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1. A Ética do Discurso e A Questão da Verdade

1.2. Da Admissão de Pretensões

1.2.3. Da Transferência do Plano Epistemico para o Plano Linguístico

Por sua vez, esse grupo de falácias clássicas retira o discurso do plano epistêmico para o plano político, posto que a epistême pertence a uma realidade à qual a linguagem e sua estrutura façam referência. A estes conceitos a que se refere mesmo que apenas como abstrações da realidade, pela mente humana, e, sendo referidas em seus elementos permanentes, não nos acidentais, são fundamento pressuposto do princípio de identidade sem o qual, nada pode ser comunicado, daí se evitar a contradição performativa a fim de que se possa discorrer sobre qualquer tema, inclusive, metaliguagem. Espera-se assim evitar o que apontaram Bastos e Keller como falácias do campo linguístico:

- Equívoco: utilização de uma mesma palavra que tem sentidos totalmente diferentes para coisas diferentes. Quando um termo polivalente é usado com uma representação intencional diversa da real levando a concluir falsamente. Sendo a linguagem convencional e, as convenções não tendo relação precisa com a realidade, a linguagem não representa a realidade- o equívoco é o de supor que convenções seja meros acordos que não partem de base factual;

- Anfibologia: utilização de frases ou proposições que por terem construção gramatical ambígua, induzem a uma interpretação errônea.

- Ênfase: Referencial- mensagem que se refere a um contexto levando ao surgimento de ideias e conceitos no interlocutor a fim de acentuar neste um estado emocional, intimidar e inibir o outro; Emotivas- tem intuito de coibir com função conativa intimidadora.

- Composição: conflito verbal entre as propriedades de classes diferentes que só podem ser atribuídas sucessivamente e não simultaneamente.

-Divisão: atribuir a uma classe dois predicados que lhe cabem simultaneamente, mas, não sucessivamente (BASTOS e KELLER,1999, p. 23 - 28).

Sendo um realista nas questões epistêmicas e um construtivista nas questões morais, Habermas se considera neste locus específico do realismo pragmático. Assim, as condições transcendentais funcionam como um dado a priori, uma forma cultural de vida; mas já não se afirma que elas se localizam num mundo inteligível que não teve origem no espaço nem no tempo. O conhecimento resulta de três processos simultâneos que se regulam mutuamente: a atitude de resolver problemas diante de riscos impostos por um ambiente complexo; a justificação das alegações de validade diante de argumentos opostos, e um aprendizado cumulativo que examina a si mesmo. Assim, persiste o aspecto subjetivo dos

interesses práticos e o intersubjetivo da linguagem. Mas o mundo não deve ser concebido como a totalidade dos fatos dependentes da linguagem, e sim, de objetos por referências epistêmicas/linguísticas (HABERMAS, 2016).

Para Habermas a validez social de uma norma, a longo prazo, depende também de ser aceita como válida no círculo daqueles a quem é endereçada. Quanto a isto, espera-se resgatar validez por razões havendo normas de ação de um lado, e, de outro, subsiste uma conexão para a qual não haveria, a princípio, paralelismo ôntico (HABERMAS, 1989, p. 83). Isso muda em Verdade e Justificação e em A Ética do Discussão e A Questão da Verdade. Nesta segunda, a narrativa feita por Habermas sobre a situação da filosofia alemã no Pós- Guerra tenciona explicar algumas das motivações que o levaram e também a Apel a adotar uma pragmática transcendental ou formal. Daqui aborda-se a questão de defender o realismo segundo o viés pragmático e como reconciliar o realismo epistemológico com o construtivismo moral. “A pragmática não permite duvidar de um mundo objetivo independente de nossas descrições, apesar de que não é possível transpor a linguagem e nosso conhecimento falível, não teria justificações fundamentais” (HABERMAS, 2016, p. 53 - 56).

O conceito de conhecimento como representação é indissociável do conceito de verdade como correspondência. Não podemos abrir mão do primeiro sem perder também o segundo (...) Este fato aponta para uma concepção antifundacionista do conhecimento e da justificação e, ao mesmo tempo, para a noção de verdade como coerência (...) Entretanto, a verdade de uma proposição aqui e agora, no nosso contexto de justificação e na nossa linguagem, deve transcender qualquer contexto dado de justificação (HABERMAS, 2016, p. 59).

Apesar de haver com a modernidade uma diferença de ênfase em que a investigação passa a ser a do modo de conhecimento dos objetos, não há, com isso a perda do caráter referencial aos objetos. A definição das condições de possiblidade dos elementos apriorísticos que constituem o conhecimento enquanto tal, à maneira kantiana, pressupõe uma ontologia em dois níveis: O nível numênico (realidade) e o fenomênico (percepção da realidade). Não quer dizer, portanto, que a filosofia primeira, sequer a atual, não seja teoria do ser, sequer que a filosofia atual tenha perdido a referência a um mundo objetivo para ocupar- se apenas do discurso, como Robinet sugere (ROBINET, 2004). Embora admitir a complexidade da realidade e a limitação da filosofia e demais ciências em abarcá-la seja salutar, negar à filosofia seu objeto (a verdade, a realidade e o bem) seria auto-sabotagem neste sentido prático por implicação necessária (OLIVEIRA, 2012). Qualquer afirmação que nega a uma ciência ou via de inquérito o seu próprio objeto inviabiliza a si mesma e essa negação só é feita em necessário prejuízo da área.

A sobreposição mútua de diferentes impulsos irracionais impera nos indivíduos, levando a falsas antinomias, impede assim que desenvolvam a disposição racional para compreensão mútua. Há a falsa antinomia de que o controle de si sobre si possa ser equiparado com o controle externo que tolhe a liberdade e possa ser tão nociva quanto esta, quando, na verdade, o autocontrole é aquele do qual depende a liberdade. Há ainda a falsa antinomia realidade/fenômeno, mas, uma vez que se busque conhecer os fenômenos, isto é feito por haver a expectativa de que a episteme e a linguagem, em alguma medida, correspondem à realidade, mesmo que não se determine o quanto, em que medida.

Assim, defender o relativismo seria sempre uma defesa em prejuízo da área (filosofia). Sendo um despropósito e temeridade desnecessária, põe subterfúgios à área como se a filosofia precisasse destes subterfúgios, como se carecesse de fazer adoecer o entendimento para curá-lo, quando, na verdade, a realidade em sua complexidade dificilmente investigável já traz em si todos os obstáculos reais ao processo de elucidação filosófica. Além disto, seria uma contradição performativa, à medida que tenta se referir à realidade do discurso pelo discurso de maneira aporética. Contrapondo-se a isto, as teorias que visam possibilitar a compreensão da realidade mostram-se, num primeiro momento, descritivas, posto haver o trabalho de descrição prévio ao da crítica podendo ocorrer paralelamente.

Habermas reformula seu conceito de verdade, admitindo que “a redenção discursiva de uma alegação de verdade que conduz à aceitabilidade, por justificação, não é verdade ” (HABERMAS, 2016, p. 60). Ele critica o contextualismo de Richard Rorty que limita a política a uma necessidade de justificação, não de correspondencia a fatos. Rorty alega que a incondicionalidade do conceito de verdade levaria à irrelevância para a prática (SOUSA, 2005). Porém, Habermas adota a atitude hipotética falibilista em relação a alegações que na medida em que são problemáticas podem ser justificadas, por outro lado, pretendem uma validade incondicional para além do contexto de justificação. Esse é um uso do discurso que constitui função pragmática mais efetiva e cotidiana (HABERMAS, 2016). Esta validade incondicional que se encontra para além do contexto de justificação mostra que a pragmática está associada à objetividade, há um princípio.

Ainda no que se refere à eficácia, um nível de abstração que se distancie em demasia da correspondência a fatos leva à consideração insuficiente dos fins. Isto diminui a responsabilidade social quanto aos rumos da ação individual e conjunta e, assim, a uma consideração deficitária da ética por meio das quais estes seriam atingidos. Se os fatos que envolvem uma ação não são observados, a ação não pode ter o controle mínimo sobre sua própria finalidade e tampouco, ter ética. E considerar em demasia os fins em detrimento dos

fatos leva a uma atitude hedonista em relação à prática social, o que prejudicaria a ética e os fins que melhor se coadunassem em prol do bem comum.

A atitude procedimentalistade Habermas advém de que o procedimento deve ser ético em si mesmo e não apenas por finalidade, posto ser a finalidade pertinente ao futuro e não garantida pela ação presente. Contudo, não deixa de ser utilitarista num bom sentido, ou seja, para alcançar o fim mais útil à maior quantidade de pessoas possível pela participação da maior diversidade de grupos na decisão.

Pela ação na ética discursiva é que tem ainda a base principiológica, na medida em que para alcançar determinado fim através de um procedimento ético é necessário partir de um princípio norteador. Assim sendo, a radicalização de um destes três aspectos da ação ética restrita a um só deles é limitada e não garante a ação ética, não podem ser vistos como alternativa uns aos outros, mas, como parte do todo coeso de uma ação ética com possibilidade de efetivação na realidade.

Ilustra-se a relação destes aspectos na disposição paralela da vinculação mútua que se segue no diagrama conceitual articulado aqui:

Fundacionismo(fundamentos)______Coerentismo(coerência)______Objetivo Princípios_______________________Diretriz__________________Norma Pressupostos____________________Método_______________Conhecimento

Como início do processo, há os fundamentos, princípios, pressupostos, parâmetros norteadores que engatilham a ação ética. Nota-se que a ênfase procedimental de Habermas se realiza pelo controle do método - ética do discurso - através dos princípios fundamentais dessa ética os quais constituem pressupostos equivalentes a diretrizes e práticas com coerência conceitual e prática em relação à proposta desta ética. Tendo como alvo a elaboração de normas deontológicas cujo conhecimento efetive o objetivo prático da ética do discurso, havendo, também uma finalidade útil, de uma utilidade pública consensual. É aspecto vinculante destas dimensões da ética discussiva de Habermas que de seu modo formalista permite atingir a situação de menor coerção possível ao buscar a situação ideal de fala por meio de três regras, como resume Bárbara Freitag:

- Regra da igualdade: Todo indivíduo é apto à ação e fala pode participar de discursos;

- Regra da participação: Todo e qualquer participante de um discurso pode problematizar qualquer afirmação (...);

- Regra da não-coerção: Nenhum interlocutor pode ser impedido, por forças internas ou externas ao discurso, de fazer uso pleno de seus direitos, assegurados nas duas regras anteriores (GOLDIM, 1999).

Por ser uma ética formal aberta a um conteúdo que é atualizável, mas, que não está presente nesta forma ética, esta proposta ganhou muitos adeptos e múltiplas versões. Contudo, o mais interessante aqui será voltar a atenção àquelas éticas da qual essa ética do discurso é tributária, a fim de notar através dos autores que delinearam seus primeiros contornos abordagens constitutivas que soaram antagônicas por um tempo, mas foram conciliadas. Estas concepções são a pragmática kantiana e o ultilitarismo de Mill. As regras de conduta seriam sempre provisórias apontando para uma adequação do procedimento para formar uma regra a partir do caso particular em questão. “Serviriam ao mesmo tempo de regras comuns para um modo de ação reconhecido por nós e por outros - se ainda assim não fosse adequado seria uma circunstância excepcional” (MILL, 1999, p. 148).

Esta concepção provisória de adequação das regras de conduta são as primeiras similitudes aqui apontadas entre Mill e Habermas. Neste último, a eficácia da comunicação pública não se mede pela generalidade, mas, sim, por parâmetros formais da composição de uma opinião adequada à ética do discurso. Esta adequação de uma opinião pública em direção a um consenso ocorre por um equilíbrio ético de interesses. A não coincidência entre esses conceitos e os posicionamentos públicos do sistema político possibilitam o questionamento das pretensões. Uma perspectiva legítima de adequação procedimental das chamadas opiniões públicas aos instrumentos a disposição é buscada. Se isso não ocorre, há o risco de que a máquina pública jamais funcione como suposto, e Mill deixa sua preocupação clara com o contraexemplo a seguir:

O legislador está obrigado a levar em consideração as razões ou fundamentos da máxima, o juiz não tem que se ocupar da lei, exceto na medida em que a consideração destes fundamentos possa lançar alguma luz sobre a intenção do legislador, quando suas palavras a deixaram incerta. Para o juiz, a regra, uma vez positivamente determinada, é definitiva; mas o legislador ou qualquer outro prático que se orienta por regras mais do que pelas razões das regras, como os antiquados estrategistas alemães que foram vencidos por Napoleão, ou como os médicos que preferiam ver seus pacientes morrer conforme a regra a vê-los se recuperar de modo contrário a esta, são julgados como meros pedantes e escravos de suas fórmulas (MILL, 1999, p. 146).

Aqui vê-se uma ênfase em um tipo de responsabilidade, aquela a que cabe garantir os melhores fins para todos. O filósofo utilitarista menciona que é constantemente argumentado que tal e tal medida deve ser adotada porque é uma consequência do princípio

no qual está fundada a forma de governo, o da legitimidade, o da soberania popular. A isto ele acrescenta que se estas medidas forem realmente embasadas por princípios devem repousar em bases especulativas. Para ele toda técnica consiste em verdades da ciência arranjadas em uma ordem adequada a um uso prático (MILL, 1999). Assim, ao passo que admite o aspecto especulativo das ciências morais, assume também que os conhecimentos destas são sempre teleológicos. A intenção ou pretenção é aquilo que qualquer análise não ilusória das ações humanas tem de se pressupor ao tematizar a finalidade.

Ademais, para Mill, “toda técnica é também resultado de um conjunto de leis da natureza descobertas pela ciência e dos princípios gerais do que se pode chamar de teleologia ou doutrina dos fins, ou mesmo, princípios da razão prática” (MILL, 1999, p. 151). Além dos primeiros princípios da ciência há ainda os da conduta. Busca-se um critério que permita estabelecer se algo é bom ou ruim de forma correspondente aos fins. O princípio da conduta é a promoção da felicidade. Milldiz não pretender afirmar que a felicidade seja a finalidade de todas as ações. A princípio esta seria a justificação e controle de todos os fins, mas, não é o único fim. O hedonismo presente no utilitarismo de Benthamé revisto por Mill que modifica seus aspectos qualitativos e quantitativos. “O primeiro, qualitativo é pensado através de uma felicidade vinda sobretudo dos fins mais elevados como afilosofiae agenerosidade” (MILL, 2000, p. 10-11). Assim a consideração dos fins é mantida como critério.

Evitar um nível de abstração que se paute demasiadamente nos meios leva à consideração insuficiente dos fins. Por conseguinte, a consideração insuficiente dos fins leva a um não estabelecimento de uma ética através da qual estes meios seriam atingidos. Por vezes, a finalidade de uma ação pode não ser atingida, logo, o que constitui uma ação ética não pode ser a finalidade, uma vez que, estando no futuro, não pode ser de todo garantida. Dado que nem os princípios nem os fins possam necessariamente levar a uma ação ética, o procedimento, ou seja, o aspecto processual, é a instância que deve, uma vez bem definida, garantir que se parte de princípios e finalidades partilhadas conforme a racionalidade ética. Eis a saída encontrada por Habermas com a Ética do discurso.

Finalidades mais nobres têm seu valor em si mesmo, embora tragam felicidade, não são buscadas apenas por esta. Quanto ao aspecto quantitativo, Habermas propõe a incomensurabilidade, ou seja, elimina a gradação da intensidade outrora posta em consideração e segundo a qual um bem menos nobre poderia ser escolhido em lugar de um mais nobre. Assim, a finalidade de buscar o desenvolvimentos das potencialidades do espírito humano prevaleceriam. Embora esta finalidade tivesse de ser reconhecida por nós e por outros, esta filosofia foi entendida em sentido monológico. Não há uma abordagem precisa de

como se daria a comunicação a fim de que este reconhecimento coletivo de uma finalidade pública ocorresse de forma equânime, embora, se aponte para isto.

Desta interpretação monológica surge uma aparente contraposição do utilitarismo de Mill- A Lógica das Ciências Morais (é um tipo de ética consequencialista. O seu princípio básico, conhecido como o Princípio da Utilidade ou da Maior Felicidade, é o seguinte: a acção moralmente certa é aquela que maximiza a felicidade para o maior número) - à pragmática de Kant- Antropologia de Um Ponto de Vista Pragmático (investigará os fazeres - da atividades, as possibilidades e o agir humano na medida em que o ser humano é o único ser com inteligibilidade para agir em um mundo condicionado por leis naturais e do qual o ser humano) participa como peça central. Assim, a Antropologia Pragmática se ocupará, pedagogicamente em investigar o que o homem faz, pode e deve fazer como ser que age livremente no mundo (MILL, 2000).

Segundo Kant, o egoísta moral é o indivíduo que reduz todos os fins a si mesmo, para o qual não há utilidade naquilo que não lhe serve. Assim como a solução de Mill para evitar o egotismo foi apontar para a serventia pública, a de Kant é vincular a ação humana a suas finalidades diretas sempre subordinadas ao dever. Embora todo dever tenha uma utilidade, nem sempre é o bem comum, mas, não há contradição lógica nem prática em que algo esteja conforme o dever e seja útil. E a busca por corresponder a ambos os princípios é propriamente humana. Kant quis achar uma pedra de toque para a ação humana com o conceito de dever que serviria como um princípio de validade universal, ou seja, validade plural (KANT, 2009, p. 29-30). Mas, o entendimento de que esta concepção também poderia deixar margem para um entendimento monológico da ação pede por uma alternativa capaz de garantir a comunicação na busca do consenso de uma razão pública.

Habermas indica a possibilidade de manter uma concepção cognitivista da ética defendendo que deve haver algum princípio que nos permita decidir racionalmente uma questão moral – mas de maneira não moral (individual). Ele utiliza a noção de que posicionamentos morais são, de alguma forma, verdadeiros ou falsos, e não apenas válidos ou inválidos com relação à norma superior. Assim, visa fundamentar racionalmente a ética do discurso buscando fundamentação nas condições teóricas para o discurso prático. Busca validade objetiva na argumentação moral, e não no conteúdo da norma. Não há ação de fala que não seja ilocucionária, ou seja, que não tenha intenção. O que diferencia a ação estratégica da comunicativa é que, enquanto a primeira não revela intenção nem a discute para adequação desta às dos outros discorrentes, a segunda revela a própria intensão e a dialoga para possível adequação. E, naturalmente, a adequação só é referida, submetida à

argumentação, quando concerne e afeta outros agentes implicados nesta realidade (COSTA, 2007).

A adequação a que se faz referência aqui não é a adequação à norma nem a sua vigência ou à observância a esta. Trata-se ao invés disto, de avaliar sua legitimidade. Uma norma é legitima apenas quando pode ser aceita pelo círculo de pessoas às quais é endereçada, e ela é aceita por motivos ligados aos valores destas pessoas discursiva e consensualmente. A argumentação sobre a legitimidade não pode ser fundada em discurso indutivo, pois não há evidência empírica sobre valores. Não sendo possível a indução, fica descartada também a aplicação do método dedutivo, posto que as regras gerais precisariam ser construídas indutivamente. O princípio da universalização surge como um elemento unificador não externo ao discurso, mas, como a abstração da pretensão de verdade comum a todos os discursos.

Habermas faz a Rawls a mesma crítica que este fez aos utilitaristas clássicos, a de que não levavam em conta devidamente as diferenças entre as pessoas, de que levavam valores subjetivos como se fossem universais. Habermas nota a ausência, em Kant e Rawls, da função comunicativa cotidiana na aplicação de normas práticas que deveriam funcionar como padrões para a restauração de uma convivência perturbada ou ameaçada. Se a formação de um ethos (costumes da identidade de um povo) não é possível cotidianamente, a integração requerida de um “povo”, que neste caso não existiria, não ocorreria em momentos decisivos. Em uma sociedade baseada em vantagens dadas pelas diferenças, uma base comum de igualdade de direitos a que se recorra teria pouco valor de reivindicação. A teoria do discurso tem por base a institucionalização dos processos e pressupostos comunicativos de uma correspondência entre deliberações institucionais e opiniões públicas. Mas a procedimentalização da soberania popular e a ligação do sistema político às redes periféricas da esfera pública implicam em uma sociedade descentrada.

Contudo, esta descentralização a partir da esfera privada (comércio e família) em direção à esfera pública (Estado e sociedade civil7) ocorre se a cidadania não é um valor para determinada sociedade, esta tenderia a volta-se mais para a esfera privada. Quando, em algumas nações se nota a menção à cidadania como apelo a uma base comum de entendimento entre iguais, esta nação tem um povo, um ethos desenvolvido. Quando o apelo