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Fornecimento de produtos e serviços nocivos ou perigosos – Dever de

2. Fundamentos do recall no ordenamento jurídico brasileiro

2.2 Fundamentos do recall na lei 8.078/90 – CDC

2.2.2 Fornecimento de produtos e serviços nocivos ou perigosos – Dever de

Apesar de não ser caracterizado como princípio das relações de consumo, mas que ao certo deriva destes, o caput do art. 8º do CDC também é tido como um dos fundamentos do recall, pois encabeçando as normas dispostas na Seção I – Da Proteção à Saúde e Segurança, do Capítulo IV – Da Qualidade de Produtos e Serviços, da Prevenção e da Reparação dos

Danos, traz consigo dever legal da não colação no mercado de produtos e serviços que possam acarretar riscos à saúde e segurança dos consumidores, bem como da prestação de informações necessárias e adequadas, senão vejamos:

“Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito”.

Furtando-nos ao compromisso de tecer comentários sobre a interpretação do dispositivo destacado em contraposição ao disposto no caput do art. 10, com relação à possibilidade de colocação no mercado de consumo, de produtos como o cigarro, as armas de fogo, os agrotóxicos dentre outros da mesma natureza, até porque caso o fizéssemos acreditamos que fugiríamos do cerne do presente trabalho, resta-nos neste ponto afirmar que a norma supracitada também impingiu ao fornecedor o dever, em qualquer hipótese, de dar as informações necessárias e adequadas sobre os produtos e serviços, em especial àqueles que somente puderam ser caracterizados como nocivos ou perigosos após a sua colocação no mercado de consumo.

Nestes casos, o recall mais uma vez aparece como um importante meio de dar-se cumprimento à norma do art. 8º, pois mesmo tendo o dever de informar – também estipulado no § 1º, do art. 10º – o fornecedor não poderá manter no mercado de consumo um produto ou serviço que acarrete riscos ao consumidor diversos daqueles considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, sob pena de responder pelos mesmos.

Na visão do Mestre Frederico da Costa Carvalho Neto48: “Há um dado interessante nesse dispositivo consistente no fato de que o consumidor não pode em nenhuma hipótese deixar de saber do risco à saúde e segurança, afastando qualquer alegação não só de desconhecimento, mas de impossibilidade de conhecimento. Imagine-se, por exemplo, que daqui há alguns anos a ciência descubra que um componente de um simples medicamento para dor de cabeça possa causar alguma doença. Pela disposição do art. 10º não há como o fabricante deixar de responder pelos danos causados por seu medicamento”.

2.2.2.1 TEORIA DO RISCO INERENTE E DO RISCO ADQUIRIDO

Para entendermos melhor a aplicação do artigo como fundamento do recall necessário neste ponto tecermos alguns comentários sobre a teoria do risco inerente e do risco adquirido.

O risco inerente é aquele risco intrínseco no próprio produto ou serviço, é o risco latente e perfeitamente aparente, é o que artigo considera como normal e previsível em decorrência de sua natureza e fruição.

Estamos falando aqui do risco existente no manuseio de uma arma de fogo, de uma faca afiada, de um ferro de passar em alta temperatura, do consumo de remédios, de alimentos picantes e bebidas quentes, da realização de sessões de quimioterapia e radioterapia, da prática de esportes radicais como pára-quedismo, arvorismo, montanhismo, dentre outros produtos e serviços, que se tornem potencialmente nocivos caso utilizados de maneira diversa ao objetivo para o qual foram concebidos, ou que contenham em sua natureza certo grau de risco à saúde ou a incolumidade física e psíquica do consumidor.

48 Idem, p. 87.

Em comentário ao tema ensina Sergio Cavaliere49: “Em suma, normalidade e previsibilidade são as características do risco inerente, pelo qual não responde o fornecedor por não ser defeituoso um bem ou serviço nessas condições. Cabe-lhe apenas informar o consumidor a respeito desses riscos inevitáveis, podendo por ele responder caso não se desincumba deste dever, hipótese em que poderá resultar configurado o defeito de comercialização por informação deficiente quanto à periculosidade do

produto ou serviço, ou quanto ao modo de utilizá-lo”.

Compartilhando do mesmo entendimento de

Cavaliere, ratificamos nesse trabalho que em regra geral, o recall de produtos e serviços só será imposto aos fornecedores quando se tratar de vícios advindos dos riscos adquiridos, não dos riscos inerentes, salvo se estes forem diversos da natureza, fruição destes produtos ou serviços, o que, por conseguinte, os caracterizaram como riscos adquiridos.

Outra hipótese em que deverá ser realizado o recall por conta dos riscos inerentes é quando ao colocar no mercado de consumo qualquer produto ou serviço, o fornecedor deixa de repassar de maneira clara, ostensiva e de fácil compreensão, informação essencial referente aos cuidados necessários na fruição dos mesmos (v.g. a impossibilidade de acionamento o forno de microondas com a presença de objetos de metal em seu interior, visto o risco de explosão), sob pena de ser responsabilizado pelos danos ocasionados.

49 Cavalieri Filho, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 5º edição, 3ª tiragem, Editora

No que tange ao conceito de risco adquirido, este pode ser definido como aquele que torna os produtos e serviços nocivos ou perigosos em virtude de um vício totalmente alheio a natureza de sua utilização, que na maioria das vezes só são descobertos após a oferta daquele produto ou serviço no mercado.

Com muita pontualidade, argumenta o mesmo

doutrinador50 que: “São bens e serviços que, sem o defeito, não seriam perigosos; não apresentam riscos superiores àqueles legitimamente esperados pelo consumidor. Imprevisibilidade e anormalidade são as características do risco adquirido”.

A respeito do tema pondera o professor Antonio Herman de Vasconcelos Benjamin51:

“O Código não estabelece um sistema de segurança absoluta para os produtos e serviços. O que se quer é uma segurança dentro dos padrões da expectativa legitima dos consumidores. E esta não é aquela do consumidor-vítima. O padrão não é estabelecido tendo por base a concepção individual do consumidor, mas, muito ao contrário, a concepção coletiva da sociedade de consumo”.

Assim, podemos concluir que a previsão do recall através da interpretação do art. 8º do CDC impõe ao fornecedor o dever de praticá-lo nos casos em que reste configurado o risco adquirido, ou nos casos de ausência de informação essencial acerca dos riscos inerentes, visto que a

50 Idem, p. 386.

51 Benjamin , Antonio Herman de Vasconcelos. Comentários ao Código de Defesa do

norma impede a colocação no mercado de consumo de produtos e serviços que acarretem riscos à saúde ou segurança dos consumidores.

Ratificando-se, portanto, que em ambos os casos de risco52, inerente e adquirido, o fornecedor de produto e serviço é obrigado a prestar todas as informações necessárias e adequadas a seu respeito, sob pena de responsabilizar-se por sua omissão.

Somados aos dispositivos da Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor, o recall também pode ser fundamentado nos primeiros quatro incisos do art. 1353 do Decreto nº 2.181, de 20 de março

de 1997, e no art. 113 da Lei Federal 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro54.