• Nenhum resultado encontrado

Conforme discrimina a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional, é competência da União, Estados membros, Distrito Federal e Municípios a instituição dos Tributos, definindo-os como impostos, taxas, contribuições de melhoria empréstimos compulsórios e as contribuições especiais, resultando numa teoria pentapartida dos tributos, a qual está prevista nas disposições constitucionais que os estabelecem, Assim, são cinco os tipos tributários do sistema vigente, que atuam diretamente no bolso do contribuinte, embora os empréstimos compulsórios não sejam mais instituídos pela União.

A situação proposta nesta hipótese, é a retirada de poder central da União, que hoje institui a maioria dos tributos e também o ente que recebe a maior fatia dos impostos. Mas a proposta em si vai mais além da competência, refere-se a questão da arrecadação e (re)distribuição da renda, autonomia e conflito político.

Fica evidente que o bolo maior pertence à União, com competência para instituir e cobrar sete impostos previstos no artigos 153 da Constituição Federal, além da possibilidade de exercer a chamada competência residual (art. 154, I da CF), através da qual pode a União criar e cobrar outros impostos, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador e base de cálculo idênticos aos previstos na Carta Maior.

Os demais entes tributantes, Estados, Distrito Federal e Municípios possuem uma competência limitada, e dependem muito da União para receber recursos. A conta é simples: o Brasil possui atualmente 26 (vinte e seis) Estados e 01 (um) Distrito Federado. Em relação

aos Municípios, são hoje 5.570 (cinco mil quinhentos e setenta) segundo o último recenseamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE194, que dentre os quais, muitos não se sustentam. Enquanto outros, concentram a produção da renda em suas circunscrições territoriais.

Evidentemente, é que nesta circunscrição que se estabelecem o pequeno, o médio, o grande contribuinte, como as grandes empresas, e grandes fortunas. Todavia, a fatia que retorna para os Estados e Municípios é pequena perto do que é efetivamente arrecadado pela União.

Os Estados sofrem um pouco menos, pois possuem o ICMS como “carro chefe” de arrecadação, mas ainda assim, dependem da receita da União para conservar sua autonomia financeira e viabilizar demais serviços essenciais ao cidadão. Com as propostas dispostas nas PECs 45 e 110/2019, o ICMS será extinto, e terá lugar o IBS caso seja aprovado algum texto destes projeto de Emenda à Constituição.

Neste contexto, descentralizar o poder da União para tributar não é novidade, pois basta relembrar a primeira descentralização deste poder em 1988, quando da criação do ICMS, o qual substitiu o antigo ICM, outorgando aos Estados membros da federação autonomia para tributar, instituir suas alíquotas internas e externas.

Assim, hoje, no caso da fusão de alguns impostos e a formação de imposto único sobre serviços e bens ou valor agregado, não será a primeira vez que se fará uma modificação no sistema tributário nacional.

Todavia, em que pese a essência dos projetos de EC, os quais contemplam a reforma tributária, o problema maior ainda reside na questão da competência deste novo imposto.

Contudo, atualmente, entre os impostos que se pretende suprimir ou fundi-los, somente o ICMS é de competência dos Estados, sendo que o IPI, CIDE, PIS, COFINS são de competência da União, e o ISS é municipal.

Assim, a ideia de retirar da União a receita de mais alguns impostos e também dos Municípios o ISS, certamente assusta tais entes tributantes, primeiro pela parte econômica, e em segundo lugar pela questão de poder, autonomia e interesses políticos.

Neste impasse, o maior problema se concentra nos Municípios, pois muitos não possuem condições de arcar com a própria despesa, e contam exclusivamente com a distribuição de receita da União e dos Estados Membros para sobreviver. É o caso dos pequenos municípios que aguardam mensalmente as parcelas do Fundo de Participação dos Municípios - FPM para poder pagar as despesas de custeio, bem como a parcela do ICMS estadual que lhes pertence.

Ou seja, não possuem receita própria que seja capaz de arcar com as despesas de custeio, sobrecarregando a receita recebida da União, que muitas vezes é aplicada somente no pagamento dos salários e encargos de folha de pagamento de pessoal.

Contudo, a distribuição se dá através dos índices definidos pela Constituição, numa espécie de rateio, 90% (noventa) por cento para os municípios, mas, ainda pelo critério do número de eleitores. Daí se tem o problema da desigualdade social, pois em que pese receberem suas parcelas de FPM, não possuem receita própria a fim de somar e possibilitar a aplicação de receitas na prestação de serviço público eficaz.

Assim, a desigualdade social no recebimento das receitas é crescente, o que inviabiliza o crescimento econômico do contribuinte e por consequência gera a impossibilidade de pagar o tributo, já que a única arma deste município dependente, é tributar cada vez mais.

Neste contexto, é de se dizer que pelo fato de dependerem exclusivamente da União, exigem cada vez mais repasses, como por exemplo, reunindo-se anualmente para protestar em frente ao palácio de Planalto, na “Marcha dos Prefeitos e Vereadores”. Se lutam assim para aumentar a verba federal recebida, certamente relutarão para a questão da supressão do ISS, (que também é objeto dos projetos de Emenda Constitucional) pois trata-se de impostos que constituiu uma das únicas fontes de receita própria que possuem.

Todavia, considerando-se esta dependência tributária dos municípios em relação da União, verifica-se o quão pesado é o fardo de sustentá-los, atualmente a tendência pelo menos dos projetos de Emenda Constitucional e também da doutrina, é desonerar a União. Não se trata de “arrancar” sua competência, mas sim de dividir este encargo. Para tanto, faz-se necessário remodelar o sistema, e se preciso for, outorgando competência de tributação, arrecadação e da fatia destas receitas.

Assim, um dos pontos cruciais para que haja esta desoneração da União, Hugo de Brito Machado195 entende que o fortalecimento dos Municípios é essencial para libertar a União,

O modelo de Estado Federal em que mais efetivamente se garante a liberdade humana, é sem dúvida, aquele em que se assegura a todos a possibilidade de migrar de um para o outro Estado-membro, de um para outro Município. Essa possibilidade de migração é a melhor forma de proteger o cidadão contra o arbítrio, contra os abusos do Poder estatal, praticados no mais das vezes com invocação do argumento, tão falacioso quanto sedutor e forte, da defesa do interesse público.

Assim, dúvida não poder haver de que o fortalecimento do município é a fórmula da liberdade no Estado. É a fórmula capaz de obrigar o governante a prestar serviços os governados, em vez de escravizá-los.

Todavia, em que pese o entendimento e sugestão de Machado, enquanto a União detiver tão forte competência para instituir tributos e para distribuir receitas, Estados e Municípios da federação terão sua autonomia enfraquecida. E é justamente o que se pretende alterar com as propostas de reforma tributária as quais tramitam no Congresso Nacional.

Conforme se observa, a reduzida competência dos Municípios e Estados e a desigualdade da repartição das receitas gera a impossibilidade de um sistema tributário justo, eficaz e participativo, que atribuísse mais autonomia àqueles que auxiliam na arrecadação (Estados e Municípios), o que por sua vez enfraquece cada vez mais a capacidade econômica do contribuinte.

Outro ponto a se ressaltar, é que além da reforma tributária propriamente dita, há pelo menos a necessidade de uma reforma ampla, compreendida pela questão da qualidade daqueles que possuem a prerrogativa de função de governar.

De lembrar também, que se tem um sistema constitucional democrático e federalista, em que a própria Constituição veda qualquer forma de intervenção nos poderes da União e na forma federativa, incluindo tal vedação como cláusula pétrea. Este é um ponto preocupante para que haja a aprovação de qualquer proposta que contemple a reforma tributária, caso este contenha a retirada de competência de alguns entes tributantes.

É neste contexto que tem-se a maior dificuldade da aprovação do projeto de reforma, pois a Constituição Federal é rígida. Sobre esta situação, discorre Tathiane Piscitelli,196

195MACHADO, Hugo de Brito. Reforma tributária. 2005. Disponível em http://www.hugomachado.adv.br, acesso em 01 set.

2017

196 PISCITELLI, Tathiana. A reforma tributária pode afrontar o pacto federativo. Disponível em https://www.jota.info.com

Alterações desta monta (retirar a autonomia da União) não são possíveis porque podem resultar ofensa à autonomia financeira e administrativa dos entes, como consequente afronta ao pacto federativo.

A distribuição das competências tributárias, seja na Constituição de 1988, seja em qualquer outra, tem por objetivo assegurar receitas aos entes, para que possam exercer, com independência, as funções que a própria Constituição delega a cada um deles. Na minha concepção, alterar essa repartição equivale atentar contra o pacto federativo, algo que não teria lugar no texto constitucional vigente.

No entendimento de Psicitelli, a forma mais adequada de realização da reforma tributária, seria a infra-constitucional.

Ainda sobre a questão do pacto federativo, Carlos Henrique Machado e Ubaldo Cesar Balthazar197, ressaltam esta preocupação, citando José Sérgio da Silva Cristóvam, que esclarece,

A estruturação de um IVA-F, a partir do somatório das hipóteses conferidas pela Constituição Federal, não se pode olvidar que, tanto política como economicamente, uma reforma com esse perfil apresenta-se impensável, havendo em paralelo, quem se coloque frontalmente contrário a esse tipo de propositura, porquanto colocaria em risco a própria estrutura federativa introduzida pela atual ordem constitucional, que confere autonomia e competência tributária a todos os entes da Federação.

Em contrapartida, Sacha Calmon Navarro Coêlho198, em elaboração própria de projeto de reforma tributária, aponta alterações consideráveis sobre a questão da descentralização de poder da União.

O projeto consiste na redistribuição das competências tributárias, e além de tudo, faz prevalecer o princípio da capacidade econômica e contributiva. Observa-se, por exemplo, no artigo 151 do projeto, que estabelece os princípios gerais e das limitações genéricas do poder de tributar, especialmente ao inciso VI, a seguinte disposição:

Art. 151 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - deixar de graduar os impostos incidentes sobre a renda e o patrimônio, segundo a capacidade eonoômica dos contribuintes, bem como deixar de conferir a seletividade aos impostos que incidem sobre bens e serviços transferidos ao consumidor final, devendo a administração tributária, especialmente para tornar efetivos esses objetivos, identificar junto a terceiros o patrimônio, os rendimentos e a as atividades econômicas não declaradas do sujeito passivo, observados o devido processo legal e os direitos e garantias individuais.

197 MACHADO, Carlos Henrique. BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. A reforma tributária como instrumento de efetivação da

justiça distributiva: uma abordagem histórica. Sequência (Florianópolis), nº 77, p. 221-252, nov de 2017.

198 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Projeto de reforma tributária de autorria do professor titular de direito financeiro da

Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article Acessado em 20 de abril de 2019.

Sacha Calmon vai mais além, e estabelece a competência da União para instituir impostos sobre o comércio exterior, compreendidos pelo II e IE, renda, produção e operações de crédito, propondo a exclusão do imposto sobre a propriedade territorial rural - ITR e também sobre produtos industrializados - IPI. Ou seja, a proposta reduz a autonomia da União, sendo que também ressalta a capacidade contributiva, conforme se demonstra:

Art. 153 - Compete à União institui impostos sobre:

III - produção, distribuição ou consumo de minerais do país, inclusive o ouro (...), com alíquota única de 1% (...)

§2º o imposto previsto no inciso II:

A) Será informado pelos critérios da generalidade, universalidade e progressividade, segundo a capacidade econômica do contribuinte.

Aos Estados e ao Distrito Federal, o projeto contempla autonomia para instituir tributos sobre transmissão causa mortis e doação, o ITCMD, a propriedade de veículos automotores - IPVA e sobre o valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias, ainda que no exterior.

Tem-se uma proposta para instituição de imposto sobre valor agregado - IVA, retirando a competência da União sobre esta incidência presente nos demais projetos de reforma tributária.

Ainda sobre a instituição do IVA, no inciso III, §1º do artigo 154 de seu projeto, Sacha Calmon estabelece critérios a serem observados pelas autoridades tributantes sugeridas, tais como o princípio da seletividade, com aplicação de alíquotas mínimas aos gêneros de primeira necessidade e produtos agropecuários, alíquotas médias para as demais mercadorias, e alíquotas máximas para os supérfluos, que considera o tabaco e bebidas em geral.

Estabelece, na mesma disposição, o princípio da não cumulatividade, uniformidade, e redistribui as competências para arrecadação, observando o destino e origem das mercadorias.

Aos Municípios, atribui competência para instituir os impostos sobre a propriedade territorial urbana - IPTU, de forma progressiva, baseando esta progressão na capacidade econômica do contribuinte, e sua aplicação dar-se-á em caso de descumprimento das regras que norteiam o uso e parcelamento do solo urbano, como o, plano diretor por exemplo, e atribuir a competência para instituição do imposto sobre serviços de qualquer natureza- ISS.

Outra proposta trabalhada por Sacha Calmon, especialmente no que tange a repartição do produto da arrecadação tributária entre os entes tributantes, é a de sugerir por

exemplo, para o imposto sobre doações e causa mortis, a aplicação de uma tabela de alíquotas (maiores) baseado no modelo alemão, também de forma progressiva.

Disso tudo, verifica-se que para fins de possível reforma tributária, há muitos interesses políticos em jogo, haja vista que envolve uma reforma administrativa também. Porém, esbarra-se na rigidez do texto constitucional e a força de vontade para a aprovação será extrema.

Por isso, é que recentemente, em 20 de fevereiro de 2020, foi realizada a solenidade de instituição de comissão para análise dos projetos de Emenda Constitucional 45 e 110/2019, por vinte e cinco deputados federais e vinte e cinco senadores, para analisarem e elaborarem texto único que contemple a reforma tributária, pois a preocupação do legislador neste momento, é uma só: minimizar a carga e tornar o sistema mais leve e aplicável199. Esta comissão terá como presidente o senador Roberto Rocha, sendo que a mesma possui o prazo inicial de quarenta e cinco dias para emissão do primeiro parecer.

De todo este contexto, verifica-se que apesar de entendimentos contrários à desoneração da União, o que implica a retirada de sua autonomia para instituição e e arrecadação de determinados impostos, o que se percebe é que a necessidade da sociedade e também da própria administração pública, possuem maior prioridade, pois se o sistema tributário continuar como está, a tendência é o aumento demasiado da carga e o enfraquecimento do sujeito passivo, que será incapaz de auxiliar na manutenção do Estado.

Assim, verifica-se pela aferição desta hipótese X princípio da capacidade contributiva, que o intuito da descentralização é de conceder mais autonomia aos Estados e Municípios para manterem a sua própria gerência sem depender exclusivamente da União como é o caso de muitos municípios.

Todavia, esbarra-se no pacto federativo, indicando a necessidade da realização de uma reforma administrativa antes da tributária, a fim de que se estabeleça novas competências tributárias a fim de evitar a guerra fiscal e concessão desenfreada de incentivos fiscais.

Portanto, verifica-se que há total possibilidade da aplicação desta hipótese, mas, há necessidade de fatiar a competência, numa espécie de competência gradativa e dual, onde se estabeleça percentuais distintos de receita à União e Estados nos caso do IBS.

Assim, se o IBS - imposto sobre bens e serviços for efetivamente instituído sendo seletivo, não cumulativo, tributar somente sobre o valor agregado e haver a uniformização de

alíquotas, haverá redução da carga tributária e o respeito ao princípio da capacidade contributiva.

5.6 Dos Incentivos fiscais aos contribuintes e redução das alíquotas respeitando-se à