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Da Disposição Originária para o bem na Natureza Humana

No documento A RELIGIÃO NOS LIMITES DA SIMPLES RAZÃO (páginas 33-36)

3 PRIMEIRA PARTE

1. Da Disposição Originária para o bem na Natureza Humana

Quanto ao seu fim, podemos com justiça reduzi-la a três classes como elementos da determinação do homem:

l) A disposição para a animalidade do homem como ser vivo; 2) A sua disposição para a humanidade enquanto ser vivo e racional,

3) A disposição para a sua personalidade, como ser racional e, simultaneamente, susceptível de imputação8.

8 Não pode considerar-se esta disposição como já contida no conceito da

anterior, mas importa olhá-la necessariamente como uma disposição particular. Com efeito, por um ser ter razão não se segue que esta contenha uma faculdade de determinar incondicionadamente o arbítrio, mediante a simples representação da qualificação das suas máximas para a legislação universal e, por isso, de ser por si própria prática: pelo menos, tanto quanto conseguimos discernir. O mais racional de todos os seres do mundo poderia necessitar sempre de certos mo- tivos impulsores que provêm dos objectos da inclinação para determinar o seu arbítrio, e empregar para tal a reflexão mais racional, tanto no tocante à maior soma de motivos impulsores como também ao meio de assim alcançar o fim de- terminado, sem sequer pressentir a possibilidade de algo como a lei moral que absolutamente ordena, a qual se anuncia como ela própria motivo impulsor e, decerto, o supremo. Se esta lei não estivesse dada em nós, não a extrairíamos, subtilizando, mediante razão alguma, nem pelo palavriado a imporíamos ao ar- bítrio; e, no entanto, só esta lei nos torna conscientes da independência do nosso arbítrio quanto à determinação por todos os outros motivos impulsores (da nossa liberdade) e, deste modo, ao mesmo tempo da imputabilidade de todas as acções.

1. A disposição para a animalidade no homem pode pôr-se sob o título geral de amor a si mesmo físico e simplesmente mecânico, i.e., de um amor a si mesmo para o qual não se requer a razão. É tríplice: primeiro, em vista da conservação de si próprio; em segundo lugar, emordem à propagação da sua espécie por meio do impulso ao sexo e à conservação do que é gerado pela mescla com o mesmo; em terceiro lugar, em vista da comunidade com outros homens, i.e., o impulso à sociedade. – Em tal disposição podem enxertar-se vícios de todo o tipo (os quais, porém, não brotam por si mesmos daquela disposição como raiz). Podem chamar-se vícios da brutalidade da natureza e denominam-se, no seu mais intenso desvio do fim natural, vícios bestiais: os vícios da gula, da luxúria eda selvagem ausência de lei (na relação a outros homens).

2. As disposições para a humanidade podem referir-se ao tí- tulo geral do amor de si, sem dúvida, físico, mas que compara (para o que se exige a razão), a saber: julgar-se ditoso ou desdi- tado só em comparação com outros. Do amor de si promana a inclinação para obter para si um valor na opinião dos outros; e originalmente, claro está, apenas o da igualdade: não conceder a ninguém superioridade sobre si, juntamente com um constante re- ceio de que os outros possam a tal aspirar; daí surge gradualmente um desejo injusto de adquirir para si essa superioridade sobre out- ros. – Aqui, a saber, na inveja e na rivalidade podem implantar-se os maiores vícios de hostilidades secretas ou abertas contra todos os que para nós consideramos estranhos, vícios que no entanto não despontam por si mesmos da natureza como de sua raiz, mas, na competição apreensiva de outros em vista de uma superioridade que nos é odiosa, são inclinações para alguém, por mor da segu- rança, a si mesmo a proporcionar sobre outros, como meio de pre- caução: já que a natureza só queria utilizar a ideia de semelhante emulação (que em si não exclui o amor recíproco) como móbil para a cultura. Os vícios que se enxertam nesta propensão podem, pois,

denominar-se também vícios da cultura; e no mais alto grau da sua malignidade (pois então são simplesmente a ideia de um máximo de mal, que ultrapassa a humanidade), por exemplo, na inveja, na ingratidão, na alegria malvada, etc., chamam-se vícios diabólicos. 3. A disposição para a personalidade é a susceptibilidade da reverência pela lei moral como de um móbil, por si mesmo sufi- ciente, do arbítrio. A susceptibilidade da mera reverência pela lei moral em nós seria o sentimento moral, que, no entanto, não con- stitui por si ainda um fim da disposição natural, mas só enquanto é móbil do arbítrio.Ora visto que tal é possível unicamente porque o livre arbítrio o admite na sua máxima, é propriedade de semelhante arbítrio o carácter bom; o qual, como em geral todo o carácter do livre arbítrio, é algo que unicamente se pode adquirir, mas para cuja possibilidade deve, no entanto, estar presente na nossa na- tureza uma disposição em que absolutamente nada de mau se pode enxertar.A mera ideia da lei moral, com o respeito dela inseparável, não pode em justiça denominar-se uma disposição para a person- alidade;é a própria personalidade (a ideia da humanidade consid- erada de modo plenamente intelectual). Mas o fundamento sub- jectivo para admitirmos nas nossas máximas esta reverência como móbil parece ser um aditamento à personalidade e merecer, por isso, o nome de uma disposição em vista dela.

Se consideramos as três disposições mencionadas segundo as condições da sua possibilidade, descobrimos que a primeira não tem por raiz razão alguma, a segunda tem decerto por raiz a razão prática, mas ao serviço apenas de outros móbiles; só a terceira tem como raiz a razão por si mesma prática, a saber, a razão in- condicionalmente legisladora: todas estas disposições no homem são não só (negativamente) boas (não são contrárias à lei moral), mas são igualmente disposições para o bem (fomentam o seu segui- mento). São originárias, porque pertencem à possibilidade da na- tureza humana. O homem pode, sem dúvida, servir-se das duas primeiras contrariamente ao seu fim, mas a nenhuma delas pode

extirpar. Por disposições de um ser entendemos tanto as partes con- stituintes para ele requeridas como ainda as formas da sua conexão para ser semelhante ser. São originárias, se pertencem necessari- amente à possibilidade de um tal ser; e contingentes, se o ser for possível também sem elas. Importa ainda observar que aqui não se fala de nenhumas outras disposições excepto das que imediata- mente se referem à faculdade de desejar e ao uso do arbítrio.

3.3 ...

2. Da Propensão para o Mal

No documento A RELIGIÃO NOS LIMITES DA SIMPLES RAZÃO (páginas 33-36)