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Da ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição

No documento Súmula impeditiva de recurso (páginas 61-65)

4.3 DA SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO E SUA ANÁLISE CRÍTICA

4.3.1 Da ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição

Uma das críticas tecidas por parte da comunidade jurídica para desconstituir a validade da súmula impeditiva de recurso é uma suposta violação ao princípio do duplo grau de jurisdição.

O fundamento do argumento reside no fato do art. 518, § 1°, do CPC inviabiliza que o recurso de apelação seja apreciado por um órgão jurisdicional hierarquicamente superior.

A súmula impeditiva de recursos, nos termos em que é apresentada, encontra vários opositores, assim como ocorre com a vinculante, pois o que se verifica é que a idéia original do substitutivo em questão, é de que as decisões judiciais proferidas em qualquer instância em conformidade com seu enunciado, não serão passíveis de recurso, o que equivale dizer, que não será permitido o acesso ao duplo grau de jurisdição, caso contrário o texto se referiria a acórdão e não a decisão (DAIDONE, 2006, p. 84).

Nesta senda, cumpre relembrar que o duplo grau de jurisdição pressupõe a análise do mérito por outro órgão do judiciário, via de regra, colegiado e composto por membros com uma maior experiência.

Na concepção abstrata e tradicional do modelo “duplo grau de juízo” (ou “de jurisdição”) significa “dupla cognição de mérito” da mesma controvérsia, efetuada por juízes diversos (normalmente, mas não necessariamente, um inferior e outro superior). Em teoria, isto é, se entende que uma controvérsia à cognição de um outro juiz, com finalidade de ser por esse inteiramente reanalisada e decidida por uma pronúncia destinada a prevalecer sobre a primeira (COMOGLIO, [s/d] apud NUNES, 2006, p. 173).

Adotando o mesmo entendimento, Araújo (2006, p. 04) entende que a súmula impeditiva retira do recurso a sua principal característica, ou seja, devolver ao Judiciário a questão para uma análise sob a visão de outro órgão.

Uma primeira observação a ser realizada é a de que a adoção da referida medida tira a própria razão de ser do recurso. Ora, se os recursos existem exatamente para evitar que um juiz, isoladamente, cometendo um erro na avaliação do direito da parte, acarrete-lhe prejuízos, porque, num segundo momento, apenas com vista de novas razões reiterando o aduzido na inicial ou na contestação, este mudaria a sua interpretação incorreta? (ARAÚJO, 2006, p. 04).

Da análise da Lei Adjetiva Civil, percebe-se que a própria legislação processual determina que o recurso de apelação deverá ser analisado por órgão hierarquicamente superior, dispondo em seu art. 515 que “a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada” (BRASIL, 1973).

Dessa forma, ao se considerar a aplicação do art. 518, § 1°, do CPC parte do juízo de mérito, estaria o juiz de primeiro grau carente de competência e legitimidade para utilizar o instituto, desrespeitando, assim, o princípio em testilha, pois “não é lícito ao juízo a quo, perante quem se interpõe a apelação, apreciar-lhe o mérito. Incumbe-lhe, apenas, controlar sua admissibilidade” (DIDIER JR.; CUNHA, 2008, p. 127).

Entretanto, levando em conta o fato de a decisão ser passível de impugnação via agravo de instrumento, Eberlin (2006, p. 54) aduz que o duplo grau está garantido quando da aplicação da súmula impeditiva:

Discute-se a inconstitucionalidade desta disposição sob a alegação de ofensa ao duplo grau de jurisdição. Contudo, não se pode levar tal alegação adiante, vez que a matéria poderá ser apreciada pelo Tribunal após a interposição do agravo de instrumento para revisão da decisão que não admitir a apelação. Não há, portanto, um empecilho intransponível à apreciação do recurso de apelação.

Sob o mesmo pretexto, Theodoro Junior (2007, p. 668) afirma que diante da possibilidade de interposição do agravo de instrumento diretamente para o tribunal, em “hipótese de equívoco do juiz em considerar sua sentença adequável ao entendimento da súmula, não acarretará ele uma irremediável supressão de direito da parte de acesso ao segundo grau de jurisdição”.

De outro lado, sustenta-se a plena observância do referido dispositivo, alegando não existir garantia expressa do duplo grau de jurisdição em nosso ordenamento jurídico, utilizando-se ainda, por analogia, a impossibilidade do reexame necessário quando a sentença estiver fundada em súmula de tribunal superior.

Assim, não há que se falar em violação ao duplo grau de jurisdição, haja vista que não reconhecida apelação, caberá agravo da decisão interlocutória que decide pelo não recebimento da apelação em virtude da existência de súmula impeditiva. Confirma-se a não violação ao duplo grau, com a redação do parágrafo terceiro do artigo 475 do CPC: não está sujeita ao duplo grau de jurisdição a sentença que estiver fundada em súmula do STF ou de tribunal superior competente. O argumento é a fortiori; porque se nem quando o duplo grau de jurisdição é obrigatório não reconhecida apelação contra sentença fundada em súmula do STJ ou do STF, que dirá quando o duplo grau de jurisdição não é obrigatório – uma vez que a doutrina e a jurisprudência entendem que tal princípio previsto na Constituição Federal não é absoluto (SIQUEIRA, 2006).

Abordando a questão sob outro enfoque, Montenegro Filho (2006, p. 133) afirma que poderá existir violação do princípio do duplo grau de jurisdição. No entanto, essa ofensa poderá ser superada desde que o juiz não utilize como único fundamento a conformidade da súmula, devendo apontar especificamente os pontos em que existe semelhança do caso sub judice com o enunciado.

Desse modo, em respeito aos princípios do duplo grau de jurisdição e da fundamentação, entendemos que ao magistrado não é conferido o direito de simplesmente deixar de receber o recurso sob a alegação de que a sentença está em conformidade com súmula do STJ ou do STF, de forma genérica, sem demonstrar os pontos de coincidência entre o caso submetido à sua apreciação e o verbete que se origina de Tribunal Superior (MONTENEGRO FILHO, 2006, p. 133).

Uma vez negado seguimento ao recurso, fulminado logo no primeiro grau de jurisdição sem apreciação das instâncias superiores, é suprimida uma das funções primordiais dos tribunais estaduais, quais seja, a criação da jurisprudência e

conseqüente remessa futura para o STF ou STJ, além, é claro, de inibir a própria atividade judicante dos órgãos de 2° Grau.

Contudo, temos de perceber que os órgãos que compõem o 2° Grau de Jurisdição laboram com inegável importância na proliferação de julgados sobre temas constitucionais e infraconstitucionais, servindo de base para a prolação de decisões paradigmáticas pelo STF e pelo STJ. Negar seguimento a recurso, pelo fato de a decisão estar em conformidade com súmula do STJ ou do STF, é o mesmo que inibir a função dos órgãos do 2° Grau de Jurisdição, além de impedir que o feito seja reapreciado por outras autoridades, prevalecendo uma só opinião sobre a matéria em debate (MONTENEGRO FILHO, 2006, p. 133).

Isso pode resultar em outra questão que cria um receio nos juristas brasileiros, pois sem a submissão das novas matérias aos tribunais, seria vedado a análise das teses sumuladas sob novos argumentos, lembrando que inúmeras vezes em nossa história houve modificação e cancelamento dos verbetes editados pelo STF e STJ.

A título ilustrativo, traz-se o exemplo da súmula 263 do Superior Tribunal de Justiça. Em um primeiro momento, o enunciado fora editado com a seguinte redação: “a cobrança antecipada do valor residual descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação”. Esse verbete foi publicado no Diário de Justiça da União em 20 de maio de 2002 (BRASIL, 2002).

Todavia, em 29 de setembro de 2003 foi editada nova súmula, sob o n.° 293, tratando da mesma matéria de forma totalmente diversa, agora entendendo que “a cobrança antecipada do valor residual não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação”, abandonando-se o posicionamento anterior (BRASIL, 2003).

Não adentrando no mérito da matéria sumulada, deve-se ressaltar que tal fato não partiu de atitude própria dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, mas somente porque lhes foi submetida a mesma questão sumulada sob a égide de outros argumentos, evoluindo-se o entendimento.

A censura ao art. 518, § 1°, do CPC reside exatamente nesse ponto, o impedimento que os tribunais superiores recebam novos argumentos para modificarem seu posicionamento, até mesmo porque, como se sabe, a composição desses órgãos está em constante alteração.

Penso que o trânsito do recurso deve ser admitido quando o recorrente trouxer alguma (nova) razão que sensibilize, suficientemente, o julgador que aplicou a súmula. Ou pelas peculiaridades fáticas do caso ou, até mesmo, pela forma de abordagem da questão jurídica, reputo indispensável que se criem condições para que se dê esta possibilidade de abertura de uma renovada discussão ao caso, o que, em última análise, será responsável por manter vivo o debate da questão jurídica, afastado-se, com isto, uma das maiores críticas das súmulas impeditivas de recurso, que é o “engessamento”do Judiciário, em especial das instâncias inferiores.

Corroborando, Daidone (2006, p. 88) aduz:

Por outro lado, deve haver sim, inovação nos julgados, como defendem muitos e que não podemos também de deixar de fazê-lo, o que entretanto poderá ocorrer mesmo com a adoção das súmulas vinculantes ou impeditivas, que por sua vez, dependerão também de interpretação por parte do magistrado aplicador da lei.

Entretanto, Hertel (2007, p. 140) afasta a hipótese, alegando que existem meios para cancelar a súmula sempre que esta não corresponder aos anseios sociais e ao direito hodiernamente aplicado:

Alega-se que esse instrumento acabaria por “engessar” a função jurisdicional, pois inibiria uma evolução do processo interpretativo segundo a evolução social. Tal fundamento, contudo, não encontra razão, uma vez que a súmula vinculante está sujeita a ser revista ou mesmo cancelada caso não encontre mais respaldo no cenário jurídico e social.

A matéria sobre os entendimentos sumulados, sua aplicação, validade e divergências será também objeto de estudo em momento futuro, quando se tratar de segurança jurídica, sendo analisada a questão sob outro prisma.

4.3.2 Da violação à independência dos juízes e do princípio do livre

No documento Súmula impeditiva de recurso (páginas 61-65)