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Da contemporaneidade, licitude da informação e o respeito à dignidade

Capítulo 3. DIREITO AO ESQUECIMENTO

3.4 REQUISITOS NECESSÁRIOS À APLICABILIDADE DO DIREITO AO

3.4.2 Da contemporaneidade, licitude da informação e o respeito à dignidade

O direito ao esquecimento é um direito considerado atual nos ordenamentos jurídicos que reconhecem a sua aplicabilidade, muito embora, como visto alhures, existam decisões de séculos passados que remetam ao direito de ser esquecido ou de ser deixado em paz. Para que se possa ter êxito na aplicabilidade do direito ao esquecimento, quando invocado, é de extrema importância dar atenção ao tempo dos fatos que se pretendem ser esquecidos.

O decurso do tempo tem grande relevância para que uma informação permaneça em destaque ou continue a ser rememorada pelos meios de comunicações. É necessário agregar o elemento da atualidade, uma vez que com o progresso incontido da era digital, as informações circulam de forma acelerada.

Atualmente, uma notícia ou informação degradante que envolve uma determinada pessoa consegue ser veiculada no período da manhã e até o final do dia já percorreu os quatro lados do mundo, ferindo explicitamente os direitos de personalidade da pessoa exposta, pois atinge sua intimidade e privacidade, direitos estes que compõem a dignidade da pessoa humana.

O interesse informativo quando colidente com os direitos de personalidade, tais como a privacidade, a honra, o bom nome, a reputação e a imagem, deve passar por uma ponderação para que se verifique além de um interesse público, se de fato a informação esta munida de uma relevância contemporânea, pois conforme VIVIANE NÓBREGA MALDONADO bem explica,

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existem hipóteses em que “o interesse público pode vir a diminuir ou até mesmo a desaparecer por força do mero transcurso do tempo”599.

De forma mais precisa, no que tange à questão que envolve o decurso do tempo de determinado acontecimento e a divulgação desses conteúdos, tem-se que “a atemporalidade é capaz de ensejar a desconexão entre o fato em si próprio e o que formalmente deva ser entendido como de interesse público, alterando, pois, os parâmetros de sua relevância”600. Deste modo, em não havendo uma justificativa

plausível para trazer ao presente um acontecimento do passado, o direito ao esquecimento certamente poderá cumprir seu papel tutelador da personalidade.

Ressalta-se que entre os objetivos do direito ao esquecimento, contata- se a proteção da memória individual, considerada um “aspecto integrante da dignidade humana”601, e que oportuniza ao seu titular a viabilidade de impor limites

ao uso e divulgação de suas informações e dados pessoais602.

Frisa-se que tais limitações não se tratam em deletar o passado ou ainda, de censurar a liberdade de expressão e de informação por meio da impossibilidade de publicar acontecimentos desonrosos ou que depõem contra a imagem de quem os praticou. Trata-se da possibilidade de “restringir o acesso e a utilização de qualquer dado referente ao seu passado, em razão da falta de utilidade para a coletividade e, principalmente, em razão da ação do tempo, que lhe retirou a importância de contemporaneidade da informação”603.

Não obstante, o decurso do tempo pode determinar, ainda, a licitude da divulgação de uma informação, pois uma informação que tem sua publicação considerada ilícita no passado, pode passar a ser lícita no futuro604, bem como o

599 Op. cit., p. 115. 600 Ibidem.

601 Cfr. PABLO DOMINGUEZ MARTINEZ, op. cit., p. 189. 602 Idem, pp. 188-189.

603 Idem, p. 189.

604 O exemplo mais emblemático que constata que a divulgação de uma informação pode ser

considera ilícita no passado e passa a ser lícita é o caso Lebach I, que aconteceu na Alemanha, em que uma emissora de TV iria reproduzir um documentário retratando o massacre de quatro soldados, utilizando-se de atores para compor a encenação, porém divulgaria imagens e nomes reais de todos os envolvidos no crime. Descontente com tal situação, um dos réus alegou a violação ao seu direito à intimidade e privacidade, mais precisamente à sua imagem e nome, solicitando judicialmente que documentário não fosse apresentado, O Tribunal Constitucional Federal Alemão (TCF) deferiu tal pedido e proibiu a transmissão do documentário caso as imagens ou o nome do reclamante fossem expostos à sociedade, decidindo a favor do direito ao esquecimento naquela oportunidade. Contudo, após algumas décadas cogitou-se novamente a realização de um documentário sobre casos polêmicos ocorridos na Alemanha e dentre eles estava o evento que acontecera em Lebach. Nessa oportunidade o mesmo Tribunal entendeu não estava mais em causa a ressocialização do ex

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inverso, em que uma informação que tem sua propagação considerada lícita para época pode deixar de ser no presente605. Evidentemente que a informação não deve

se referir apenas aos fatos contemporâneos, pois o direito à informação envolve fatos pretéritos para a memória coletiva e historicidade social. O mero desejo de não ser lembrado por fatos desembaraçosos, desabonadores ou desagradáveis não é motivo para ser esquecido.

Contudo, é preciso tomar cuidado com a questão da licitude de uma informação, porque não é razoável conceber como lícita a veiculação de informações que não possuem mais relevância pública e que possam causar danos à integridade moral dos envolvidos. Publicar fatos sem qualquer pertinência atual, meramente para satisfazer o interesse do público é vender publicidade de algo que nada agrega de novo à sociedade e, assim, merece e deve ser objeto de ser esquecida. Como bem aduz o autor RUI PAULO COUTINHO DE MASCARENHASATAÍDE, o conjunto de ideias que sistematiza o direito ao esquecimento, busca exatamente “impedir que estejam permanentemente em liça factos que já não têm relevância social”606.

Corroborando o mesmo entendimento, ZILDA MARA CONSALTER manifesta-se no sentido de que se não houver atualidade na importância do fato noticiado, cabe à pessoa interessada exercer o seu direito ao esquecimento, reclamando pelo impedimento da divulgação da notícia que lhes diz respeito, suscitando que tais fatos devem permanecer no passado e não merecem ser relembrados sem uma fundamentação plausível607.

Como bem se posicionou PABLO DOMINGUEZ MARTINEZ, “o tempo é inexorável e regula as ações humanas”608. É importante compreender que o

desenvolvimento individual advém das experiências vividas por cada um,

condenado e que já havia se passado um longo período entre a informação e os fatos ocorridos, decidindo assim, pelo direito à liberdade de expressão, uma vez em que os nomes utilizados nas cenas seriam fictícios e não constariam imagens dos envolvidos no crime.

605 Nessa situação, cabe mencionar o caso que envolveu a empresa Google Spain versus Mario

Costeja González, em que o autor da demanda não desejava ter seu nome associado a fatos pretéritos de débitos com a Segurança Social, fatos estes que já haviam sido resolvidos e constavam nas informações disponibilizadas pelos provedores de buscas ao inserir seu nome na plataforma. De acordo com o TJUE, decidiu que ao interessado cabia o direito de requerer a exclusão de informações que lhe digam respeito, reconhecendo desta forma, o direito ao esquecimento. Logo, uma informação que teve sua publicação de forma lícita na época, passou a deixar de ser no presente, pois feria a intimidade e a privacidade do titular destes direitos.

606 Cfr. Direito ao Esquecimento, cit., p. 281. 607 Op. cit., p. 297.

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importando apenas aos interessados os acontecimentos que não trazem qualquer benefício à coletividade com sua divulgação, pois a depender do que se divulga e como se divulga, pode-se cometer o erro de influenciar toda uma sociedade de forma equivocada por fatos do passado, estigmatizando determinadas pessoas de maneira permanente.

Seguindo na análise do decurso do tempo e o direito ao esquecimento, outro ponto pertinente é o direito das vítimas de eventos criminosos, que não desejam ter seus nomes ou imagens atreladas eternamente aos acontecimentos desagradáveis do passado. É necessário dar destaque ao fato de que a vítima não renunciou à sua privacidade, pois como o próprio nome diz, esta foi vítima de um crime, do destino e das mídias de caráter perpétuo.

Insta destacar que a vida privada e intimidade de pessoas que sofreram ou foram envolvidas em algum fato criminoso possui muita importância, porque o estresse pós-traumático sofrido afeta diretamente o psicológico desses indivíduos que sofrem e passam a ter dificuldade de demonstrar sentimentos dos mais variados como o riso, o choro, a ternura e a confiança em outras pessoas.

A questão psicológica da vítima é crucial para o direito ao esquecimento, pois são lembranças que causam grande sofrimento e acabam for ferir suas dignidades. Como a memória individual compõe a dignidade humana, esta “não pode ser fragmentada da pessoa, merecendo tanta proteção quanto qualquer outro direito de personalidade”609.

Por tudo isso, é imperioso compreender que o decurso do tempo está diretamente ligado ao direito ao esquecimento, pois o olvidamento é inevitável independentemente do tempo que levará, porque em algum momento da história da humanidade os fatos pretéritos mergulharão no desmemoriamento da população ou deixarão de possuir relevância à sociedade. É necessário compreender que fatos não se apagam, porém, sua divulgação pode sofrer limitações, principalmente se for para preservar a dignidade das pessoas envolvidas no contexto noticiado.

609 Idem, pp. 189-190. Segundo o autor, é preciso esclarecer que “a estipulação de prazos

para a exposição de uma informação não pode ser encarada ou traduzida como mecanismo de censura. Ocorre que as inovações tecnológicas e as modificações causadas na sociedade atual habitualmente designada como Sociedade da Informação –, estipulam e potencializam o risco de rememoramentos. O momento atual é apropriado para a definição e o delineamento de um novo direito de personalidade, que visa proteger a memória individual, uma vez que dados e informações pretéritas e ultrapassadas podem ser disponibilizados sem controle e sem limites”.

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