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CAPÍTULO I: A INAUGURAÇÃO DO FEDERALISMO NORTE AMERICANO: A FORMAÇÃO DA REPÚBLICA (1776-1787)

1.1 Da Independência aos Artigos da Confederação

Após o desmembramento com o governo britânico foi designado um Comitê no Segundo Congresso Continental em 1776 para elaborar a declaração de independência. Nesta reunião, presidida pelo delegado da Virgínia Richard Lee, reafirmou-se independência das colônias e discutiu-se a necessidade de se formar um novo projeto constitucional para os treze estados.

Antes mesmo da Declaração de independência é possível observar outros projetos que buscavam fortalecer a união das colônias. A primeira proposta foi apresentada por William Penn em 1698 e estabelecia a criação de reuniões regulares entre os deputados das colônias, presididas por um representante indicado pelo rei, e que teriam por objetivo solucionar os conflitos entre elas, tais como disputas comerciais, a proteção contra inimigos comuns e a cooperação em assuntos envolvendo fugitivos da justiça (Jensen, 1940). O mesmo tema foi discutido posteriormente no Albany Congress, em 1754 quando outras propostas foram apresentadas, sendo o principal projeto conhecido como Galloway Plan de 1774. Esta proposta continha uma especificidade porque continha motivações políticas para as colônias que iam além de uma união voltada para a segurança comum. A proposta possuía uma aspiração política voltada para a constituição de um parlamento americano que poderia atuar no parlamento britânico com poder de veto.

Contudo, tais projetos de unificação se diferem fundamentalmente da proposta apresentada no Segundo Congresso Continental em 1776, pois nesta reunião as discussões voltadas para a construção de uma União entre os treze estados tiveram um novo formato e um novo contexto histórico. Nas palavras de Jensen (1940:109): “all the earlier plans of union contemplated, from necessity if not desire, the superior authority of the British government. Independence, nominal if not actual, placed before the electorate of the thirteen states the task of disposition of the political authority which had been wielded by Great Bretain”.

A reunião de 1776 reafirmou primeiramente que “United Colonies are, and of right ought to be, free and independent States, that they are absolved from all allegiance to the British

Crown, and that all political connection between them and the State of Great Britain is, and ought to be, totally dissolved” (Richard Lee apud Feinberg, 2002:10-11). Em um segundo momento discutiu-se a formação do novo governo com a constituição de um Comitê que propôs, ainda em 1776, a adoção de uma Confederação de Estados por meio da ratificação dos Artigos da Confederação (Feinberg, 2002).

Os delegados concordaram com o projeto ao determinar que um plano para uma Confederação deveria ser apresentado e enviado a cada estado para sua apreciação (Feinberg, 2002). Desta maneira, em 1778 os artigos foram enviados às delegações estaduais, como descreve Elliot:

On the 26th of June, 1778, the form of a ratification of the articles of confederation was adopted, and it was ordered that the whole should be engrossed on parchment, with a view that the same should be signed by delegates in virtue of the powers furnished by the several states (Elliot, 1836:97-98)

Embora a literatura considere formalmente que os Artigos da Confederação tiveram início em 1781, Farrand (1913) tem um posicionamento distinto ao destacar que, na prática, a experiência da confederação teve início com a independência do país e a formação do comitê que elaborou este novo formato de governo.

O sistema de Confederação adotado neste período possui diferenças fundamentais se compararmos com o modelo federalista proposto na Constituição de 1787 e adotado posteriormente. Ao destacar as diferenças da confederação, Jensen (1940:109) destaca que: “the fundamental difference between the Articles of Confederation and the Constituion of 1787 lies in the apportionment of power between the states and the central government. In the first the balance of power was given to the states and in the second to the central government”. Este documento reconhece a necessidade de unificação entre os treze estados, mas mantém a independência dos mesmos ao determinar que o governo federal não poderia interferir nos assuntos individuais de cada estado. Assim, o objetivo dos artigos foi criar um modelo que mantivesse a soberania e independência de cada estado ao mesmo tempo em que garantia a segurança dos mesmos contra possíveis ameaças externas. Ao tratar do tema o artigo III do

documento prevê como principal função da federação a garantia da segurança dos estados, “binding themselves to assist each other, against all force offered to, or attacks made upon them, or any of them, on account of religion, sovereignty, trade, or any other pretense whatever” (Art. III, Articles of Confederation7, 1781).

No sistema de federação, o Estado Nação possui atributos de soberania sendo que o governo geral (ou nacional) tem autoridade para governar diretamente os indivíduos. Sobre os atributos do governo nacional neste modelo Kincaid (2011:xxiii) destaca “under the US Constitution, the federal government can tax fine, arrest and regulate individuals, and also conscript citizens into military service, whereas the former confederal government could not exercise those powers”.

Já o sistema de confederação não se estabelece um governo nacional exercendo soberania sobre as demais unidades. Este modelo pode ser conhecido como uma aliança voluntária entre estados independentes que administram assuntos e preocupações comuns entre os membros (Kincaid, 2011). Isto porque, apesar da unificação, os estados mantém sua soberania e independência. Nos Artigos da Confederação a garantia da manutenção da soberania dos treze estados foi descrita no artigo II ao prever que: “Each state retains its sovereignty, freedom, and independence, and every power, jurisdiction, and right, which is not by this Confederation expressly delegated to the United States, in Congress assembled” (Art. II, Articles of Confederation, 1781).

A ratificação dos Artigos da Confederação estabeleceu um modelo de forte limitação ao governo nacional, mantendo a soberania dos treze estados. O receio em se estabelecer um governo nacional centralizado foi reflexo do processo de independência e das preocupações envolvendo uma possível subordinação das ex-colônias a um novo governo com poderes despóticos. Como analisa Feinberg (2002), neste período, os estados não buscavam trocar o controle de um governo central por outro. Sendo assim, “the colonies, on the verge of independence from the British Emprire, would find a confederation more acceptable than a complete union” (Feinberg, 2002:12). A Declaração de Independência, assinada em 4 de julho de 1776, sinaliza também este aspecto ao nomear cada uma das ex-colônicas como unidas, porém sendo livres e independentes:

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“Articles of Confederation Perpetual Union between the States of New hampshire, Massachusetts- bay, Rodeisland and Providence Plantations, Connecticut, New York, New Jersey, Pennsylvania, Delaware, Maryland, Virginia, North Carolina, South Carolina and Georgia”, 1781.

Nós, por conseguinte, representantes dos Estados Unidos da América, reunidos em Congresso geral, apelando para o Juiz Supremo do mundo pela rectidão das nossas intenções, em nome e por autoridade do bom povo destas colónias, publicamos e declaramos solenemente: que estas colónias unidas são e de direito têm de ser Estados livres e independentes; que estão desobrigados de qualquer vassalagem para com a Coroa Britânica, e que todo vínculo político entre elas e a Grã-Bretanha está e deve ficar totalmente dissolvido; e que, como Estados Livres e Independentes, têm inteiro poder para declarar a guerra, concluir a paz, contrair alianças, estabelecer comércio e praticar todos os actos e acções a que têm direito os estados independentes (Declaração de independência dos Estados Unidos da América, 1776)

O modelo de confederação pareceu o mais adequado e próximo do modelo que já vigorava durante o Congresso Continental. Feinberg (2002:12-13) analisa este processo apresentando também as dificuldades em se transferir a soberania e autoridade a um governo nacional considerando o vínculo muito forte da população com o poder local:

[...] they (the states) would welcome a confederation because it would not be much different for the workings of the now familiar Second Continental Congress. Also, the people were not yet ready to think of themselves as Americans and support a central government. Their loyalties were much more local; they were Marylanders, New Yorkers, and Pennsylvanians, for example. These were just some of the obstacles that made it difficult to unit the states. As a result, the plan of confederation developed by the Continental Congress was piecemeal and haphazard and took several yeras to win acceptance by the states.

Mesmo a proposta de uma confederação de estados, com limitações significativas ao poder central e manutenção da soberania dos estados, enfrentou dificuldades para a sua ratificação naquele período. Ao analisar o processo de ratificação, que perdurou por três anos e meio, Cogliano (2013:103) destaca que a ratificação não foi um assunto simples, pois, “the legislatures of each of the states considered the document critically”. Entretanto, apesar das preocupações sobre artigos específicos até julho de 1778 dez dos treze estados haviam aprovado

o documento. Os estados que concordaram com todos os termos da proposta foram New Hampshire, New York, Virginia e North Carolina. Já os estados de Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, Nova Jersey, Pensilvania, Maryland, Delaware e Carolina do Sul propuseram alterações, adições e emendas que foram rejeitadas posteriormente pelo Congresso (Feinberg, 2002). As dificuldades para a ratificação do acordo foram identificadas nos estados de Nova Jersey, Delaware e Maryland. A oposição destes estados aos Artigos estava relacionada às falhas do texto que criava um domínio nacional nas terras do oeste (Cogliano, 2013). Sobre o processo nestes três estados, Nova Jersey e Delaware cederam aos protestos dos demais estados e ratificaram a proposta em 1779. O encerramento do processo se deu 1781 com a ratificação de Maryland.

As dificuldades na manutenção do modelo de Confederação se mantiveram mesmo com a ratificação de todos os estados. Isto se explica quando observamos que Aprópria estrutura da Confederação mantinha poderes extremamente limitados ao governo nacional o que acabou gerando problemas significativos para o relacionamento entre os estados na nova União. A escolha desta nova estrutura de governo pode ser explicada pela desconfiança dos estados em formar um governo nacional forte. Outro elemento diz respeito à forte identificação da população norte-americana com suas colônias individualmente o que contribuiu para a construção de um modelo baseado em governos estaduais fortes em detrimento a uma centralização por parte do governo nacional.

No decorrer dos anos este processo apresentou fragilidades importantes. Podemos afirmar que a principal causa dos problemas enfrentados pela confederação foi a ausência de um governo nacional com poderes de regulação sobre as atividades estaduais. Como consequência, os estados passaram a enfrentar dificuldades no campo econômico, político e institucional. No próximo item buscaremos analisar as principais fragilidades dos Artigos da Confederação que contribuíram para as iniciativas voltadas para a reformulação deste modelo na Convenção Constitucional de 1787.

1.2 Dos Artigos da Confederação à Convenção da Filadélfia: os debates sobre a ampliação dos