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Do conflito entre a liberdade de imprensa e o direito ao esquecimento

Capítulo 3. DIREITO AO ESQUECIMENTO

3.2 A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E O DIREITO AO ESQUECIMENTO

3.2.2 Do conflito entre a liberdade de imprensa e o direito ao esquecimento

com o direito à liberdade de imprensa e o direito de expressão, nomeadamente no que concerne ao acesso à informação, porque muitos temas são objeto de profundas pesquisas acadêmicas, relatos históricos e críticas jornalísticas. Entretanto, é de extrema relevância verificar até que ponto exatamente poderá haver um prevalecimento da liberdade de imprensa e de expressão ante aos direitos de personalidade dos membros da sociedade.

Com o estabelecimento da cibernética e principalmente da internet toda e qualquer informação passou a percorrer quaisquer destinos e com isso a sociedade de informação passou a ter um papel cada vez mais importante e categórico na evolução social e na forma como a sociedade civil se comporta548. É certo que a

imprensa tem um importante papel informativo já que “compreende os atos de procurar, receber e divulgar informações”549, liberdades estas respaldadas pela CRP.

Porém, a mídia e seus veículos de comunicação não podem ficar eternamente amparados na liberdade de divulgar informações, principalmente àquelas que não tenham mais qualquer relevância jurídica, histórica ou com interesse público.

A Constituição da República Portuguesa traz em seu art. 37.º, n.º 2, que o exercício do direito de expressão não pode sofrer limitações ou impedimentos por qualquer forma de censura. Entretanto, em seu n.º 3, determina que em casos de violações aos direitos de terceiros por meio da livre manifestação do pensamento,

548 Cfr. J. OLIVEIRA ASCENSÃO, op. cit., p. 167. 549 Cfr. ZILDA MARA CONSALTER, op. cit., p. 301.

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estas serão submetidas aos princípios gerais de direito criminal. Não obstante, o preceito em questão prevê ainda o direito de resposta, de retificação e de indenizações por danos sofridos, com base em seu n.º 4.

Para além do mais, o art. 3.º da Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro, modificada pela Lei n.º 78/2015, de 29 de julho, que regulamenta a Lei de Imprensa, também prevê que o exercício da liberdade de imprensa possui limites decorrentes da CRP e de Leis, com o escopo de preservar a objetividade da informação e defender os direitos inerentes ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos.

A partir dos referidos mandamentos percebe-se que a liberdade de expressão e de informação não são absolutas e devem seguir determinadas regras de conduta550 para que não aconteçam excessos no exercício destas liberdades que

venham a ferir os direitos de personalidade alheios, tais como a imagem, o bom nome, a honra e a reputação de terceiros551. Logo, a liberdade de imprensa e da

mídia em geral devem respeitar a dignidade da pessoa humana.

Sempre que a liberdade de informação ou expressão cometerem esses excessos, haverá um conflito que impacta de modo direto no resguardo da intimidade e da vida privada das pessoas. Nestes casos, o art. 335.º do CC prevê que nas hipóteses de colisão entre direitos de mesma espécie, deverá ocorrer a ponderação entre ambos para que seja possível avaliar qual deles sobressai em relação ao outro, ponderação esta que deve ser realizada observadas as circunstâncias de cada caso concreto.

De acordo com FÁBIO VINÍCIUS MAIA TRIGUEIRO a indagação mais importante a se fazer é em que momento os direitos conflitantes devem prevalecer um sobre os outros e não “se os direitos fundamentais são ou não absolutos no

550 Para EDUARDO DOS SANTOS JÚNIOR, op. cit., p. 43, no Direito a boa fé possui dois sentidos,

sendo eles o subjetivo e o objetivo, em que a boa fé no sentido subjetivo “ocorre quando se ignora estar lesar-se o direito de outrem”, e no sentido objetivo “traduz ou implica uma regra de conduta: significa, antes de mais nada, um comportamento leal e honesto; nas diferentes situações, pode desfibrar-se em deveres de lealdade, de segurança ou protecção e de informação”.

551 Para J.J. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, op. cit., p. 576, junto com a liberdade de

imprensa e de expressão é necessário realizar um balanceamento e uma ponderação para ver se o exercício destas liberdades não são colidentes com outros bens tutelados constitucionalmente, como a dignidade da pessoa humana e à integridade moral, essencialmente no que tange aos direitos ao bom nome e reputação, à palavra, à imagem e à privacidade.

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sentido de plena e permanentemente realizáveis”552. Irrefutavelmente que apenas

na análise de cada caso concreto é que se terá uma melhor percepção para tal ponderação. Para ANA ISABEL BERROCAL LANZAROT, o derecho al olvido não é um direito absoluto, já que seu exercício deve ser pesado contra outros direitos, como o direito à informação e o direito à liberdade de expressão, e que o direito de ser esquecido não se aplica da mesma forma para pessoas que desempenham um papel na vida pública e em relação a notícias que têm alguma relevância pública553.

Deve-se relevar que o método empregado para a ponderação de direitos e liberdades de mesma espécie que conflitam entre si, devem seguir uma avaliação de base proporcional, harmônica e equilibrada para que se tenha um julgamento justo e em conformidade com os direitos humanos554. EDILSOM PEREIRA DE

FARIASvai além e discorre que “em nenhum caso as restrições dos direitos podem afetar o seu núcleo essencial, de modo a torná-los descaracterizados e irreconhecíveis”555. Assim como os direitos pertencentes à liberdade de expressão,

os direitos de personalidade também são considerados essenciais para que tenha uma sociedade livre, pluralista e democrática, calcada na dignidade da pessoa humana556.

Ressalta-se que o direito ao esquecimento quando bem ponderado e empregado não consiste em censura ou desrespeito às liberdades inerentes à livre manifestação do pensamento557, pois é justamente uma proteção contra a

arbitrariedade da mídia e da imprensa, que se utilizam do seu direito à liberdade de expressão para relatar tudo aquilo que lhes forem convenientes. Aliás, havendo uma maior proteção dos diretos de personalidade, também haverá uma maior participação da população nos assuntos públicos, porque acaba por proporcionar mais confiança aos membros da sociedade contra deturpações nos assuntos voltados às suas vidas privadas558.

552 Cfr. Direito ao Esquecimento na Sociedade da Informação, Coimbra: Faculdade de Direito

da Universidade de Coimbra, 2016. Tese de mestrado, p. 59.

553 Cfr. Derecho de supresión de datos o derecho al olvido, Madrid: Reus, 2017, p. 292.

554 Cfr. J.J. GOMES CANOTILHO/ JÓNATAS E.M. MACHADO/ ANTÔNIO PEREIRA GAIO JÚNIOR, op. cit.,

p. 31.

555 Cfr. Liberdade de expressão e comunicação, cit., p. 253.

556 Cfr. J.J. GOMES CANOTILHO/ JÓNATAS E.M. MACHADO/ ANTÔNIO PEREIRA GAIO JÚNIOR, op. cit.,

p. 32.

557 Cfr. ZILDA MARA CONSALTER, op. cit., p. 301.

558 Cfr. J.J. GOMES CANOTILHO/ JÓNATAS E.M. MACHADO/ ANTÔNIO PEREIRA GAIO JÚNIOR, op. cit.,

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Vale mencionar, que o Regulamento Geral (UE) n.º 2016/679, de 27 de abril, do Parlamento Europeu e do Conselho, voltado à proteção das pessoas singulares no que diz respeito às regras inerentes ao tratamento de dados pessoais e sua livre circulação, ao estipular o apagamento de dados em seu art. 17.º, n.º 3, determina que o direito ao esquecimento não prevalece se na ponderação de valores se revele necessário o exercício da liberdade de expressão e de informação; se houver o cumprimento de uma obrigação legal; se houver motivos de interesse público no domínio da saúde pública; para fins de arquivo de interesse público, investigação científica, histórica ou fins estatísticos, bem como para efeitos de declaração exercício ou defesa de direitos em processo judicial.

Nesse contexto, de acordo com MARÍA ÁLVAREZ CARO, demonstra-se por meio do terceiro parágrafo do artigo 17.º, do Regulamento Geral (UE) n.º 2016/679, de 27 de abril, do Parlamento Europeu e do Conselho, voltado à proteção de dados pessoais, que o direito ao esquecimento não é absoluto. Tal afirmação se fundamenta justamente pelas restrições e limitações impostas à parte interessada, que fica sujeita às restrições e limitações impostas, bem como ao equilíbrio necessário entre os interesses ou direitos conflitantes559.

Segundo a autora em questão, o comando supracitado deixa evidente a importância de se fazer uma ponderação dos interesses colidentes, uma vez que o exercício do direito à supressão ou ao esquecimento pode entrar em conflito com outros direitos ou interesses dignos de proteção máxima em uma sociedade democrática avançada560.

Em virtude de tudo o que aqui foi explanado, evidencia-se que qualquer cidadão poderá invocar o direito ao esquecimento para que não tenham veiculados, sem seu consentimento, fatos que os envolvam e lhes tragam prejuízos ou

559 Cfr. El derecho a la supresión o al olvido, Reglamento General de Protección de Datos: hacia

um nuevo modelo europeo de privacidade, dir. José Piñar Mañas. Madrid: Editorial Reus, 2016, p. 250 [pp. 241-256].

560 Idem, p. 251. MARÍA ÁLVAREZ CARO ainda complementa que “a este respecto, el derecho a

la libertad de expresión e información, recogido en la letra a) del apartado tercero, es un derecho fundamental con el que puede colisionar el derecho a la supreción, sobre todo en el marco de los motores de búsqueda en Internet”. Em livre tradução: A este respeito, o direito à liberdade de expressão e informação, incluído na letra a) do terceiro parágrafo, é um direito fundamental com o qual o direito à supressão pode colidir, especialmente no âmbito dos motores de busca em Internet.

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sofrimentos, bem como requerer que se retirem informações que lhes digam respeito, disponibilizadas ao público em geral561.

Como bem aponta DOMINGOS SOARES FARINHO, a adversidade que se coloca ao universo jurídico “é a de ponderar a melhor forma de estender as normas respeitantes à liberdade de expressão em sentido restrito – aplicáveis aos jornalistas – ao maior número de indivíduos que utilizem [...] meios de comunicação social”562.

Como o direito ao esquecimento está relacionado à pessoa e não aos acontecimentos, os direitos de personalidade seguem a mesma linha de raciocínio, isto é, os direitos de personalidade também se relacionam com as pessoas e não com os fatos, sendo o ser humano o objeto de tutela. Frisa-se que os fatos são inalteráveis, pois o que se pode modificar é apenas a sua forma de divulgação. Desta feita, o

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