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Da “falta de fontes” ao jornalismo de dados

III.3 Estar aqui: escrita e “crise política”

2 REPRESENTAÇÃO E MOBILIZAÇÃO COLETIVA: A ASSOCIAÇÃO

2.3 O pequeno mundo dos “medalhões” do jornalismo

2.3.7 Da “falta de fontes” ao jornalismo de dados

Destacamos em outras partes do trabalho que a gestão, acúmulo e conversão do capital de relações sociais é um aspecto estruturante de boa parte do que se entende por “atividade jornalística”. Também destacamos que o contato frequente entre o jornalista e suas fontes humanas é elemento decisivo para o sucesso das suas “investigações”, mas também para a percepção de que ele é um “bom profissional”. No caso em pauta, o descolamento das fontes habituais, devido a uma mudança de posto profissional, fez com que toda a sua carreira posterior fosse redirecionada.

Presidente da atual gestão à frente da associação (2018-2019), o gaúcho Daniel Bramatti é, assim como Thiago Lana, um dos jornalistas que não fez parte do “núcleo dos fundadores” (o que pode indicar uma tendência à busca por “renovação” ou “abertura” dentro da entidade). Nascido na “fatídica data do AI-5” (13 de dezembro de 1968), é editor do núcleo “Estadão Dados” desde 2017, em São Paulo. No momento do contato, em 2016, era repórter da editoria de política do mesmo jornal e núcleo, além de um dos diretores da ABRAJI (2016- 2017).

A maior parte da vida profissional do seu pai foi em atividades gerenciais, uma vez que é técnico em contabilidade, com escolaridade de nível médio. Durante certo período, foi responsável pela distribuição da revista IstoÉ no estado de Santa Catarina. Sua mãe, com estudos também de nível médio, foi dona de casa durante sua infância, posteriormente trabalhando numa faculdade da capital gaúcha, e auxiliando seu pai na atividade de distribuição no estado vizinho.

Como é frequente entre os jornalistas, Bramatti iniciou sua carreira profissional antes de concluir os estudos superiores. Em 1987, entrou como estagiário no jornal Zero Hora, trabalhando com os teletipos142, fazendo a triagem das matérias enviadas pelas agências de notícias para o jornal, e encaminhando-as paras as respectivas editorias. Nessa função, diz ter aprendido “como funcionava um jornal por dentro”. Concluiu sua graduação em Jornalismo em 1991, na PUCRS, com crédito educativo.

Nos seus anos de faculdade, atuava politicamente em manifestações contra aumento de mensalidade e similares, embora não de modo orgânico. Com a formação terminada, foi contratado pela Zero Hora, saindo da área dos teletipos e passando para a redação, como redator copidesque na editoria de Geral, função que consistia basicamente em dar formato final aos textos escritos pelos repórteres. Em seguida, torna-se um dos subeditores da editoria de Política do veículo.

Em 1994, a partir de uma indicação de um colega do profissional – e com uma oferta salarial melhor do que o que ganhava em Porto Alegre –, Bramatti segue para Brasília, para ocupar uma vaga de repórter na sucursal da Folha de S.Paulo, seguindo na editoria de Política. Na capital federal, sua cobertura era focada no Congresso Nacional, por onde circulava diariamente atrás de pautas. Como para muitas carreiras, a passagem por Brasília foi um momento marcante do seu trajeto: “(...) foi uma experiência de formação muito boa, porque tudo passa pelo Congresso (todos os assuntos geram audiências públicas, os lobbies...). A gente passa a ter uma noção de Brasil muito mais interessante do que lá da ponta (...). Brasília me deu essa visão” (Entrevista com Daniel Bramatti, concedida em 16 jun. 2016).

Ao longo dos anos na sucursal, por breves momentos chegou a sair da reportagem para ser coordenador interino143 (quando os titulares saíam de férias, por exemplo). Em 2000, após uma mudança na editoria de cotidiano da Folha, em São Paulo, o então editor, com quem Bramatti havia trabalhado brevemente em Brasília, o convida para ser o seu editor-adjunto, encarregado de reportagens especiais para os cadernos de final de semana. Com a mudança para São Paulo, Bramatti volta então a concentrar sua atuação em funções de edição, que marcaram boa parte dos seus anos em Zero Hora.

Depois de cinco anos como editor-adjunto de Cotidiano no jornal, o jornalista migra para a editoria de Brasil, na mesma posição, onde cobre as eleições de 2006. No final deste

142 Máquina de escrever eletromecânica para transmissão de dados, agora obsoleta devido às modernas

tecnologias de telecomunicação. Foi utilizado durante o século XX para enviar e receber mensagens mecanografadas, ponto a ponto e ponto a multi pontos, através de um canal de comunicação simples.

143 Segundo sua descrição, as coordenações na sucursal de Brasília na Folha diferiam da função de editor. Os

coordenadores de área (política, economia, cotidiano) eram responsáveis tanto por orientar os respectivos repórteres quanto por fazer a “ponte” com a redação do jornal, em São Paulo.

ano, devido a mudanças na editoria, Bramatti sai da Folha de S.Paulo após 12 anos (contando o tempo na sucursal de Brasília). No início de 2007, vai para o jornalismo online, no Terra Magazine (então provedor de conteúdo do portal de notícias Terra), onde permanece até janeiro de 2008. A curta temporada fora da plataforma impressa se deveu em parte à sua “decepção” com o tipo de jornalismo praticado, que seria “sem muita profundidade” ou, em síntese, o “jornalismo do clique”. Em 2008 retorna para as redações, novamente por meio de um convite de um amigo: assume a função de editor-assistente da editoria Nacional do jornal O Estado de S.Paulo, voltando em seguida para a reportagem na área de política, permanecendo no mesmo veículo, editoria e função (repórter). Acresceu estas atividades com aquelas desempenhadas no núcleo do “Estadão Dados” a partir de 2012, quando este é criado, e onde foi repórter e, como mencionado acima, é atualmente editor.

Similarmente a outros presidentes da ABRAJI, Bramatti tornou-se reconhecido no meio profissional pelo exercício do chamado “jornalismo de dados”. No seu caso, esse direcionamento e especialização parecem se dever mais aos longos anos afastado da reportagem, ocupando-se de funções adjuntas em editorias variadas, o que contribuiu para defasar o seu carnet d’adresses.

Se especializando em reportagens baseadas em dados quantitativos, um dos trabalhos que o profissional elenca como digno de nota, apesar de “não ter derrubado nenhum governo”, foi uma reportagem que, para ele, representa a “conexão entre o jornalismo e o método científico (que é você levantar uma hipótese, verificar, e relatar)”. Trata-se de um levantamento da distribuição de desempenhos eleitorais de candidatos à prefeitura de São Paulo por bairros, que indicou o Rio Pequeno como um “microcosmo” onde se replica com fieldade os resultados eleitorais do total da cidade144. Segundo sua avaliação, “essa é uma matéria que, pra mim, é completamente jornalismo de dados. E é uma das minhas favoritas, não pela relevância, pelo destaque que ela teve (...). Mas ela me deu uma satisfação muito grande de fazer, porque foi uma descoberta quase de detetive” (Entrevista com Daniel Bramatti, concedida em 16 jun. 2016).

Ainda que seu único envolvimento efetivo com ONGs seja a própria ABRAJI, Bramatti declara-se simpatizante de algumas “bandeiras”, como a da “luta contra a corrupção”. Como jornalista, tem contatos frequentes como seus promovedores, e acompanha sistematicamente as agendas de entidades engajadas nesse tipo de causa. Apesar da simpatia, a não vinculação formal se deve a uma busca por “isenção” e “objetividade”, pois “não [se]

144 https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,o-rio-pequeno-e-a-pequena-sao-paulo-imp-,977027. Acesso

deve confundir militância com profissão (...) – a não ser que seja uma militância por uma bandeira que não seja meramente política (...). Você pode fazer uma militância pela transparência (...). Ninguém pode ser contra a transparência, né?” (Entrevista com Daniel Bramatti, concedida em 16 jun. 2016).

Apesar de não fazer parte do “núcleo dos fundadores”, Bramatti já havia trabalhado e convivido com alguns deles ao longo da sua carreira, a começar por José Fernando Rodrigues, na sucursal brasiliense da Folha de S.Paulo, passando por Marcelo José Beraba (ainda na Folha, mas desta vez na capital paulista) e, finalmente, com José Roberto de Toledo Rosário, em O Estado de S.Paulo (que o convidou para fazer parte do núcleo “Estadão Dados”). O contato prévio com alguns dos que estiveram diretamente envolvidos na criação da ABRAJI, e a “simpatia pelas bandeiras que ela levantava”, fez com que Bramatti sempre participasse dos congressos anuais por ela promovidos. No entanto, apenas em meados de 2012 começou a se aproximar mais, até se tornar diretor em 2016.