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Da violação à independência dos juízes e do princípio do livre

No documento Súmula impeditiva de recurso (páginas 65-68)

4.3 DA SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO E SUA ANÁLISE CRÍTICA

4.3.2 Da violação à independência dos juízes e do princípio do livre

Consoante o disposto nos capítulos anteriores, o juiz é livre para decidir conforme as provas colhidas durante a instrução processual, sendo vedada qualquer influência de outros poderes ou das hierarquias superiores do Judiciário. Assim, ao proferir uma decisão, fica somente subordinado à lei.

De outra banda, também foi demonstrada que as súmulas, enquanto jurisprudências consolidadas em verbetes pelos tribunais, possuem natureza meramente persuasiva, com exceção das súmulas vinculantes com previsão constitucional.

Logo, boa parte da doutrina considera que o art. 518, § 1°, do CPC, quando aplicado, viola a independência do magistrado em decidir conforme a interpretação que realizou de determinado dispositivo legal.

Dallari, citado por Daidone (2006, p. 102), afirma que conferir força obrigatória aos precedentes jurisprudenciais inibe os juízes de desempenharem sua função livremente:

Um juiz que não possa decidir de acordo com seu livre convencimento já não age como juiz, não importa se a coação vem de fora ou se ela vem do próprio Judiciário. E a concessão de força ao Supremo Tribunal Federal, para tornar obrigatória a imitação de suas decisões, significará apenas que estas estarão sendo imitadas por serem impostas, o que é completamente diferente de estarem sendo acolhidas por terem autoridade.

Além disso, os tribunais superiores não estão presentes no momento da instrução processual e não mantém contato direto e rotineiro com as partes, assim como faz o juiz de primeiro grau. Esse é quem conhece a realidade dos fatos que envolvem o dia a dia dos jurisdicionados, sendo ele o responsável pela interpretação da norma que melhor condiz com a realidade, desempenhando importante função na evolução dos posicionamentos.

Argumenta-se que se estará retirando do cidadão o direito fundamental de ter um Poder Judiciário independente na medida que se verticaliza o entendimento do STF [...], as súmulas podem conter o resultado de uma interpretação distorcida da realidade vivenciada pelos juízos inferiores provocando o engessamento da evolução exegética resultante da dinâmica da própria vida. [...] confere ao STF o poder de arvorar-se na função legiferante na medida que passará a impor sua vontade [...] representa um retrocesso, na medida em que, em outros países já foi experimentada e extinta (SHIMURA, [s/d] apud ALVIM WAMBIER et al, 2005, p. 761-762).

Mutatis mutandi, cita-se a lição de Gomes (2005), utilizando-se as mesmas considerações feitas à súmula vinculante para o instituto objeto de estudo:

Toda interpretação, dada por um Tribunal a uma lei ordinária, por mais sábia que seja, jamais pode vincular os juízes das instâncias inferiores, que devem julgar com absoluta e total independência. A súmula vinculante viola

a independência jurídica do juiz, isto é, sua independência interna (dentro da e frente à própria instituição a que pertence).

Ninguém pode impor ao juiz qualquer orientação sobre qual deve ser a interpretação mais correta. Aliás, é muito comum que um texto legal, pela sua literalidade confusa, permita mais de uma interpretação. De todas, deve prevalecer a que mais se coaduna com os princípios constitucionais (sobretudo da razoabilidade). Mas o juiz sempre tem a liberdade de escolha, dentre todas as interpretações possíveis.

Saraiva (2007, p. 470-471), citando Souto Maior, afirma a flagrante ofensa da súmula impeditiva ao princípio da independência e do livre convencimento, haja vista que, mesmo indiretamente, exerce influência para que o magistrado decida de acordo com o mesmo teor do verbete:

[...] embora tenha a aparência de favorecer a celeridade, no fundo despreza um valor essencial do Estado democrático de direito, que é o da formação do livre convencimento do juiz. Claro, pode-se dizer que o juiz esteja sempre livre para julgar, ou não em conformidade com a jurisprudência dominante dos tribunais, mas o fato de que sua decisão contrária à jurisprudência possa servir de exemplo para a demora da prestação jurisdicional representa, por certo, uma forma de pressão sobre o juiz para que se curve ao sistema. Importante frisar, ademais, que a celeridade não é o aspecto único da efetividade da prestação jurisdicional. Para uma boa e adequada prestação jurisdicional precisamos de juízes livres e independentes e qualquer tipo de pressão, ainda que indireta, sobre esses valores deve ser rechaçada, sob pena de arranharmos a própria noção de Estado de direito. Frisa-se, por fim, que a “tal súmula impeditiva de recurso” representa dizer que as decisões proferidas em conformidade com súmula dos tribunais superiores não estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição, enquanto que qualquer outra está. Neste sentido, confere-se à súmula um status jurídico superior à própria lei, sabendo-se, como se sabe, que as súmulas não se limitam a interpretar a lei.

Entretanto, Daidone (2006, p. 88) afirma que o princípio supostamente ofendido deve ser suprimido para garantir a impessoalidade ao proferir suas decisões, não deixando a interpretação da norma ao bel prazer do julgador, mas sim de acordo com aquilo hodiernamente pacificado pelas instâncias superiores:

O juiz deve ter a liberdade para interpretar a lei, mas em nome dessa liberdade, não pode se deixar influenciar pelos seus sentimentos e ideologias pessoais, mas sim pela sua razão, embora muitas vezes instintiva, ou seja, ter uma liberdade restringida pela jurisprudência majoritária que já interpretou exaustivamente a lei, para garantir sua impessoalidade no exercício da jurisdição.

E continua, afirmando que a liberdade dos juízes para decidir não pode prejudicar a parte que busca direito sedimentado pelos tribunais superiores.

Segundo o autor, a parte cujo direito já está pacificado não pode submeter-se por anos a fio ao trâmite do processo.

Assim, há de se perquirir sobre a utilidade de se adotar como princípio absoluto a independência do juiz, tendo em vista que dentro os efeitos práticos gerados por referida adoção se encontra a imputação à parte interessada do ônus de percorrer todo o périplo de recursos existentes para alcançar o entendimento das Cortes Superiores e a ilusão da outra parte, a quem este mesmo entendimento irá desfavorecer após longos anos de batalha jurídica inicialmente bem sucedida ou vice-versa (DAIDONE, 2006, 109).

Contudo, se é conferido ao juiz, quando da prolação da sentença, decidir em confronto com o entendimento sumulado, há de se considerar a possibilidade de, quando o recurso impugnar decisão em conformidade com enunciado dos tribunais superiores, o magistrado conhecer do recurso.

Na lição de Bottini e Renault (2006, p. 11), por essa ampla liberdade conferida ao juiz, não há que se falar em violação ao livre convencimento.

Cabe ressaltar que a nova lei traz as vantagens da súmula vinculante, mas, não vem acompanhada de seus alardeados efeitos. Isso porque sua aplicação evita a procrastinação de discussões de direito já assentadas pelos tribunais e, no entanto, não engessa a criação jurisprudencial, pois permite ao juiz a divergência, a discordância salutar e necessária ao desenvolvimento das teses jurídicas e da interpretação das normas. Ao magistrado cabe discordar das orientações sumuladas, quando acreditar pertinente e necessário, ou, por outro lado, acompanhá-las, impedindo a utilização de recursos.

Desse modo, colhe-se dos argumentos colecionados que se divide a doutrina sobre a violação do aludido princípio.

No documento Súmula impeditiva de recurso (páginas 65-68)