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3 REFLEXOS NO DIREITO E JUSTIÇA ELEITORAL BRASILEIROS DA

3.2 O Princípio da Temporalidade Eletiva, suas Limitações e Inadequações

3.2.1 Da Institucionalização do Processo Eleitoral

Todo o conjunto de disposições normativas que regulam o chamado

"processo eletivo", que abrange o período em que se desenvolvem as ações

referidas pelo direito eleitoral e suas consequências sobre o sistema político, é fruto de uma adaptação histórica de raciocínios lógicos e dedutivamente formulados em

305 O tema da alternância é debatido desde os gregos, consoante artigo instrutivo de CARVALHO

NETO, Tarcísio Vieira de. O princípio da alternância no regime democrático. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, p. 165-182, 2012.

torno de uma importante convenção temporal, esta sim característica de todos os sistemas democráticos representativos: o tempo certo do mandato.

No exemplo brasileiro, a periodicidade das eleições está constitucionalmente prevista em data certa para ser realizada: no primeiro domingo de outubro do ano que antecede o início do mandato eletivo306.

A partir desta data são estabelecidos os prazos do processo eleitoral, como exemplifica o art. 4º307, o art. 10, § 4º308, o art. 13, §3º309, art. 48310, todos da Lei Eleitoral.

Por "processo eleitoral", no entanto, se entende aquele fragmento do período eletivo em que as influências políticas são reguladas por um rito competitivo próprio que se estende das convenções partidárias até a diplomação.

Embora se trate de uma relevante definição temporal, ela é notadamente insuficiente para dar conta de todo o universo de práticas, rotinas, e comportamentos dos atores e personagens que de forma permanente se enfrentam

306 Art. 28. A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato de quatro anos,

realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerá em primeiro de janeiro do ano subseqüente, observado, quanto ao mais, o disposto no art. 77. [...]

Art. 29. ...

II - eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito realizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder, aplicadas as regras do art. 77, no caso de Municípios com mais de duzentos mil eleitores; [...]

Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente.

307 Art. 4º Poderá participar das eleições o partido que, até seis meses antes do pleito, tenha

registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral, conforme o disposto em lei, e tenha, até a data da convenção, órgão de direção constituído na circunscrição, de acordo com o respectivo estatuto. BRASIL. Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017. Altera as Leis nos 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), 9.096, de 19 de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), e revoga dispositivos da Lei no 13.165, de 29 de setembro de 2015 [...] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13488.htm>. Acesso em: 14 set. 2017.

308 Art. 10. ... [...]

§ 5º No caso de as convenções para a escolha de candidatos não indicarem o número máximo de candidatos previsto no caput, os órgãos de direção dos partidos respectivos poderão preencher as vagas remanescentes até trinta dias antes do pleito. BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro

de 1997. Estabelece normas para as eleições. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/

ccivil_03/leis/l9504.htm>. Acesso em: 10 jun. 2017.

309 Art. 13. ...[...]

§ 3º Tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, a substituição só se efetivará se o novo pedido for apresentado até 20 (vinte) dias antes do pleito, exceto em caso de falecimento de candidato, quando a substituição poderá ser efetivada após esse prazo. Ibid.

310 Art. 48. Nas eleições para Prefeitos e Vereadores, nos Municípios em que não haja emissora de

rádio e televisão, a Justiça Eleitoral garantirá aos Partidos Políticos participantes do pleito a veiculação de propaganda eleitoral gratuita nas localidades aptas à realização de segundo turno de eleições e nas quais seja operacionalmente viável realizar a retransmissão. Ibid.

e competem.

Tal fato explica muito sobre o tema objeto do presente estudo.

Por ser órgão de jurisdição das eleições311, a Justiça Eleitoral e o Direito Eleitoral são instituições garantidoras da lisura do pleito: como resultado, sua competência e campo de estudo estão limitados ao interregno do "processo eleitoral" formal.

O tanto de influência que geram para a democracia essas novas rotinas políticas, as práticas de campanha antecipada e a influência indevida instrumentalizada por grupos de interesse - embora sejam temas do interesse residual do direito constitucional e administrativo - não são objeto da competência específica de nenhum órgão especializado de controle.

É legítimo, pois indagar se, na nova fase deliberativa da democracia representativa, não deveria competir ao Direito Eleitoral e à Justiça Eleitoral tematizar e enfrentar os impactos das práticas, rotinas e comportamentos que são praticados por grupos políticos na disputa pelo poder, sob a ótica da formação da cultura da democracia?

Fosse a Justiça Eleitoral um órgão de funções meramente adjudicantes, por certo que a resposta seria não. Mas ao ser contemplada também com competência administrativa, tutelar312 e regulamentar - além de sua especialização em matéria eleitoral, tão crucial para a autenticidade e eficácia da democracia - ela parece reunir condições suficientes para ocupar o espaço de um órgão promotor da cultura democrática que, em última análise, será um dos elementos diferenciadores entre as democracias autênticas e aquelas que se “maquiam” de democracia para exercer o poder de forma autoritária ou totalitária.

Nenhuma outra instituição terá autoridade legal, conhecimento especializado, independência, autonomia, recursos materiais e humanos e compromisso ético para desempenhar tão relevante tarefa.

Uma preocupação adicional deveria então ser agregada à preocupação normativa com a proteção da lisura do pleito, que continua sendo a marca característica do "processo eleitoral" formal. Esta preocupação foca em dois valores: (1) estimular a plena liberdade no indivíduo; (2) para que em sua intimidade opere de forma virtuosa a autocontenção, ambas condições indispensáveis para converter

311 GOMES, Suzana de Camargo. A justiça eleitoral e sua competência. São Paulo: RT, 1998. p.

21, veja-se, também, RIBEIRO, Fávila, Direito eleitoral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

as informações que colhe do mundo político que o cerca, sobre os valores, crenças, sentimentos e afetividades com que vai se comunicar em sociedade, no exercício de sua cidadania.

Não é demasia dizer que a autodeterminação política do povo advém da agregação de individualidades contrapostas e aproximadas na instância deliberativa,

locus de formação das crenças, hábitos, costumes e comportamentos313: daí a sua

relevância regulatória para a formação cultural da sociedade.

O âmbito desta modulação institucional, no entanto, é objeto de capítulo apartado. Para o momento é necessário antes superar algumas pré-concepções teoricamente limitadoras que estão usualmente associadas ao conceito de "processo eleitoral".