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Da responsabilidade do fornecedor pós-recall

Tomando por base os princípios que regem as Relações de Consumo, é possível afirmarmos com bastante tranqüilidade, que a responsabilidade do fornecedor perdura pelo tempo em que seus produtos e/ou serviços viciados permanecerem no mercado de consumo, mesmo que já tenham sido alvo de recall.

Isto se dá pelo caráter objetivo da responsabilidade do fornecedor frente aos riscos de seu empreendimento, fato que lhe impõe incondicionalmente as normas do Código de Defesa do Consumidor.

Ou seja, mesmo que o fornecedor efetue o recall, caso não comprove cabalmente que conseguiu atingir todos seus consumidores, diga-se sanando os vícios existentes ou adquiridos pelos produtos e/ou serviços que colocou no mercado de consumo, ainda estará sujeito aos danos de ordem moral e material causados pelos mesmos.

Com relação aos danos eventualmente suportados pelo fornecedor, dependendo do caso concreto estes poderão até mesmo ser atenuados, mas nunca afastados.

Para que isso ocorra, necessário que o fornecedor consiga provar inicialmente tratar-se de risco adquirido, ou seja, aquele que torna os produtos e serviços nocivos ou perigosos em virtude de um vício

totalmente alheio a natureza de sua utilização, e que na maioria das vezes só é descoberto após sua oferta no mercado de consumo.

Outro ponto importantíssimo para atenuação da responsabilidade do fornecedor no pós-recall, e comprovar que assim que tomou conhecimento dos referidos vícios de inadequação adquiridos, agiu com toda diligência possível, tomando todas as providências necessárias, especialmente executando o recall, visando tentar prevenir e reparar os possíveis danos causados a seus consumidores.

Como bem exemplifica Rizzatto Nunes145:

“A questão que se coloca é a seguinte. Se a função do recall é permitir que o vício do produto ou do serviço seja sanado, e, para tanto, o consumidor é chamado, pergunta-se: o fornecedor continua responsável por eventuais acidentes de consumo causados pelo vício não sanado, pelo fato de o consumidor não ter atendido ao chamado? A resposta é sim. Como a responsabilidade do fornecedor é objetiva, não se tem de argüir de sua atitude correta ou não em fazer o recall. Havendo dano, o fornecedor responde pela incidência das regras instituídas nos arts. 12 a 14. E como está lá estabelecido, não há, no caso, excludente possível para responsabilização. A que mais esse aproxima é a da demonstração da culpa exclusiva do consumidor (arts. 12, § 3º, III e 14, § 3º, II), e na hipótese ela não se verifica. Quando muito se poderia falar em culpa concorrente do consumidor, caso ele receba o chamado e o negligencie. Mas,

nesse caso, continua o fornecedor sendo integralmente responsável”.

Em verdade a única maneira do fornecedor se eximir por completo da responsabilidade sobre os possíveis danos ocasionados pelos produtos e/ou serviços viciados que colocou o mercado de consumo, é comprovar que realizou o recall, e ainda, que por meio deste conseguiu localizar e sanar 100% (cem por cento) dos vícios adquiridos ou inerentes de seus produtos e/ou serviços.

Para que isso possa ocorrer, defendemos que o fornecedor também deverá lançar mão de todos os meios possíveis e necessários para que todos os produtos e/ou serviços viciados sejam efetivamente alvos do recall, nem que para isso seja preciso a interpelação judicial dos consumidores através de todo e qualquer tipo de ação.

Da mesma forma que trabalhamos a questão no sentindo de compelir o fornecedor a praticar o recall por meios de ações de obrigação de fazer, acreditamos ser possível à utilização destas mesmas ações, com todas as especificidades por nós já tratadas neste trabalho, só que agora no sentindo contrário, qual seja, de compelir o consumidor a submeter a pratica do recall, aquele produto e/ou serviço que possui.

Lembrando que, em que pese a ação objetivar imprimir ao consumidor à prática de um ato, pode ocorrer deste descumprir voluntária ou involuntariamente tal preceito normativo, o que levaria a transformação da prestação em perdas e danos.

Neste sentindo, explica Caio Mário146:

“Diversamente do que se dá com a obligatio dandi, que em principio comporta execução especifica, o credor não pode impor ao reus debendi a prestação de fato, sem prejuízo do respeito à sua personalidade. Se a obrigação for personalíssima, converte-se a recusa na composição das peras e danos. Não sendo lícito ao credor obter um comando judicial imperativo, pois que ninguém pode ser compelido à prática de um ato especificamente (nemo ad factum precise cogi poteste), e não se comprazendo a ordem jurídica com o descumprimento voluntário da obrigação, o artigo estabelece a transformação da prestação no ressarcimento do prejuízo (id quod interest) sobre que passa a incidir o dever de prestar”.

Aqui vale lembrar que a constituição em mora do devedor da obrigação de fazer, ocorre tanto por meio da sua citação válida, nos moldes do art. 219 do CPC, como também através das interpelações, notificações e protestos147.

Diante da caracterização da responsabilidade objetiva do fornecedor frente ao recall, diga-se, antes, durante e após a sua execução, podemos concluir que a prática voluntária deste instrumento protetivo, salvo nos casos em que o fornecedor tenha sido forçado administrativa ou judicialmente a realizá-lo, será cada vez menor, pelo menos entre os pequenos fornecedores, que na maioria das vezes não tem condições

146 Idem, p. 35.

147 Mora ex persona. Validade da citação para a interpelação. A constituição em mora do

devedor da obrigação de fazer não se dá somente pela interpelação, notificação ou protesto, obtendo-se o mesmo efeito através da citação, como se depreende da leitura do art. 219 do CPC (RT 781/225).

estruturais e financeiras para suportá-lo, mesmo que isso venha a diminuir a confiança do consumidor em sua marca.

No mesmo diapasão, podemos concluir que apesar de parecerem muitos, visto sua divulgação na mídia televisiva, os recalls de produtos e serviços praticados hoje no Brasil, ainda estão muito longe de garantir a segurança visada pelo Código de Defesa do Consumidor, pois diante da repercussão social e das despesas despendidas para sua implementação, os fornecedores ainda estão entendendo ser mais lucrativo aguardar que o consumidor individualmente solicite a reparação daquele vício, ou a indenização daquele dano ocasionado, do que realmente efetivar o recall, sem sequer ter a certeza de que não estará mais sujeito as penalidades legais.