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OU DE RELIGIÃO E CLERICALISMO

No documento A RELIGIÃO NOS LIMITES DA SIMPLES RAZÃO (páginas 173-177)

É já um começo do domínio do princípio bom e um sinal ”de que o Reino de Deus vem até nós" o simples facto de os princípios da sua constituição começarem a tornar-se públicos; pois aquilo em ordem ao qual lançaram universalmente raiz os fundamentos, os únicos que o podem suscitar, existe já no mundo do entendimento, embora o pleno desenvolvimento da sua manifes-tação no mundo sensível se encontre ainda remetido para uma lonjura que não se consegue enxergar.Vimos que a união em vista de uma comunidade ética é um dever de índole particular (officium sui generis) e que, embora cada qual obedeça ao seu dever privado, se pode daí seguir uma concordância contingente de todos em ordem a um bem co- munitário, inclusive sem que, além disso, seja ainda precisa para tal uma organização particular, mas que a consonância de todos não pode ser esperada, se não se fizer um negócio particular da sua união recíproca justamente em vista do mesmo fim e da fun- dação de uma comunidade sob leis morais como poder unido e,

por isso, mais forte, para se opor aos ataques do princípio mau (a que, aliás, os homens são tentados uns por outros a servir de instru- mentos). – Vimos igualmente que semelhante comuni-dade, como Reino de Deus, só mediante a religião podia ser empreendida pelos homens e que, por último, para que esta seja pública (o que se exige em vista de uma comunidade), aquele reino poderá representar-se na forma sensível de uma Igreja cujo ordenamento incumbe aos homens instituir como uma obra que lhes é confiada e se lhes pode exigir.

Mas erigir uma Igreja como comunidade segundo leis religiosas parece requerer mais sabedoria (tanto segundo o discernimento como de acordo com a boa disposição de ânimo) do que a que se pode creditar aos homens; tanto mais que para este fito o bem moral, que é o que se intenta mediante tal organização, parece já dever neles pressupor-se. De facto, é também uma expressão absurda a de que os homens devem instituir um Reino de Deus (assim como deles se pode dizer que podem erigir um reino de um monarca hu- mano); o próprio Deus tem de ser o autor do seu reino. Como, porém, não sabemos o que Deus imediatamente faz para exibir na realidade efectiva a ideia do seu reino, de que encontramos em nós a determinação moral para ser cidadãos e súbditos, embora saibamos decerto o que temos de fazer para de um modo adequado nos tornarmos membros seus, tal ideia – tenha ela sido despertada no género humano e feita pública pela razão ou mediante a Escrit- ura – ligar-nos-á em vista do ordenamento de uma Igreja, de cuja constituiçãoé, no último caso, autor o próprio Deus enquanto fun- dador, mas de cuja organização os autores são em todos os casos os homens, como membros e cidadãos livres deste reino; pois os que no meio deles, de acordo com esta organização, superinten- dem os negócios públicos dela constituem a sua administração en- quanto servidores da Igreja, do mesmo modo que todos os demais formam uma associação submetida às suas leis, a congregação. Dado que uma religião racional pura, como fé religiosa pública,

dá lugar somente à simples ideia de uma Igreja (a saber, de uma Igreja invisível), e só a visível, fundada em estatutos, necessita e é susceptível de uma organização feita por homens, o serviço sob o domínio do princípio bom na primeira não pode considerar-se como serviço eclesial, e aquela religião não tem servidores legais como funcionários de uma comunidade ética; cada membro seu re- cebe imediatamente as suas ordens do supremo legislador.Mas uma vez que relativamente a todos os nossos deveres (que temos de con- siderar ao mesmo tempo, na sua totalidade, como mandamentos divinos) estamos sempre no serviço de Deus, a religião racional puraterá como servidores (sem ser funcionários) todos os homens de bom pensa-mento; só que em tal medida não poderão chamar- se servidores de uma Igreja (a saber, de uma Igreja visível, a única de que aqui se fala). – Contudo, já que uma Igreja erigida sobre leis estatutárias só pode ser a verdadeira na medida em que con- tém em si um princípio de avizinhamento incessante da fé racional pura (como daquela que, quando é prática, constitui em rigor, em toda a fé, a religião), e pode com o tempo prescindir da fé ecle- sial (segundo o que nela é histórico), poderemos estabelecer nestas leis e nos funcionários da Igreja nelas fundada um serviço (cultus) eclesial na medida em que orientam em qualquer altura as suas doutrinas e ordenamento para aquele fim último (uma fé religiosa pública). Pelo contrário, os servidores de uma Igreja que a tal não atendem, mais ainda, têm por condenável a máxima da incessante aproximação desse fim e por apenas beatificante a lealdade à parte histórica e estatutária da fé eclesial, podem com razão ser acusa- dos de falso culto da Igreja ou (do que por ela se representa) da comunidade ética sob a dominação do princípio bom.

Por pseudo-serviço (cultus spurius) entende-se a persuasão de servir alguém mediante acções que, de facto, fazem recuar o seu intento. Mas isto acontece numa comunidade em virtude de o que apenas tem valor de meio para satisfazer a vontade de um superior

se fez passar por e substituiu aquilo que nos torna imediatamente agradáveis a ele; e assim se frustra o propósito daquele.

6.1 ...

No documento A RELIGIÃO NOS LIMITES DA SIMPLES RAZÃO (páginas 173-177)