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1 RELIGIOSIDADE E TURISMO: FENOMENOS CONTEMPORÂNEOS

1.1 DA RELIGIÃO/RITUAL À RELIGIOSIDADE/ PERFORMANCE.

A busca por um sentido para a existência e para o mundo é intrínseca à condição humana. A consciência e o temor pela finitude da vida, a inquietação quanto ao que há após a morte, os mistérios sobrenaturais, são questões que buscam por respostas num plano sagrado, o que fundamenta diferentes religiões. É possível encontrar registros de manifestações potencialmente religiosas de povos da pré-história que através de pinturas nas cavernas, diante das frágeis e assombrosas condições de vida há 25.000 anos, já criavam formas de imitar e agradar a deuses com o intuito de controlar a natureza, de se salvar dos perigos e de celebrar a vida ou de significar a morte. Em pleno século XXI, apesar de todos os avanços científicos e tecnológicos e dos estudos teológicos, a humanidade ainda busca por respostas para o sentido da existência humana. Na busca por este sentido, cada

denominação religiosa tem hoje como desafio tornar-se interessante e atraente para os seus fiéis, frente ao multiculturalismo, ao consumismo, ao individualismo, proeminentes no capitalismo neoliberal, que marcam o contexto da ‘pós- modernidade’ na civilização ocidental. Sem dúvida, há diferenças na experiência religiosa de acordo com a época, a organização social, a economia, a cultura, ou seja, com a história dos grupos sociais, e com o comportamento e o poder de influência que homo religious exerce naquele contexto (ELIADE, 2010, p.22). Porém,

Muitos têm chamado a atenção para a relevância da “religiosidade” no mundo contemporâneo. Assumindo a forma de uma experiência ampla e difusa, ela vem, de certo modo, alterar os conceitos tradicionais de religião ou a maneira como indivíduos e grupos concebem suas relações com o sagrado. Um dos aspectos centrais dessa alteração é expresso nos moldes performáticos que as diversas religiões podem assumir no espaço público. (CONTINS; PENHA–LOPES; ROCHA, 2015, p.9)

A palavra religião consta do dicionário da língua portuguesa desde o século XIII e embora atualmente seu conceito se traduza, segundo o Dicionário Etimológico como sendo “[...] um conjunto de crenças relacionadas com aquilo que a humanidade considera como sobrenatural, divino, sagrado e transcendental, bem como o conjunto de rituais e códigos morais que derivam dessas crenças” (DICIONÁRIOETIMOLÓGICO.COM, 2017, [s/p.]), sua origem esteve muito vinculada ao cristianismo, em especial, à fundamentação da Igreja Católica. A palavra Igreja tem origem no termo grego Eclésia que significa assembleia ou reunião de pessoas que compartilham as mesmas ideias ou objetivos. Refere-se aos apóstolos de Cristo que se reuniam clandestinamente para propagar o evangelho, e a seus sucessores, denominados patriarcas.

No ocidente o Cristianismo foi perseguido pelo Império Romano e só foi admitido como religio licita7 no ano 313. Em 391, além de se tornar a religião oficial

de Roma, as demais religiões foram consideradas pagãs e passaram a ser perseguidas pelo império. No início do século IV a Igreja Católica se consolidava como forte instituição, com patriarcas e Bispos em toda a parte do Império Romano. Neste século foram promovidas as peregrinações cristãs à cidade de Jerusalém, situada entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo. Jerusalém é considerada a Terra

7 Religio licita era um estatuto do Império Romano que atribuía a certas religiões o direito ao culto, inclusive, o direito a coleta de impostos e a dispensa do serviço militar. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Religio_licita Acesso 21.jul.2016

Santa: território sagrado de judeus (ao que corresponde à Palestina, Terra de Israel), de cristãos (pelos lugares de nascimento e vida de Cristo) e de mulçumanos (pela jornada de corpo e espírito praticada por Maomé nos anos 621, peregrinação que faz parte da tradição do Islamismo).

Convêm ressaltar que as peregrinações ocorriam também nos rituais pagãos anteriores ao cristianismo. Consta que o percurso conhecido como Caminho de Santiago de Compostela na Espanha - uma referência das peregrinações contemporâneas - pode ter sido construído onde passaria a rota de uma peregrinação mais antiga, a Finisterra (fim-da-terra), com o objetivo de alcançar a costa Ocidental para ver o Deus Sol ‘morrer’ no mar para ressuscitar, no dia seguinte, no Oriente. Aliás, na Grécia Antiga, a cidade de Olímpia era um santuário e centro de peregrinação (CORNELSEN, 2006).

Portanto, o sentido de peregrinar (do latim per agros, isto é, pelos campos) vai além do ato de ‘caminhar pelos campos’ ou de cumprir um trajeto com um determinado número de quilômetros; tem um sentido espiritual como fundamento. Contudo, entre os séculos XI e XIII, quando a Palestina estava sob o domínio dos turcos mulçumanos, as peregrinações cristãs ficaram conhecidas posteriormente como Cruzadas ou Guerras Santas, pois tinham um caráter militar com o objetivo de manter o domínio cristão sobre a Terra Santa. Além das sangrentas batalhas, a movimentação dos “guardiões da fé cristã”, dos peregrinos e mercadores abriu novos caminhos e incrementaram o comércio e o povoamento pelo desbloqueio do Mediterrâneo (PIRES, 2002, p. 2).

Já no século XIII o termo “peregrino” se estabelece em nossa língua no contexto da religião cristã para denominar os cristãos que viajavam a Roma (ao que se atribui também o termo romaria) ou à Terra Santa (onde se encontram atualmente o Estado de Israel e os territórios Palestinos), não só para visitar os locais sagrados, mas, muitas vezes para cumprir penas canônicas, ou mesmo pagar por seus pecados ou promessas.

A Idade Média (século V ao XV) foi marcada pelo poder conquistado pela Igreja Católica: poder político, pois influenciava nas decisões dos reinos; poder jurídico, pois interferia na elaboração das leis; poder econômico, pois adquiriu muitos bens, terrenos e palácios; e poder social, na medida em que estabelecia o comportamento moral da sociedade. Como religião única e oficial, os dogmas da

Igreja Católica eram verdades incontestáveis; não admitiam opiniões contrárias sob a pena de perseguição e morte.

Enquanto parte do alto clero (bispos, arcebispos e cardeais) se preocupava com as questões políticas e econômicas, muitos integrantes da Igreja Católica foram importantes para a preservação da história e da cultura. Os monges copistas se dedicaram a guardar os conhecimentos das civilizações antigas, principalmente dos sábios gregos. Muitos documentos foram retomados na época do Renascimento Cultural, movimento que teve início na Itália do século XIV se expandindo pela Europa até o século XVI. As artes, a literatura, a educação, a arquitetura, foram marcadas pela temática religiosa. As igrejas continham vitrais e imensos painéis com pinturas de cenas bíblicas como uma forma didática de evangelizar considerando que a maior parte da população era analfabeta; a amplitude e o rico ornamento das igrejas guardavam um sentido do que seria o paraíso, a salvação. O canto gregoriano introduzido pelo Papa São Gregório entre os anos 590 e 604 foi outro recurso de evangelização através da música; os monges franciscanos abdicavam da vida material para dedicarem-se aos pobres e a prática da hospitalidade, no acolhimento a doentes, dissidentes de guerra e peregrinos nos mosteiros.

Ao final do século XV se deram as grandes navegações marítimas de descobrimento e a conquista de novos continentes para exploração e expansão do comércio. No âmbito cristão, os padres que acompanhavam as embarcações consolidaram as ‘missões’ – viagens de evangelização nas colônias -, entre elas, o Brasil ‘de Portugal’. Segundo Albuquerque (2009), a partir do século XV a conquista além-mar estabeleceu além do sistema colonialista, as interfaces da Europa com as culturas da África, da Ásia, da América. Além das relações comerciais, militares e políticas, as relações culturais com povos desconhecidos ou idealizados são permeadas por concepções de conquista e de dominação, não só pela força física e econômica, mas também na negociação dos saberes e da estrutura social, na qual se inserem os elementos religiosos.

Entre os séculos XVI e XVIII Albuquerque (2009, p.3) aponta “[...] uma espécie de aventura intelectual para responder ao desafio do encontro com outras culturas e religiões inaugurado pela presença constante do Islã nas fronteiras europeias e pelo contato com hindus, chineses e japoneses”, visto que se tratava de povos militarmente fortes e com cidades maiores e mais ricas do que as da Europa, estabelecendo relações bem diferentes daquelas tratadas com os povos nômades

da América e da África. O desafio da pluralidade cultural e religiosa acarretou uma “crise do pensamento europeu” (ALBUQUERQUE, 2009, p.3). Muitos autores do Iluminismo francês teriam encontrado nos povos persas e chineses a fonte de inspiração para criticar o poder absolutista e o cristianismo nos séculos XVII e XVIII.

Outro fenômeno relevante na história das religiões se dá no século XVI com o Protestantismo, uma ruptura interna do Cristianismo baseada em análises críticas das posturas do Papado e da textualidade das escrituras cristãs, que revela mais que uma fratura religiosa, fraturas de ordem social e política.

Observa-se até aqui o relato de diferentes tipos de viagens – peregrinações, navegações, missões de evangelização. Contudo considera-se que nenhum desses deslocamentos anteriores à modernidade poderia ser denominado como Turismo, mas sem dúvida, constituem-se como deslocamentos precursores do que viria a ser uma das atividades mais marcantes do século XX.

De acordo com Kumar (1997), as ideias clássicas e cristãs de tempo e história continuaram a dominar a mente ocidental até a segunda metade do século XVIII. Era preciso exorcizar a “expectativa apocalíptica do fim do mundo”, ao que Kant chamou de “terrorismo moral do cristianismo”, pois enquanto persistisse essa situação não poderia haver um autêntico conceito de modernidade. Frente às novas perspectivas científicas, pensadores dos finais do século XVII “[...] converteram as crenças milenaristas em uma ideia secular de progresso”, científico e racional. “Nostrum aevum, nossa era, transformou-se em nova aetas, a nova era” (KUMAR, 1997, p.91).

Este contexto de “nova era” foi propício para o desenvolvimento da sociedade industrial e, com ela, o turismo. Novas mudanças políticas, econômicas e sociais ocorreram entre o século XVIII e XIX, notadamente a Revolução Francesa e a Revolução Industrial que deram novo impulso ao imperialismo ocidental, submetendo gradativamente a Índia, a China e o sudeste asiático. Contudo, as pretensões de expansão já não se fundavam em pressupostos religiosos como nos séculos anteriores. A partir do século XIX foram inauguradas novas formulações filosóficas, predominando as ideologias naturalistas e positivistas, propagadoras de um evolucionismo biológico e social, que considerava que:

[...] cada cultura era classificada numa hierarquia e especificamente cada religião estava numa escala histórica com tendência ascendente e inexorável, ultrapassável uma após a outra,

classificando-as em níveis tais como naturalismo, politeísmo e monoteísmo. Isto justificava o imperialismo. Mas o embate ia além e previa o fim do monoteísmo como a etapa final desta escada evolucionista, através da consagração da crescente secularização, o predomínio do ateísmo militante, e a vitória do anticlericalismo. [...] É o século em que o saber científico representa a libertação ante o saber teológico que predominara por séculos. (ALBUQUERQUE, 2009, p.4).

Há no século XIX relações sociais mais complexas e que requereram novos fundamentos metodológicos para sua compreensão. O saber científico representou a libertação do saber teológico que predominou nos séculos anteriores. Do campo das ciências históricas nasceram novas abordagens como a sociológica, a antropológica, a etnológica, a econômica e a psicológica. Assim, reforça Albuquerque (2009, p.4), o que distingue o saber histórico de outros saberes “é pressupor o tempo como o fundamento de onde partem todas as suas reflexões e análises.” O autor considera que a pluralidade e a fragmentação religiosa estão associadas ao processo histórico de secularização da era moderna “que possibilitou que as sociedades existissem e funcionassem sem precisar estar fundadas sobre um único princípio religioso organizador” (ALBUQUERQUE, 2009, p.2).

Sobre este aspecto, Steil (2001, p.116) reitera que a perda de um aparato estatal que garantia à religião católica a sua exclusividade e reprodução social “introduziu uma transformação estrutural que redefine o papel da religião na modernidade”. Nos primeiros anos do século XX cogitava-se que a religião desempenharia cada vez menos influência na sociedade ocidental na medida em que essas mudanças avançavam no cotidiano da maioria dos habitantes, favorecendo o aprimoramento da razão em conjunção com o domínio da lógica do sistema capitalista. Mas entramos no século XXI e, inesperadamente, observa-se que fenômenos místicos estão presentes no mundo global e, de forma especial, no Brasil (KLINTOWITZ, 2001). Aspectos inerentes ao que se chamou de ‘pós- modernidade’ contribuem para a percepção de uma cultura-mundo reflexiva, que estimula a crítica, o individualismo e contestação da tradição frente ao multiculturalismo fomentado com a globalização, confrontando e elaborando culturas híbridas.

Charles Jenks (1989) um dos defensores da era pós-moderna, traz uma reflexão acerca da perda de referências quando afirma que é um tempo de opção incessante. “É uma era em que nenhuma ortodoxia pode ser adotada sem

constrangimento e ironia, porque todas as tradições aparentemente tem alguma validade” (JENKS, 1989 apud KUMAR, 1997, p. 116).

Para Antony Giddens (1990), que adere ao termo ‘modernidade tardia’, as sociedades modernas são, por definição, sociedades de mudança constante, rápida e permanente. Esta é a principal distinção entre as sociedades “tradicionais” e as “modernas”.

[...] nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contém e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço. Inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes (GIDDENS, 1990, pp.37-38).

A modernidade, em contraste, não é definida apenas como a experiência de convivência com a mudança rápida, abrangente e contínua, mas é uma forma altamente reflexiva de vida, na qual “[...] as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz das informações recebidas sobre aquelas próprias práticas, alterando, assim, constitutivamente seu caráter” (GIDDENS, 1990, pp. 37- 38).

Outra perspectiva a respeito do contexto contemporâneo é de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (2011) para os quais o “mundo hipermoderno”, organiza-se em torno de quatro polos estruturantes: o “hipercapitalismo”, a força propulsora da globalização financeira; a “hipertecnicização”, dado o elevado grau de expansão técnica e tecnológica; o “hiperindividualismo”, o ser individual desprendido das coerções comunitárias tradicionais; o “hiperconsumo”, o excessivo crescimento do “hedonismo mercantil” (LIPOVETSKY; SERROY, 2011, p.32).

É nessas condições que a época vê triunfar uma cultura globalizada ou globalista, uma cultura sem fronteiras cujo objetivo não é outro senão uma sociedade universal de consumidores (LIPOVETSKY; SERROY, 2011, p. 32).

Assim, quanto ao sentido do termo, pós-modernidade, modernidade tardia ou hipermodernidade há concordância em afirmar que se trata de uma reação à modernidade. Jenks (1989), Giddens (1990), Kumar (1997), Lipovetsky & Serroy (2011) – e como veremos Harvey (2014), Hall (2005), e Bauman (1997), oferecem leituras um tanto diferentes da natureza da mudança do mundo pós-moderno, mas suas ênfases na descontinuidade, na fragmentação, na ruptura e no deslocamento

tem uma linha comum. Com a modernidade os indivíduos se libertaram de seus apoios estáveis que se encontravam em suas tradições e estruturas. Até então se acreditava que o status, “a posição de uma pessoa na grande cadeia do ser” era uma atribuição divina e predominante sobre o desejo de soberania do indivíduo. (HALL, 2005 p. 14-18).

Pela primeira vez na história, as regras da vida social, a lei e o saber não são mais recebidos de fora, da religião ou da tradição, mas construídos livremente pelos homens, únicos autores legítimos de seu modo de ser coletivo. A contracultura, a ampla oferta de comunicação e consumo estimulam os valores hedonistas e o afastamento dos enquadramentos coletivos tradicionais - família, igreja, partidos políticos - ao mesmo tempo em que aproxima de uma multiplicação de outros modelos de existência: desenquadrados, libertos das imposições e compromissos coletivos, paralelamente a um comportamento tendencialmente narcisístico: “obsessão com a saúde, a boa forma, magreza, a busca de um bem estar pessoal e consumidor” (LIPOVETSKY; SERROY, 2011 p. 48). A dinâmica de individualização engendrou uma nova forma de insegurança identitária baseada na perda das “ancoragens comunitárias”, de uma base de referenciais (LIPOVETSKY; SERROY, 2011, p. 52).

Quanto mais o indivíduo é livre e senhor de si, mais aparece vulnerável, frágil, desarmado internamente. Dão testemunho disso a multiplicação dos suicídios e as tentativas de suicídios, a espiral da ansiedade e de depressão, o crescimento da toxicomania, dos psicotrópicos e das demandas psiquiátricas. Uma fragilização que se desenvolve tendo a fundo uma solidão crescente [...] e o consumismo serve para como refúgio para remediar a solidão e as dúvidas sobre si próprio (LIPOVETSKY; SERROY, 2011, p. 55- 56).

David Harvey (2014), entre inúmeras considerações relevantes quanto à transição para a pós-modernidade, aponta que a crise moral do nosso tempo tem sua raiz no pensamento Iluminista, pois apesar desse pensamento ter emancipado o homem da submissão à tradição da Idade Média, sua afirmação do “eu sem Deus” levou à negação de si mesmo. A razão, “na ausência da verdade de Deus”, perdeu sua meta espiritual ou moral; A razão tornou-se um mero instrumento para subjugar outros, e a luxúria e o poder são valores que “não precisam da luz da razão para ser

descobertos”. Segundo o autor, “O projeto teológico pós-moderno é reafirmar a verdade de Deus sem abandonar os poderes da razão” (HARVEY, 2014 p. 47).

Zygmunt Bauman (1997) discorre sobre as incertezas que incidem na identidade individual e que não gera a procura da religião, pois “[...] não necessita das benesses do paraíso nem da vara do inferno para causar insônia” (BAUMAN, 1997, p.221). Para o autor, homens e mulheres pós-modernos são selecionadores, temem perder uma oportunidade por não a enxergarem claramente e, por isso, procuram por aconselhamento, “[...] não carecem de pregadores para lhes dizer da fraqueza do homem e da insuficiência dos recursos humanos. Eles precisam da reafirmação de que podem fazê-lo – e de um resumo a respeito de como fazê-lo” (BAUMAN, 1997 p.222). O que se verifica no aumento dos ‘gurus’ contemporâneos, especialistas em identificar problemas e apresentar soluções nos mais diferentes campos: relacionamentos, carreira, saúde, psique, moda e nos livros de autoajuda como best sellers.

Erick Hobsbawm (2013) em “Tempos Fraturados - Cultura e Sociedade no Século XX” analisa a perspectiva da religião pública em diferentes partes do mundo, destacando que a racionalidade dos estados seculares, e mesmo a sua hostilidade ou indiferença com as instituições religiosas, tende a subestimar a força bruta do ritual na vida privada e na vida comunitária. Poucos de nós conseguimos escapar dessa força ao passar por datas e celebrações de nascimento, casamento, morte ou mesmo de rituais mais influenciados pelo capitalismo, mas de grande significado espiritual, como o Ano Novo, Natal, Páscoa. No mundo contemporâneo a religião continua a ser importante, apesar da nova militância ateísta dos anglo-saxões, também proeminente (HOBSBAWM, 2013, p. 237-238).

Apesar de não haver clareza se houve mesmo uma ascensão global da fé e da prática religiosa, o autor destaca o intenso movimento de transferências de um ramo religioso a outro, notadamente dentro do cristianismo, em que se verifica a rápida expansão e o crescimento do fervor religioso nas comunidades do protestantismo evangélico e neopentecostal / carismático em várias partes do mundo, com mais evidência nas Américas.

A inquestionável ascensão da presença pública da religião tem sido vista como um desmentido à velha opinião de que o modernismo e o secularismo estavam destinados a avançar acoplados. Conversões de uma fé a outra não podem ocultar o contínuo declínio das

obrigações e das práticas religiosas no Ocidente (HOBSBAWM, 2013, p. 239).

Embora a situação entre outras religiões ocidentais tradicionais seja parecida, fica mais perceptível na Igreja Católica Romana. Não se trata somente da numerosa dissidência religiosa, mas na indiferença, ou na desobediência tácita, “[...] como no caso da maciça adoção do controle de natalidade pelas mulheres italianas a partir dos anos 1970” (HOBSBAWM, 2013 p. 241). Observa-se contestações mais recentes em que se pretende questionar dogmas a favor de uma ‘flexibilização’ da Igreja Católica para aceitar o aborto, o casamento de homossexuais, a eutanásia, entre outros aspectos éticos e morais que fazem com que muitos considerem a Igreja Católica arcaica e retrógrada. Neste sentido o autor observa sinais de uma curiosa inversão de força: Enquanto muitas das antigas práticas religiosas tradicionais eram abandonadas, substituídas ou questionadas diante das dramáticas transformações econômicas e crises socioculturais do final do século XX e começo do XXI a necessidade de recuperar as certezas perdidas, de superar a ‘crise de identidade’ ficou mais urgente.

O renascimento religioso pessoal era uma forma de responder a essas perguntas. Devia estar clara, nessa altura, que a ascensão da política baseada em radicalismo religioso e o renascimento da religião pessoal foram ambos fenômenos do fim do século XX e do começo do XXI. Poucos teriam prestado atenção neles antes de 1960, mas poucos o teriam ignorado nos anos 1970. São claramente a progênie da espetacular transformação da economia mundial naquela década, que continua a se acelerar (HOBSBAWM, 2013, p.