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Dos casos mais emblemáticos sobre direito ao esquecimento que

Capítulo 3. DIREITO AO ESQUECIMENTO

3.1 A CONTEXTUALIZAÇÃO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO

3.1.2 Dos casos mais emblemáticos sobre direito ao esquecimento que

De fato, o caso Google Spain versus Mario Costeja González foi o marco que alavancou a discussão sobre a aplicabilidade do direito ao esquecimento na era digital. Contudo, o direito ao esquecimento tem sido invocado há um bom tempo, quando sequer imaginava-se que a sociedade da informação teria uma proporção tão elevada e desenvolvida.

O debate quanto ao direito ao esquecimento passou a ter destaque em território europeu a partir da decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia TJUE, que dirimiu as questões a ele invocadas com relação ao litígio entre Google

Spain versus Mario Costeja González528. Tais questões diziam respeito à aplicação da

Directiva n.º 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados; a natureza da atividade do motor de busca como fornecedor de conteúdos tendo em conta a Directiva n.º 95/46/CE; e a perspectiva de indexação ou de se suscitar um direito ao esquecimento sobre informações e dados publicados licitamente.

528 Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) – Google Spain SL, Google Inc.

contra Agencia Española de Protección de Datos (AEPD) e Mario Costeja González. Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 13 de maio de 2014. Caso 131/12. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=152065&doclang=PT>.

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O caso que deu ensejo à discussão da aplicabilidade do direito ao esquecimento, ficou conhecido pelo fato de que o autor da demanda Mario Costeja González, não queria mais ter seu nome vinculado a acontecimentos de décadas passadas, os quais já haviam sido solucionados. O enredo se dá no final dos anos noventa do século passado, tendo em vista que um jornal espanhol conhecido como

La Vanguardia, a pedido do Ministério do Trabalho e da Seguridade Social, publicou

a informação de que se realizaria um leilão, cuja a propriedade de Mario Costeja González encontrava-se nesse rol, posto haver débitos para com a Segurança Social. Anos após o ocorrido, Mario Costeja González se depara com a referida informação atrelada ao seu nome em motores de buscas da internet. Incomodado com a situação, González requereu ao jornal La Vanguardia a supressão ou alteração das informações, uma vez em que já havia dado baixa na referida dívida. Contudo sua reivindicação foi negada com o fundamento de que se tratava de publicação oficial, cuja edição havia sido digitalizada para compor o acervo daquele jornal.

Posteriormente, o autor procurou a empresa Google Spain para que suprimissem ou ocultassem seus dados pessoais, e assim deixassem de aparecer nos resultados de pesquisa e de figurar nas ligações da La Vanguardia, uma vez que o processo de arresto tinha sido completamente resolvido há vários anos e que a referência ao mesmo carecia atualmente de pertinência. A Google Spain encaminhou a solicitação à Google Inc., sede principal localizada nos Estados Unidos da América, que também negou o pedido.

A partir disso, Costeja ajuizou reclamação junto à Agência Espanhola de Proteção de Dados, que acabou por afastar a responsabilidade do jornal La

Vanguardia, entretanto determinou que a Google Spain e a Google Inc. retirassem as

referências que levassem a tais resultados. Insatisfeitas com a referida determinação, as empresas de buscas apelaram à Suprema Corte Espanhola, que por sua vez submeteu o caso ao Tribunal de Justiça da União Europeia, tendo em vista que uma das razões do recurso, era de que o tratamento das informações disponibilizadas ocorria nos EUA, ou seja, em território não pertencente à jurisdição Europeia. O TJUE, por sua vez, passou a apreciar as questões prejudiciais que diziam respeito à aplicação da Directiva n.º 95/46/CE, a natureza da atividade do motor de busca como fornecedor de conteúdos e a perspectiva de indexação ou de se levantar um direito ao esquecimento sobre informações e dados publicados licitamente.

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O TJUE, com base nas disposições da Directiva n.º 95/46/CE, de 24 de outubro, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, decidiu que a atividade realizada pelas empresas provedoras de buscas se enquadram na concepção de tratamento de dados, alargando ainda o âmbito de aplicação da decisão ao país cuja a matriz esteja localizada, estabelecendo assim que ao interessado cabe o direito de requerer a exclusão de informações que lhe digam respeito, reconhecendo desta forma, o direito ao esquecimento.

Destaca-se que o caso Google Spain versus Mario Costeja González alavancou o debate quanto ao direito ao esquecimento na era digital, caso este de extrema importância para que se reconhecesse a aplicabilidade da Directiva n.º 95/46/CE, relativa à proteção de dados pessoais, bem como o tratamento e à livre circulação desses dados, aos motores de buscas. Além disso, reforça-se ainda mais a magnitude da matéria, pois foi a partir do veredito do TJUE, que a empresa Google passou a disponibilizar em sua plataforma, uma ferramenta para que os utilizadores pudessem solicitar diretamente à empresa a exclusão de determinados dados ou informações. De acordo com a página de remoção de conteúdo da Google529, se

algum usuário se deparar com qualquer conteúdo passivo de violações legais poderá entrar em contato com a empresa, a fim de solicitar a remoção ou a restrição do acesso a ele. Ademais, a página ainda orienta a respeito de como proteger informações, como encontrar suporte para problema dessa natureza, entre outros.

O que se compreende é que o direito ao esquecimento, muitas vezes, é empregado como embasamento para a desindexação de informações a fim de se preservar a personalidade dos envolvidos, que está diretamente ligada ao sistema de proteção de dados. Contudo, para a correta compreensão do direito ao esquecimento é essencial entender o direito à desindexação, que significa um direito ao apagamento de informações que são colhidas e gravadas em diversos provedores de conteúdo. Já o direito ao esquecimento é uma ponderação de valores.

529 GOOGLE, Legal Removal Requests. Disponível em:

<https://support.google.com/legal/answer/3110420?source=404&visit_id=63682723137147205 6-3802915635&rd=1> Acesso em: 10-01-2019.

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Nesse diapasão, RUI PAULO COUTINHO DE MASCARENHAS ATAÍDE

considera a expressão direito ao esquecimento um tanto quanto rigorosa, devendo- se falar em direito à desindexação, pois não há uma concreta eliminação da informação na web, o que se tem é apenas um bloqueio na disponibilização de determinados resultados realizados nas ferramentas de buscas, quando se procura pelo nome do indivíduo530.

Mudando de ares, no Brasil o Superior Tribunal de Justiça – STJ, analisara dois grandes casos, cujo os fundamentos também se pautavam no direito ao esquecimento. O primeiro caso se deu em face de uma conhecida emissora de televisão brasileira, a Rede Globo Comunicações e Participações S/A, que apresentou no ano de 2006 um documentário, em seu programa conhecido como Linha Direta, inerente a um crime ocorrido no ano de 1993, crime este que ficou conhecido como a “Chacina da Candelária”531.

O programa veiculou informações do evento criminoso, relatando o contexto real da época, inclusive fazendo alusão sobre a absolvição de um dos coautores do crime, divulgando seu nome completo em rede nacional. Inconformado por ter seu nome divulgado, o autor da demanda invocou o judiciário pois o programa havia levado ao público uma situação que já havia sido superada, reacendendo na comunidade onde residia a imagem de chacinador, ferindo, assim, seu direito à paz, anonimato e privacidade pessoal, com prejuízos diretos também a seus familiares. Alegou também que tal situação lhe prejudicou em sua vida profissional, não tendo mais conseguido emprego, além de ter sido obrigado a desfazer-se de todos os seus bens e abandonar a comunidade para não ser morto por "justiceiros" e traficantes.

530 Cfr. Direito ao Esquecimento, cit., p. 289. O autor ainda explica que “a informação mantém-

se acessível diretamente no website-fonte ou na pesquisa por outros temas, apenas desaparecendo uma espécie de facilitador de acesso a toda a informação que existe online sobre aquela pessoa, a qual pode ser consultada quando se saiba lá chegar sem ser através da pesquisa de um nome no motor de busca. Caso, por exemplo, seja aprovado o pedido de remoção de um artigo sobre Manuel Augusto e a sua viagem a Roma, não seriam apresentados os resultados de consultas com o nome Manuel Augusto, mas apresentar-se-ia os resultados de uma consulta como viagem a Roma”.

531 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do Brasil (STJ) de 28-05-2013– Recurso Especial

n.º 1.334.097-RJ (2012/0144910-7), relator LUIS FELIPE SALOMÃO. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201201449107&dt_publicac ao=10/09/2013>.

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O Superior Tribunal de Justiça entendeu então que houve ofensa aos direitos de personalidade do autor, mais precisamente ao direito à privacidade, afastando a existência de um interesse público em face do direito ao esquecimento. Desta feita, o STJ do Brasil determinou que a emissora indenizasse o autor pelos danos morais sofridos com a vinculação do programa, uma vez que o evento colocado à disposição do público reascendeu a desconfiança da sociedade com relação à índole do autor da demanda, além de que um acusado, seja ele condenado ou absolvido, tem o direito de ser esquecido.

O segundo caso analisado e julgado pelo STJ, também aconteceu contra a Rede Globo, proposta pela família de Ainda Curi, vítima de homicídio ocorrido no ano de 1958 na cidade do Rio de Janeiro532. Meio século após a barbárie, a emissora

resolveu reproduzir os fatos em seu programa denominado Linha Direta Justiça, utilizando-se de imagens reais e filmagens da época que retratavam todo o contexto factual do crime. Diante disto, os irmãos da vítima judiciaram requerendo indenização, visto que não houve o consentimento dos familiares e o programa acabou por reascender dores do passado que já se encontravam superadas. Assim, invocaram o direito ao esquecimento de não ter revivida contra a vontade deles a dor da perda da irmã.

Contudo, neste caso concreto, o STJ do Brasil não reconheceu o direito ao esquecimento, uma vez que se tratava de acontecimento histórico, além de não ter havido qualquer tipo de exageros por parte do programa, que apenas relatou um fato que ainda apresenta elevado interesse público décadas após o crime. Disse que o acontecimento entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem Aida Curi. Deste modo, o direito ao esquecimento foi afastado devido a relevância do caso.

Insta salientar que a resposta encontrada pelo Supremo Tribunal de Justiça foi diversa para cada caso, ao determinar que o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos, além de sinalizar uma evolução humanitária e

532 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do Brasil (STJ) de 11-04-2014– Recurso Especial

n.º 1.335.153-RJ (2011/0057428-0), relator LUIS FELIPE SALOMÃO. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200900579769&dt_publicac ao=11/04/2014>.

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cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória que é a conexão do presente com o passado, e a esperança que é o vínculo do futuro com o presente, se faz clara opção pela segunda. Por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, afirmando-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana.

Logo, resta claro que o ordenamento jurídico brasileiro reconhece o direito ao esquecimento, entretanto no caso Ainda Curi, entendeu-se por sua inaplicabilidade, considerando a historicidade do caso, bem como o grande destaque que possui nos meios acadêmicos, entrando assim para o domínio público.

3.1.3 Consequências atuais advindas a partir do alcance territorial da decisão

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