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PRIMEIRA SECCÇÃO R EPRESENTAÇÃO FILOSÓFICA

No documento A RELIGIÃO NOS LIMITES DA SIMPLES RAZÃO (páginas 112-116)

DO TRIUNFO DO PRINCÍPIO BOM

BOM SOB A FORMA DE FUNDAÇÃO

DE UM REINO DE

DEUS NA

TERRA

5.1.1 ...

I. Do estado de natureza ético

Um estado civil de direito (político) é a relação dos homens entre si, enquanto estão comunitariamente sob leis de direito públicas (que são no seu todo leis de coacção). Um estado civil ético é aquele em que os homens estão unidos sob leis não coactivas, i.e., sob simples leis de virtude.

Ora assim como ao primeiro se contrapõe o legal estado de na- tureza (mas nem por isso sempre conforme ao direito), i.e., o es- tado de natureza jurídico, assim se distingue do último o estado de natureza ético. Em ambos cada homem proporciona a si mesmo a lei, e não há nenhuma lei externa a que ele se reconheça submetido juntamente com todos os outros. Em ambos, cada homem é o seu próprio juiz, e não há nenhuma autoridade pública detentora de poder, que, segundo leis, determine com força de direito o que, nos

casos que se apresentam, é dever de cada um e leve tal dever a geral execução.

Numa comunidade política já existente, todos os cidadãos políti- cos como tais se encontram, no entanto, no estado de natureza ético e estão autorizados a nele permanecer; com efeito, seria uma con- tradição (in adiecto) que a comunidade política tivesse de forçar os seus cidadãos a entrar numa comunidade ética, pois esta última já no seu conceito traz consigo a liberdade quanto a toda a coacção. Toda a comunidade política pode decerto desejar que nela se en- contre também um domínio sobre os ânimos segundo leis de vir- tude; pois onde os seus meios de coacção não chegam - porque o juíz humano não pode perscrutar o interior dos outros homens - ali operariam o requerido as disposições de ânimo virtuosas. Mas ai do legislador que, pela boa acção, pretendesse levar a cabo uma constituição orientada para fins éticos! Efectivamente, produziria assim não só o contrário da constituição ética, mas também mi- naria e tornaria insegura a sua constituição política. – O cidadão da comunidade política permanece, pois, plenamente livre, no que toca à competência legisladora da última, quer queira, além disso, ingressar numa união ética com outros concidadãos, quer pretenda antes permanecer no estado de natureza desta índole. No entanto, só na medida em que uma comunidade ética tem de se fundar em leis públicas e conter uma constituição que nelas se funda, os que livremente se associam para ingressar em tal estado terão não de se deixar ordenar pelo poder político como devem dispor ou não dis- por interiormente tais leis, mas sim tolerar restrições, a saber, rela- tivamente à condição de que nada exista na comunidade ética que esteja em conflito com o dever dos seus membros como cidadãos do Estado; embora, se a primeira vinculação é de índole genuína, de nenhum modo há que preocupar-se do último.

Além disso, visto que os deveres de virtude dizem respeito a todo o género humano, o conceito de uma comunidade ética está sempre referido ao ideal de uma totalidade de todos os homens,

e nisso se distingue do de uma comunidade política. Por con- seguinte, uma multidão de homens unidos nesse propósito não pode, todavia, chamar-se a própria comunidade ética, mas somente uma sociedade particular que tende para a unanimidade com todos os homens (inclusive, com todos os seres racionais finitos) a fim de erigir um todo ético absoluto, de que toda a sociedade parcial é apenas uma representação ou um esquema, porque cada uma em relação com as outras deste tipo pode, por seu turno, representar- se como encontrando-se no estado de natureza ético, com todas as imperfeições do mesmo (como acontece também com diversos Estados políticos, que não se encontram em nenhuma ligação por meio de um público direito das gentes).

5.1.2 ...

II. O homem deve sair do estado

de natureza ético para se tornar

membro de uma comunidade ética

Assim como o estado de natureza jurídico é um estado de guerra de todos contra todos, assim também o estado de natureza ético é um estado de incessante assédio pelo mal, que se encontra no homem e, ao mesmo tempo, em todos os outros – os quais (como acima se assinalou) corrompem uns aos outros e de modo mútuo a sua disposição moral – e, inclusive na boa vontade de cada um em par- ticular, em virtude da ausência de um princípio que os una, como se fossem instrumentos do mal, se afastam do fim comunitário do bem e se põem uns aos outros em perigo de cair de novo sob o domínio do mal. Ora bem, assim com o estado de uma liberdade externa desprovida de lei (brutal) e de uma independência em re- lação a leis coactivas constitui um estado de injustiça e de guerra de todos contra todos, de que o homem deve sair, para ingressar

num estado civil político37 , assim o estado de natureza ético é um

públicoassédio recíproco dos princípios de virtude e um estado de interna amoralidade, de que o homem natural se deve, logo que possível, aprontar a sair.

Temos, pois, aqui um dever de índole peculiar, não dos homens para com homens, mas do género humano para consigo mesmo. Toda a espécie de seres racionais está objectivamente determinada, na ideia, ao fomento do bem supremo como bem comunitário. Mas porque o supremo bem moral não é realizado apenas medi- ante o esforço da pessoa singular em ordem à sua própria perfeição moral, mas exige uma união das pessoas num todo em vista do mesmo fim, em ordem a um sistema de homens bem intenciona- dos, no qual apenas, e graças à sua unidade, se pode realizar o bem moral supremo, e, por outro lado, a ideia de semelhante todo, como república universal segundo leis de virtude, é uma ideia completa- mente diversa de todas as leis morais (que concernem àquilo que, pelo que sabemos, está em nosso poder), a saber, a actuar em vista de um todo a cujo respeito não podemos saber se ele está, como tal, também em nosso poder; por isso, este dever, quanto à índole e ao princípio, é diferente de todos os outros. – Suspeitar-se-á já de antemão que este dever necessitará do pressuposto de uma outra

37A proposição de Hobbes: status hominum naturalis est bellum omnium in

omnesnão tem nenhum outro defeito a não ser o de que deveria dizer: est status belli,etc., mas embora não se admita que entre os homens que não se encontram sob leis externas e públicas dominem sempre efectivas hostilidades, contudo, o seu estado (status iuridicus), i. e., a relação em e pela qual eles são susceptíveis de direitos (da sua aquisição ou conservação), é um estado em que cada qual quer ele próprio ser juiz sobre o que é o seu direito frente a outros, mas não tem por parte dos outros nenhuma segurança quanto a isto, nem ele a concede aos outros, a não ser cada um a sua própria força; é um estado de guerra em que todos devem constantemente estar armados contra todos. A segunda proposição de Hobbes - exeundum esse e statu naturali, é uma consequência da primeira; pois este estado é uma lesão contínua dos direitos de todos os outros por meio da pretensão de ser juiz nos seus próprios afazeres, e não deixar a outros homens nenhuma segurança acerca do que é seu, mas apenas o seu próprio arbítrio.

ideia, a saber, da de um ser moral superior, mediante cuja univer- sal organização as forças, por si insuficientes, dos particulares são unidas em vista de um efeito comum. Mas, antes de mais, temos de seguir o fio condutor daquela necessidade moral e ver aonde nos conduz.

5.1.3 ...

III. O conceito de uma comunidade ética

e o conceito de um povo de Deus

No documento A RELIGIÃO NOS LIMITES DA SIMPLES RAZÃO (páginas 112-116)