• Nenhum resultado encontrado

Da proteção à saúde e segurança prevista no CDC

Até este ponto nos furtamos ao dever de confrontar a norma expressa no art. 8º do CDC, com o disposto no art. 10 do mesmo diploma legal, tendo inclusive afirmado que caso o fizéssemos estaríamos nos desviando do cerne da questão que nos propusemos a dissertar.

Sendo que neste momento, antes de iniciarmos o estudo da norma contida no §1º do art. 10 da Lei 8.078/90, se faz necessário uma breve introdução sobre os riscos advindos da nocividade e periculosidade dos produtos e serviços tratados nos citados dispositivos legais.

Primordialmente, vale afirmar que o art. 8º do CDC pode ser conceituado como princípio geral de segurança do Código, posto estabelecer que, in verbis: “Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito”.

Pela simples leitura do dispositivo, constatamos que o Código não quis proibir o fornecimento no mercado de consumo de todo e qualquer produto e serviço de natureza nociva ou perigosa, em especial àqueles cujo tais características encontram-se implícitas em sua essência, justamente por acompanhar a idéia – inclusive exposta no veto presidencial do art. 11 – que tais produtos e serviços são fundamentais para o desenvolvimento de nossa sociedade.

Em que pese o legislador permitir o fornecimento de tais produtos e serviços, estabelece também o dever legal do fornecedor de prestar todas “as informações necessárias e adequadas a seu respeito”.

A idéia central do Código de permitir o fornecimento deste tipo de produto ou serviço – desde que prestadas as devidas informações – resta ratificada no próprio texto do art. 9º onde prevê: “Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto”.

Além de imputar ao fornecedor o dever de

ostensividade na informação, o citado dispositivo possibilita em sua parte final, o emprego de outras medidas que permitam o resultado prático equivalente, o onde podemos incluir a própria figura do recall, o que nos possibilita a afirmar, que além das normas citadas anteriormente, este também resta fundamente no texto do presente art. 9º.

Caracterizamos os riscos dispostos nos artigos 8 e 9 do CDC, como riscos inerentes, que são diferentes dos riscos adquiridos84, espelhados no caput do art. 10 da mesma lei.

Neste ponto, para evitar repetições desnecessárias nos valemos dos conceitos e definições dos ricos inerentes e adquiridos realizados quando tratamos dos fundamentos do recall no CDC.

É Importante frisarmos aqui que o Código não veda a introdução no mercado de consumo, e nem determina a retirada de produtos e serviços que possuem riscos inerentes (salvo por falta de informação essencial), ou seja, os riscos intrínsecos, também chamados de latente, considerados por lei como normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição.

O risco tratado no art. 10 do CDC, que dá base legal para, numa interpretação sistemática, impor ao fornecedor o dever legal de retirada dos produtos e serviços, utilizando-se da prática do recall, é o risco adquirido, ou seja, aquele que os torna nocivos ou perigosos em virtude de um vício totalmente alheio a natureza de sua utilização, que na maioria das vezes só são descobertos após sua oferta no mercado de consumo.

A principal característica do risco adquirido é, portanto, sua imprevisibilidade.

Ratifique-se que sob a égide do próprio Código de Defesa do Consumidor, em alguns casos o risco inerente pode transformar-se em risco adquirido por defeito de informação com relação a sua natureza

84 Periculosidade Inerente, e Periculosidade Adquirida. Classificação consagrada na doutrina

nociva ou perigosa a saúde e a segurança de seus consumidores, podendo desta feita, enquadrara-se no núcleo do art. 10, e assim também ser alvo de recall.

Como exemplo, podemos citar o fato dos

fornecedores deixarem de informar o melhor modo de uso e acondicionamento de produtos perigosos, como é o caso do álcool, que tem propriedades altamente inflamáveis, tendo inclusive seu fornecimento legalmente regulamentado, após a constatação de inúmeros casos de acidentes domésticos, muitos deles fatais.

Na visão de Demócrito Ramos Reinaldo Filho85, tais riscos influenciam diretamente no campo da responsabilidade dos fornecedores, sendo assim considerados pelo autor:

“Nos casos em que a periculosidade decorre de simples carência de informação (periculosidade inerente transmudada em periculosidade adquirida por vício de informação) é que, prestando posteriormente todas as informações sobre sua utilização, o fornecedor pode se eximir do dever de reparação por dano futuro decorrente de fato do produto ou serviço (acidente de consumo). O mesmo não ocorre em se tratando de periculosidade adquirida ou de periculosidade exagerada visto que, nesses casos, o defeito não decorre de carência de informação; tem na raiz vício material e intrínseco (na forma de defeito de fabricação ou de concepção), que só pode ser suplantado pela reposição ou conserto da parte ou componente defeituoso (nos casos em que, em razão da

85 Reinaldo Filho, Demócrito Ramos. Repertório IOB de Jurisprudência – 2ª Quinzena de

extensão do vício, a simples substituição da peça viciada puder afastar os riscos provenientes da sua utilização). Em outras palavras o bem que ofereça uma periculosidade acima dos riscos normais e previsíveis – e portanto não tolerada pelo Direito – não pode permanecer no mercado, em poder dos consumidores, pela simples razão de que nenhum tipo de advertência ou informação é capaz de eliminar esses riscos extravagantes, permanecendo o usuário na iminência de sofrer danos à sua saúde ou segurança”.