferentes níveis de compreensão. Para isso, utilizaram tarefas de correção de ordem de palavras de complexidade sintática variável (com frases ativas e passivas) e tarefas de ambiguidade semântica com frases reversíveis e irreversíveis, de forma a comparar a consciência sintática de crianças com défices de leitura e de compreensão com a de crianças com desenvolvimento normal na leitura. Os resultados da primeira tarefa mostraram que todos os sujeitos tiveram mais dificuldades com as frases passivas, sobretudo os compreendedores fracos, o que sugere que o desempenho em correção de ordem de palavras é sensível à complexidade sintática. De acordo com os resultados da segunda tarefa, todas as crianças apresentaram mais dificuldades com as frases reversíveis do que com as irreversíveis. As crianças com défices de compreensão evidenciaram, de forma clara, capacidades mais fracas na consciência sintática, o que sugere diferenças no desenvolvimento da consciência sintática em relação aos leitores

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normais. As autoras sugerem que estas dificuldades na consciência sintática possam constituir uma manifestação de dificuldades gerais no processamento da linguagem.

Outros estudos, como os de Leal & Roazzi (1999) e Mokhtari & Thompson (2006) não só avaliaram relações entre consciência sintática e compreensão, como discutiram os resultados obtidos quanto às suas implicações para o ensino. Concretamente, Leal & Roazzi (1999) procuraram entender melhor como e em que nível a consciência sintática11

influencia a leitura de textos, em particular (i) se a descodificação é suficiente para incrementar a compreensão de leitura, (ii) se a consciência sintática influencia o desenvolvimento da leitura e (iii) se o efeito da consciência sintática sobre a compreensão de frases é semelhante ao efeito sobre a compreensão de textos. O estudo incluiu um grupo de 112 sujeitos (8;2 anos) e recorreu a uma tarefa de leitura e compreensão de frases, a uma tarefa de leitura e compreensão de textos e a tarefas de consciência sintática. Tendo em conta as hipóteses levantadas, os resultados sugerem que, (i) devendo existir um nível mínimo na descodificação como requisito para a compreensão, a descodificação não é suficiente para o desenvolvimento da compreensão, (ii) há evidências fortes da relação entre compreensão de leitura de texto e consciência sintática e (iii) o efeito da consciência sintática é mais forte sobre a compreensão de textos do que sobre a compreensão de frases. Com base nestes resultados, os autores argumentam a favor de um ensino em que se desenvolvam competências relacionadas com a compreensão, visto que a descodificação não é suficiente para o desenvolvimento daquela componente. Em particular, defendem o desenvolvimento de capacidades que envolvam o uso de pistas gramaticais durante a leitura (tais como inferir referentes de termos pronominais, decidir sobre ambiguidades referenciais, usar pistas coesivas, inferir significados), visto estas se encontrarem fortemente ligadas à compreensão, bem como recomendam a introdução da leitura precoce de textos e a promoção de atividades de análise e interpretação de textos

11 Embora os autores tenham aplicado tarefas típicas de avaliação da consciência sintática (correção de

erros gramaticais e tarefas de lacuna oral), optam por referir-se à consciência sintática como consciência sintático-semântica, apresentando a seguinte justificação: «esta habilidade [a consciência sintática] vem sendo, constantemente, estudada conjuntamente aos aspetos semânticos da linguagem, tendo sido, muitas vezes, difícil a análise de uma dessas capacidades separadamente, pois a busca do significado parece estar presente na maioria das tarefas que investigam a consciência sintática. (…) Este aspeto da interrelação entre indícios sintáticos e semânticos é particularmente mais visível em estudos com crianças pequenas» (Leal & Roazzi: 80).

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significativos desde os anos iniciais da escolarização, uma vez que atividades de descodificação descontextualizada não são suficientes para desenvolver a compreensão.

Por seu turno, Mokhtari & Thompson (2006) salientam a necessidade de o ensino da língua se centrar no desenvolvimento da consciência sintática no sentido de influenciar os desempenhos em leitura de alunos com diferentes níveis e experiências de leitura. Os autores examinaram o papel da consciência sintática como um fator potencial de dificuldades de leitura entre leitores de 5.º ano de escolaridade, tendo obtido evidência para validar as hipóteses de que (i) o nível de consciência sintática está associado de forma significativa a fluência de leitura (r=.625) e a compreensão de leitura (r=.816) e (ii) baixos níveis de consciência sintática estão associados a dificuldades de leitura.

Para o português europeu, e centrados mais concretamente sobre o processamento sintático, os trabalhos de A. Costa sobre leitura de frases e textos têm também fornecido pistas importantes para o ensino. Em particular, em A. Costa (1991), foi possível constatar que o recurso ao nível sintático, que pode ser mais ou menos intenso de acordo com a presença ou não de fontes semânticas e pragmáticas, aumenta com a idade e a instrução, com o conhecimento gramatical do sujeito e com a sua experiência como leitor. A autora aplicou três testes a dois grupos de sujeitos, de 7.º e 11.º anos de escolaridade: um teste de leitura em voz alta, constituído pela leitura de três textos nos quais foram introduzidas alterações geradoras de agramaticalidade, de modo a testar-se se a degradação afeta o processamento do nível sintático; um teste de compreensão que pretendeu confirmar os objetivos do leitor na leitura oral face à compreensão do conteúdo do texto, assim como recolher indicadores sobre o nível de compreensão atingido e o efeito de degradação; e um teste de gramática, com tarefas de avaliação e explicação da gramaticalidade, tendo em vista a recolha de dados sobre o conhecimento metalinguístico dos sujeitos relativamente às estruturas sintáticas estudadas. Os resultados obtidos nos testes de compreensão e de gramática foram correlacionados positivamente, confirmando o pressuposto de que a compreensão da leitura está estreitamente ligada a um comportamento estratégico que recorre a fontes suplementares quando há problemas de processamento, isto é, ao conhecimento metalinguístico. A relação entre compreensão e conhecimento gramatical foi mais

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evidente nos sujeitos de 11.º ano, que revelaram maior capacidade de captação da agramaticalidade e, sobretudo, de a resolver, assim como melhores níveis de compreensão.

No âmbito da avaliação da consciência sintática, destacam-se ainda os trabalhos de Sim-Sim (1988, 1997). Sim-Sim (1988) apresentou um dos primeiros estudos que investiga a relação entre consciência linguística (consciência fonológica e consciência sintática) e leitura na fase inicial da leitura. O estudo, que envolveu 56 crianças de 1.º ciclo, consistiu na aplicação, em dois momentos distintos, de uma prova de aptidão metalinguística e de uma prova de leitura (de palavras, frases e pequenos textos). Os resultados obtidos apontam claramente para uma relação positiva entre os valores de ambas as provas, sendo que a relação entre consciência fonológica/leitura foi mais direta do que entre consciência sintática/leitura. Mais recentemente, salientam-se também os trabalhos de M. Costa (2010), Alexandre (2010) e Loureiro (em prep.). Enquanto os dois primeiros trabalhos se centram na avaliação da consciência sintática em crianças em idade pré-escolar e no 1.º ciclo, fornecendo dados relevantes para uma caracterização do desenvolvimento da consciência sintática nestas faixas etárias, ainda que não estabeleçam uma relação direta com a leitura, o trabalho de Loureiro avalia a consciência sintática ao longo do ensino básico, testando alunos dos diferentes ciclos de escolaridade e correlacionando os resultados obtidos em tarefas de avaliação da consciência sintática com os desempenhos obtidos em tarefas de leitura.

Em suma, ao longo das últimas décadas, muitos autores têm defendido que a consciência sintática é determinante para o sucesso na leitura, não só ao nível da descodificação, mas também da compreensão. A propósito da relevância do nível sintático na leitura, concorda-se, neste trabalho, com a posição de Sim-Sim & Micaelo (2006), que defendem não só ser importante para a leitura o conhecimento implícito, naturalmente adquirido pela criança, mas também um conhecimento de cariz de nível superior caracterizado por uma capacidade de distanciamento da linguagem, tornando-a objeto de análise, e que se manifesta desde a sensibilidade linguística até à capacidade de explicitamente descrever e sistematizar o conhecimento implícito da língua. A relação entre conhecimento linguístico e leitura é entendida como uma relação circular: «a circularidade da relação conhecimento implícito, conhecimento explícito e aprendizagem

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da leitura é evidente, na medida em que se é importante o nível de conhecimento implícito para a compreensão da leitura, particularmente (…) a nível semântico-sintático, e se o conhecimento explícito assenta no conhecimento implícito, reforçando-o, então quanto mais elevado for aquele, maior é o nível de compreensão atingido» (Sim-Sim & Micaelo 2006: 50).

Uso de mecanismos coesivos

Para além de processarem estruturas sintáticas, os bons leitores integram o significado das frases em unidades maiores que permitem a construção de uma representação do texto. Os processos de integração, apoiados na memória, são guiados por processos linguísticos, nomeadamente por mecanismos coesivos como pronomes anafóricos e elementos conectivos que estabelecem relações dentro da frase e entre frases, tal como sistematizam Oakhill, Cain & Elbro (2015).

Concretamente, os pronomes anafóricos12 caracterizam-se por não apresentarem

um valor referencial próprio, isto é, precisam de um antecedente, geralmente uma expressão nominal introduzida previamente no discurso, para adquirir significado. A identificação do antecedente está dependente de diferentes fatores de ordem linguística, tais como a natureza da expressão anafórica e do próprio antecedente e a distância entre pronome e antecedente, podendo exigir ao leitor o uso de processos de natureza inferencial, particularmente quando há ambiguidade referencial, isto é, quando várias expressões surgem no texto como potenciais antecedentes de um mesmo pronome (cf. Capítulo 3).

Nesta secção, faz-se uma primeira abordagem aos pronomes anafóricos como constituindo um fator que, na leitura, permite distinguir bons e maus compreendedores. De facto, são vários os estudos (por exemplo, Oakhill & Yuill 1986; Yuill & Oakhill 1988; Yuill & Oakhill 1991; Ehrlich & Remond 1997; Ehrlich, Remond & Tardieu 1999) que mostram que leitores até aos 10 anos com défices de compreensão têm dificuldades na compreensão de estruturas que envolvem pronomes anafóricos.

12 As relações anafóricas, nomeadamente aquelas que envolvem dependência referencial, serão

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Com o objetivo de avaliar a compreensão de pronomes por crianças com a mesma idade e o mesmo nível de descodificação, mas diferentes níveis de compreensão, Oakhill & Yuill (1986) conduziram duas experiências envolvendo a identificação de antecedentes de pronomes pessoais. A dificuldade exigida para a resolução da anáfora pronominal foi manipulada através da forma pronominal testada, que podia ou não apresentar marcas de género, e fazendo-se variar o nível de inferência (inferências simples e complexas). Os resultados mostraram que as crianças fracas em termos de compreensão tiveram mais dificuldade em identificar o antecedente dos pronomes do que as crianças da mesma idade com bons níveis de compreensão, mesmo quando os pronomes apresentavam