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2 O TURISMO RELIGIOSO COMO MEDIADOR ENTRE O ESPAÇO SAGRADO E O ESPAÇO PROFANO

2.3 ESPAÇOS DO TURISMO RELIGIOSO.

Tentar especificar os atributos da religiosidade como atrativos espaciais para o turismo é uma tarefa difícil dada a sua subjetividade. Bittencourt (2003) se refere à matriz religiosa brasileira como “[...] uma complexa interação de ideias e símbolos religiosos que se amalgamaram num discurso multissecular” (BITTENCOURT, 2003 p.31), que pode até ser entendido como um produto, inclusive de exportação, na medida em que:

No contexto da globalização, a situação brasileira é emblemática: temos o “mago”31 mais lido do planeta; exportamos a Assembleia de Deus para Moscou; a Igreja Universal do Reino de Deus para Paris e a Umbanda para o cone sul. (BITTENCOURT 2003, p.31; apud SILVA, 2008, p. 23).

Porém, consideremos o contexto do patrimônio cultural material e imaterial da religião cristã católica, no qual o turismo tem encontrado as condições de desenvolvimento no Brasil. Ressalvemos, entretanto que, conforme relatado em entrevista pelo Guia de Turismo Religioso, Ney Gerhard “sem o aspecto da fé, da devoção, da busca pelo sagrado não há como falar em Turismo Religioso Católico” (GERHARD, entrevista julho 2017)

As cidades de função religiosa são marcadas pela prática da peregrinação ou romaria aos seus lugares sagrados. Nem todas as religiões incluem peregrinações como práticas religiosas. O catolicismo, o budismo e o islamismo são religiões que incentivam as peregrinações. De acordo com o simbolismo que exercem em sua ordem espiritual podem se configurar cidades-santuário - também denominadas como hierópolis - quando as funções urbanas são fortemente associadas à ordem sagrada.

Cidades-santuário “[...] podem ser encontradas em pleno deserto, como no caso de Meca, no sopé dos Pirineus, como em Lourdes, e na Baixada Fluminense,

31 “o mago” refere-se ao escritor Paulo Coelho, a quem também se “deve” a popularização do

Caminho de Santiago de Compostela como rota de peregrinação ao relatar suas experiências em suas publicações O Diário de um Mago e O Alquimista .

como em Porto das Caixas” (ROSENDAHL, 2009, p.47). Há, porém, cidades cuja função religiosa convive com outras funções. Em Armação dos Búzios, por exemplo, encontra-se como principal função a atividade turística e pretende-se averiguar como se dá (ou se daria) a função religiosa para a prática de peregrinações.

Rosendhal (2009) propõe que:

Ao analisar as atividades das cidades de função religiosa é preciso considerar dois aspectos: a sua organização espacial interna e o papel do agente modelador, no caso os peregrinos, através da vivência do espaço sagrado (ROSENDAHL, 2009, p.47).

A autora sugere então uma tipologia de cidades santuário em cinco categorias:

a) Núcleos rurais: Como exemplo do Santuário de Nossa Senhora da Abadia do Muquém, no município de Niquelândia no estado de Goiás, em que um povoado com aproximadamente 200 habitantes, recebe mais de 60 mil pessoas entre os dias 5 a 15 de agosto, impondo a organização do espaço para atender aos peregrinos como se fosse um núcleo urbano.

b) Pequenas cidades em área rural: Como o exemplo da pequena cidade de Santa Cruz dos Milagres, município do Piauí, com aproximadamente 2000 habitantes, que recebe em outubro, na festa religiosa, uma média de 30.000 devotos. Outro caso é do Santuário de São Francisco das Chagas em Canindé, no Ceará, em que o fluxo periódico ultrapassa uma centena de milhar de romeiros. Ambos os núcleos encontram-se em áreas de difícil acesso e pouco povoadas o que “[...] reafirma a ligação entre centros religiosos e locais isolados e inóspitos, que exercem atração, em grande parte, pela função religiosa que possuem” (ROSENDHAL, 2009 p. 77).

c) Cidades Santuário entre centros metropolitanos: O exemplo da Basílica da Padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, situada no eixo Rio-São Paulo, que apresenta um fluxo permanente de romeiros e diferentes escalas de acordo com os eventos que realiza.

d) Cidades santuário nos centros metropolitanos: As hierópolis metropolitanas vivenciam uma superposição de tempos sagrados. Entre os vários exemplos

cita-se o Convento de Santo Antônio no Rio de Janeiro, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Curitiba, ou São Judas Tadeu, em São Paulo. Apresentam fluxo permanente e em pequenas escalas, com uma organização singular e repetitiva, em que o espaço sagrado é recriado, geralmente uma vez por semana, e com um fluxo mais intenso por ocasião das datas comemorativas dos padroeiros. “Missa, quermesse, procissão, romaria são práticas religiosas na festa do santo protetor” (ROSENDAHL, 2009, p.78). E pode ocorrer ao mesmo tempo a construção de outro espaço sagrado, com práticas de outra religião. Um exemplo no Rio de Janeiro ocorre em 15 de agosto com as celebrações de Nossa Senhora da Glória. No alto do outeiro ocorrem os ritos católicos, enquanto nas alamedas de acesso, devotos do candomblé exercem seus rituais devocionais. “O sincretismo religioso é vivenciado pelos devotos num tempo sagrado comum” (ROSENDAHL, 2009, p.79).

e) Cidades santuário nas periferias metropolitanas: Destaca-se como exemplo o Santuário de Jesus Crucificado de Porto das Caixas situado no segundo distrito de Itaboraí, considerando-o “ordenado e seguro, numa periferia caótica e selvagem como a Baixada Fluminense, na Região Metropolitana no Rio de Janeiro” (ROSENDAHL, 2009, p. 79). Segundo a autora, trata-se uma produção religiosa popular, com frequência permanente de romeiros aos domingos, vindos de Nova Iguaçu, Nilópolis e outros municípios da Baixada, que é intensificada no dia 8 de dezembro, por ocasião da festa da padroeira, Nossa Senhora da Conceição.

Nesta categorização não se encontra uma tipologia em que se enquadre totalmente a Capela de Nossa Senhora Desatadora dos Nós, nem a Igreja de Sant’Anna, em Armação dos Búzios/RJ. Apesar de poder ser considerada ainda uma “pequena cidade”, Búzios não se caracteriza como “cidade rural”. Trata-se de uma cidade litorânea, com aproximadamente 32.000 habitantes, e já habituada ao fluxo intenso de visitantes não peregrinos, ou seja, de turistas atraídos pelos aspectos do espaço profano. Razão pela qual este trabalho vem a refletir sobre como se dá a organização de um espaço sagrado e de seu fluxo frente ao contexto profano já vinculado às funções da cidade de Armação dos Búzios. Também não

exercem nem a Desatadora, nem Sant’Anna, uma demanda tão significativa que as possa classificar como “cidades santuário nas periferias metropolitanas”, nem mesmo por ocasião das festividades religiosas.

Se, por outros critérios, considerarmos a publicação da EMBRATUR,