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A respeito do nexo entre a ética do discurso e a questão da verdade através do método de Jürgen Habermas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN) MESTRADO EM FILOSOFIA ÉTICA E POLÍTICA

INGRID XENOFONTE RIBEIRO

A RESPEITO DO NEXO ENTRE A ÉTICA DO DISCURSO E A QUESTÃO DA VERDADE ATRAVÉS DO MÉTODO DE JÜRGEN HABERMAS

Natal-RN 2019

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INGRID XENOFONTE RIBEIRO

Dissertação apresentada ao

Departamento de Filosofia da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção título de mestre em Filosofia Ética e Política.

Orientador: Prof. Dr. Edrisi de Araújo Fernandes. Natal-RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Ribeiro, Ingrid Xenofonte.

A respeito do nexo entre a ética do discurso e a questão da verdade através do método de Jürgen Habermas / Ingrid Xenofonte Ribeiro. - 2019.

123f.: il.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em Filosofia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020. Natal, RN, 2020. Orientador: Prof. Dr. Edrisi de Araújo Fernandes.

1. Ética - Dissertação. 2. Procedimentos - Dissertação. 3. Referencial - Dissertação. 4. Realidade - Dissertação. 5. Distorção - Dissertação. I. Fernandes, Edrisi de Araújo. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 17

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RESUMO

A referência ao paradigma da consciência como condição para responsabilidade como fonte de nossas opções e ações leva à admissão de procedimentos de argumentação que nos leva a atingir o ponto de vista do outro. Com isso, ter-se-ia uma aplicação do imperativo categórico que, pela interpretação de Habermas, teria sua plena realização em uma razão discursiva e não individual(moral) predominantemente. Neste sentido, o caráter referencial da linguagem é imprescindível e indissociável do conceito de conhecimento como representação, de verdade como correspondência a fatos. Habermas parte das relações sociais efetivas e distingue entre a ação de fala estratégica cuja referência à realidade pode ser falsa e a ação de fala comunicativa, em que esta referência visa comunicar a realidade em questão. Contudo, a ética do discurso só se efetiva para a situação de máxima igualdade discursiva possível pela disposição para coadunação dos intuitos e institutos. Um caso específico se mostra pela tecnocracia que, como nota Habermas, surge no cenário atual como urgente de tematização. O decisionismo dos atos de vontade de especialistas deve estar em consonância com a pragmática da comunicação recíproca. Para contemplar esta discussão utiliza-se produções de autores como Habermas, Moreira e Gisele Citadino que defendem a soberania popular como garantidora da pragmática política. Alexy e Botelho divergem destes, por sua vez, defendendo, em contraponto, uma posição de ativismo judicial. Carlos Augusto Ali Amim aponta o risco sempre presente nos tribunais de confundir a deontologia das normas com a teleologia dos valores como será abordado no último artigo/secção da presente dissertação. O presente trabalho trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico, documental, explicativo e qualitativo. Neste contexto surgem potenciais problemas entre Estados nacionais, Regiões e pessoas por alegações incompatíveis à realidade referida pelo discurso. Nem sempre que um discurso pode ser adequado a institutos existentes, está sendo um discurso verdadeiro/ético. A busca aqui seria, portanto, pelo critério pelo qual um discurso é ético.

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ABSTRACT

The reference to the paradigm of consciousness as a condition for responsibility as the source of our choices and actions leads to the admission of procedures of argumentation that leads us to reach the point of view of the other. With this, there would be an application of the categorical imperative which, by Habermas's interpretation, would have its full realization in a predominantly discursive rather than individual (moral) reason. In this sense, the referential character of language is indispensable and inseparable from the concept of knowledge as representation, truth as correspondence to facts. Habermas departs from effective social relations and distinguishes between the action of strategic speech whose reference to reality can be false and the action of communicative speech, in which this reference aims to communicate the reality in question. However, the ethics of discourse is only effective for the situation of maximum discursive equality possible by the willingness to co-ordinate the goals and institutes. A specific case is shown by the technocracy that, as Habermas notes, appears in the current scenario as an urgent theme. The decisionism of the acts of will of specialists should be in consonance to the pragmatics of the reciprocal communication. To contemplate this discussion uses productions of authors like Habermas, Moreira and Gisele Citadino who defend the popular sovereignty as guarantor of the political pragmatics. Alexy and Botelho diverge from these, in turn, defending, in counterpoint, a position of judicial activism. Carlos Augusto Ali Amim points out the ever present risk in the courts of confusing the deontology of the norms with the teleology of values as will be approached in the last article / section of this dissertation. The present work deals with a bibliographic, documentary, explanatory and qualitative research. In this context, there are potential problems between national States, Regions and people for claims incompatible with the reality referred to by the speech. Not always that a speech may be appropriate to existing institutes, it is being a true / ethical discourse. The search here would therefore be by the criterion by which a discourse is ethical.

Keywords: Procedures. Referential. Reality. Distortion. Ethics.

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INGRID XENOFONTE RIBEIRO

Dissertação apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Filosofia Ética e Política.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________ Prof. Dr. Bruno Rafaelo Lopes Vaz

_____________________________________________________ Prof. Dr. Cristina Foroni Consani

_____________________________________________________ Prof. Dr. Edrisi de Araújo Fernandes

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AGRADECIMENTOS

Grata à banca por reconhecerem, mediante ação administrativa, o cumprimento do meu projeto que fora selecionado pela UFRN para ser executado por mim como estabelecido em nosso contrato bem pré-definido; à CAPES pois o presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior - CAPES - Código de financiamento 001; e às orientações enfim recebidas à dissertação durante a defesa e na ata desta que me permitiram saber como ajustar o texto.

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SUMÁRIO

Introdução...8

1. A Ética do Discurso e A Questão da Verdade...11

1.1. Reconhecendo os Pressupostos...16

1.2. Da Admissão de Pretensões...21

1.2.1. Paralelismo Entre Epistemologia e Ética...30

1.2.2. Da Transferência do Plano Lógico para o Plano Psicológico...33

1.2.3. Da Transferência do Plano Epistemico para o Plano Linguístico...34

2. Fundamentação da Ética do Discurso...48

2.1. Ética Contemporânea do Discurso...49

2.2. Uma Possibilidade do Cognitivismo na Ética...52

2.3. Sobre a Democratização do Discurso Político...56

3. Nacionalismo Cosmopolita e Direito Comparado...64

3.1. Questões Epistemológicas de Base...65

3.2. Apresentação e Defesa do Método Comparativo ...74

3.3. Análises Horizontal e Vertical, Micro e Macro...74

3.4. Comparação para Ressignificação de Princípios...77

4. Democracia Constitucional Como União de Princípios Divergentes...82

4.1. União Paradoxal de Princípios Divergentes em Habermas...82

5. Reconhecimento Intersubjetivo da Cidadania...90

5.1. Estado Democrático de Direito em Hegel e Habermas...90

6. Democracia Constitucional e as Limitações da Tecnocracia...100

6.1. Limitações da Tecnocracia na Política...100

Considerações Finais...112

Apêndice: Uma Breve Apresentação do Método...116

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INTRODUÇÃO

Este trabalho de caráter dissertativo segue um devido retrospecto que reúne, analisa e interpreta informações de um tema único delimitado para reunir informações sobre este tema- método analítico qualitativo de defesa teórica e prática do método habermasiano tendo como base principal a obra a Ética do Discurso e A Questão da Verdade, com menção a outras que corroboraram para este intuito. Demonstra-se aqui que Habermas tem o propósito de apontar um fundamento transcendental em relação aos contextos socioculturais a fim de atingir as condições éticas para uma participação política igualitária. O a priori da ética do discurso permite aferir se procedimentos são corretos ou incorretos, assim, solucionar disputas entre diversos grupos.

Trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico, documental, explicativo e qualitativo. É de cunho bibliográfico, pois, tem o objetivo de reunir as informações e dados que servirão de base para a construção da investigação proposta pela temática do trabalho. Com a escolha do tema específico para ser abordado, a pesquisa bibliográfica se limita ao assunto que essa pesquisa irá abordar no decorrer do trabalho, servindo como modo de aprofundamento na questão problema (Através de que princípios, método e finalidade poder-se-ia redemocratizar as políticas sociais?). O método filosófico da pragmática de Habermas é o apontado no apêndice.

Na busca pela fundamentação, essa pesquisa utilizou o método pragmático de Habermas - vide apêndice - para coletar, tratar e interpretar dados do interesse específico dessa pesquisa, buscando despertar no leitor o interesse pela temática abordada. Esses métodos incluem a observação de fenômenos sociais como a globalização, entrevista a Habermas feita por Bárbara Freitag, registro de observação de atividade, como o mencionado monólogo coletivo que ocorre entre indivíduos antes de seu desenvolvimento lógico e, continua na ausência da ética discussiva.

Intermediária entre a concepção platônica de que a falta de ética seria ocasionada pela falta de conhecimento do bem, e, a concepção aristotélica de que a ausência da ética ocorreria mesmo de posse do conhecimento do princípio ético do justo meio - alvo igualmente distante da carência ou do excesso de uma virtude. A concepção habermasiana, por um lado, ao dar a conhecer as regras da ética do discurso, dá a entender, em parte, originar-se da primeira ideia, mas, por outro lado vincula-se mais à segunda ideia ao estabelecer que para alcançar a ética no discurso é preciso visar as condições ideais de fala, de zero coerção, a fim

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de que visando o ideal se aproxime deste. Opta, porém, pelo debate quanto a questões e autores atuais sendo seu foco sua proposta ética.

Apresenta assim a coerção neoliberal para a globalização, ampliação das relações de troca, comunicação e trânsito para além das fronteiras nacionais, como um obstáculo a uma tematização apropriada dos discursos totalizantes. Entretanto, Habermas mostra que, mesmo em meio à globalização, o conteúdo da constituição não competirá com a soberania do povo se provier de um processo inclusivo de formação da vontade por parte dos cidadãos. Sob estas circunstâncias, o Estado de Direito permaneceria ileso por obter reconhecimento de um ethos democrático que estaria em constante formação.

Ainda conforme Habermas, os procedimentos e padrões de argumentação cognitiva podem orientar o curso intrínseco dos próprios discursos, mas, nem sempre que um discurso pode ser adequado a institutos vigentes está sendo um discurso ético, e, este tópico também será bastante desenvolvido durante a dissertação. A sub-representação política ilustrará aqui o caso em que institutos existentes não correspondem ao discurso ético. Esta desigualdade, por sua vez, ocasiona sempre grande déficit de reconhecimento político já mencionado por Hegel, interpretado por Habermas, e relatado por Honneth em Luta por Reconhecimento que enfatiza que o conhecimento deve seguir o princípio moderno da justificação como se apresentará adiante.

Contudo, a ética do discurso só se efetiva para a situação de máxima igualdade discursiva possível, como se demonstrará, pela disposição para coadunação dos intuitos e institutos. Um caso específico se mostra pela tecnocracia que, como nota Habermas, surge no cenário atual como urgente de tematização. O decisionismo dos atos de vontade de especialistas se insurgem contra a pragmática da comunicação recíproca. No decisionismo, os argumentos são meros efeitos colaterais das decisões já tomadas, enquanto, na pragmática habermasiana os argumentos levariam à decisão por implicação factual e lógica de decisões por dedução a partir dos fatos contra os quais não haveria argumentos.

Para contemplar esta discussão utiliza-se produções de autores como Habermas, Moreira e Gisele Citadino que defendem a soberania popular como garantidora da pragmática política. Alexy e Botelho divergem destes, por sua vez, defendendo, em contraponto, uma posição de ativismo judicial. Carlos Augusto Ali Amim aponta o risco sempre presente nos tribunais de confundir a deontologia das normas com a teleologia dos valores como será abordado no último artigo/secção da presente dissertação, como se verá.

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1. A ÉTICA DO DISCURSO E A QUESTÃO DA VERDADE

Qual a ligação entre a subjetividade e a intersubjetividade em uma ética das ciências filosóficas práticas? Pretende-se notar se o paradigma da intersubjetividade, da perspectiva individual, já supõe a subjetividade, perspectiva discursiva, uma vez que a relação equilibrada entre dois sujeitos já considera duas subjetividades. Por este motivo a ética deve requerer sempre o descentramento em relação ao ego. A importância desta atitude ética para o cognitivismo é: “o discurso filosófico científico não deve ser mero endossador de conclusões prévias ao processo investigativo,”1 (HABERMAS, 2016, p. 4) ou seja, devem necessariamente provir deste processo para se chegar a considerações a respeito de certas observações tendo como base, determinados enunciados de que posteriormente tirarmos determinadas conclusões. Isso posto sob o risco de o discurso não ter motivo para ocorrer.

Em A Ética da Discussão e A Questão da Verdade, de Jürgen Habermas, há o questionamento quanto a um fundamento transcendental – base última de princípio epistêmico - e ao caráter individual da decisão de colaboração no discurso prático – disposição para chegar a conclusões verdadeiras pelo discurso ético. Neste debate recorre-se a autores diversos com o propósito de chegar a um denominador ético epistêmico em comum (HABERMAS, 2016, p. 4).

Inicia-se pelas perguntas feitas por Alain Renaut a Habermas, em conferência, quanto ao princípio transcendental do discurso. “(...) se temos a intenção de que o nosso projeto ético ou moral em geral (ou seja, a intencionalidade da ética) seja baseado na razoabilidade, será possível prescindirmos da referência a um horizonte de autonomia da subjetividade (...) paradigma da consciência?” (HABERMAS, 2016, p. 5) Discorre-se aqui dentre outras coisas sobre a resposta a essa pergunta do debate em Paris IV (Sorbone), 1º. De fevereiro de 2001 com comentários sobre Verdade e Justificação.

As respostas de Habermas levam, aqui, a vincular esta análise à gênese do Eu – surgimento da subjetividade - através de Barbara Freitag, em Dialogando com Jürgen Habermas – que retomam um estudo de Piaget e Kolberg na forma do desenvolvimento posterior por Habermas, e, o de Kierkegaard, em “O Desespero Humano”, em que define o Eu

como síntese entre liberdade e necessidade. Percebe-se aqui, que

1“o discurso filosófico científico não deve ser mero endossador de conclusões prévias ao processo

investigativo,”1 (HABERMAS, 2016, p. 4) sob o risco de o discurso não ter motivo para ocorrer. Para os

propósitos da discussão, isto nada mais é do que um pressuposto uma vez que se utiliza aqui uma linguagem natural de comunicação formal recíproca. Tendo em vista que se autodemonstra a cada momento em que um discurso é enunciado ainda que para negar tal fundamento a que, ainda assim, se refere pela linguagem(razão) referencialmente(tendo um objeto), seja admitido ou não.

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Kierkegaard2(KIERKEGAARD, 1988, p. 1) enfatiza a subjetividade individual sem desconsiderar a vinculação de sua liberdade à necessidade imposta pela participação em uma sociedade. Constata-se aqui que essa subjetividade em meio a uma sociedade de massas leva à redução do indivíduo à coletividade - massificação - induzindo o senso comum ao equívoco de confundir o princípio transcendental do discurso com a unificação dos discursos que assumiriam universalidade.

A fim de esclarecer esta questão, Alain Boyer questiona Habermas: qual a diferença entre os racionalistas quanto ao princípio transcendental do discurso? A resposta passa pelos conceitos de falibilidade – que busca identificar e amenizar as falhas do conhecimento da verdade - e cognitivismo nas ciências morais – que considera as ciências morais como passíveis de serem verdadeiras e não apenas correspondentes a uma convenção- Habermas menciona Karl Popper e Karl Otto Apel como representantes destas perspectivas, respectivamente. Boaventura de Sousa Santos, por sua vez, permite uma associação da ética do discurso – condição discursiva para entendimento mútuo - à ecologia dos saberes – ideia de coadunar diferentes saberes para chegar a uma mesma verdade.

A ecologia dos saberes é um conjunto de epistemologias que partem da possibilidade da diversidade e da globalização contra-hegemônica e pretendem contribuir para as credibilizar e fortalecer. Assentam em dois pressupostos: 1) não há epistemologias neutras e as que clama sê-lo são as menos neutras; 2) a reflexão epistemológica deve incidir não nos conhecimentos em abstracto, mas nas práticas de conhecimento e seus impactos noutras práticas sociais. Quando falo de ecologia de saberes, entenda-o como ecologia de prática de saberes. (...) O contexto cultural em que se situa a ecologia de saberes é ambíguo. Por um lado, o reconhecimento da diversidade sócio-cultural do mundo favorece o reconhecimento da diversidade epistemológica de saberes do mundo. Por outro lado, se todas as epistemologias partilham as premissas culturais do seu tempo, talvez uma das mais consolidadas no nosso tempo seja a crença da ciência como única forma de conhecimento válido e rigoroso. (SANTOS, 2006, P. 25 - 27 )

Parte-se, então, da pretensão de que o conhecimento buscado seja o da verdade; que o conhecimento da verdade seja correspondencial (dotada de um significante e um significado) a uma realidade externa à mente dos sujeitos que conhecem; que por mais aproximada que seja o objeto do conhecimento e que se considere possíveis falhas em contemplá-lo há um aspecto subjetivo em comum entre os sujeitos de epistême e interlocução

2 Habermas retoma Kierkegaard em O Futuro da Natureza Humana, no qual já vem implícita a

necessidade de a filosofia tomar posição moderada de equilíbrio entre os princípios: subjetividade e intersubjetividade. Aqui, por sua vez, parte-se da obra O Desespero Humano, para fazer tal inferência nesta via de inquérito.

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no processo investigativo que persiste e guia a convergência das teorias a um objeto em comum tornando-as partilháveis discursivamente.

“Todas as éticas cognitivistas retomam a intuição” que Kant exprimiu no imperativo categórico, sendo assim, um dos principais elementos da filosofia de Immanuel Kant. Sua ética e moral têm como base esse preceito. Para o filósofo alemão, imperativo categórico é uma forma a priori, pura, independente do útil ou prejudicial. É uma escolha voluntária racional, por finalidade e não causalidade. Superam-se os interesses e impõe-se o ser moral, o dever. O dever é o princípio supremo de toda a moralidade (moral deontológica). É o dever de toda pessoa de agir conforme os princípios que ela quer que todos os seres humanos sigam, que ela quer que seja uma lei da natureza humana. “(...) Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal (...)” (REESE-SCHÄFER, 2009, p. 69). Alain Renaut questiona Habermas se é possível abolir toda referência ao paradigma kantiano da subjetividade, mesmo no contexto de uma filosofia da comunicação baseada no viés linguístico.

(...) se temos a intenção de que o nosso projeto ético ou moral em geral (ou seja, a intencionalidade da ética) seja baseado na responsabilidade, será possível prescindirmos da referência a um horizonte de autonomia da subjetividade, na ausência do qual seria difícil entender como a consciência prática poderia se sentir responsável por suas ações? O senhor não concordaria que a pretensão de termos a responsabilidade como fonte de nossas opções e ações exige uma referência ao paradigma da consciência? (HABERMAS, 2016, p. 4 - 5)

Como resposta Habermas mostra que a fim de encontrar verdades práticas adotam-se procedimentos de argumentação que nos levam a assumir o ponto de vista do outro e ocasionam, assim, uma implementação do imperativo categórico. O “levar a assumir a perspectiva do outro” já refere à relação epistêmica e prática do sujeito consigo mesmo, enquanto condição necessária para a responsabilidade social. No contexto da conferência em que a pergunta foi feita e respondida (debate em Paris IV - Sorbone, em 1º de fevereiro de 2001) a ênfase da resposta é a de que uma interpretação intersubjetivista do Imperativo categórico por Habermas seria nada mais do que a explicação do seu significado fundamental e não uma interpretação que daria a esse significado outro sentido.

Conforme A Ética do Discurso e A Questão da Verdade (HABERMAS, 2016, p. 3 - 8) já em Consciência Moral e Agir Comunicativo em Habermas (foi inicialmente publicada em alemão em 1983, ou seja, no mesmo ano em que foi publicado o Discurso Filosófico da Modernidade (1983), dois anos após a publicação da obra referencial Teoria da Ação

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Comunicava (1981) e pouco antes da publicação dos Estudos Preliminares e Complementares à Teoria da Ação Comunicativa (1984)) aponta para a necessidade de reformulação da condição do imperativo (HABERMAS, 1989, p. 88 - 89).

Esse entendimento das diferentes ênfases de abordagens permite vinculá-las, entre si, ampliando a compreensão que aqui busca-se ter delas e, inclusive, ligando alguns de seus trechos explanatórios. Retome-se, neste intuito, o sentido proposto:

(...) ao invés de prescrever a todos os demais como válida uma máxima que eu quero que seja uma lei universal, tenho que apresentar minha máxima a todos os demais para o exame discursivo de sua pretensão de universalidade. A ênfase move-se daquilo que cada indivíduo pode querer sem contradição com a lei universal para aquilo que todos querem de comum acordo reconhecer como lei universal. Assim, uma ética do discurso deve supor que as pressuposições de validade normativas tenham um sentido cognitivo e possam ser tratadas como pretensões de verdade; que a fundamentação de normas e prescrições tenha efetuação de um discurso real e não seja monológico, sob individual argumentação hipotética (HABERMAS, 1989, p. 88).

Assim, não seria algo próprio da razão individual, mas da razão discursiva dos envolvidos, a mudança para uma reflexão monológica, segundo Habermas, que ocorreu com uma mudança de consciência histórica na virada do século XVIII para o XIX. Portanto, nas duas obras referidas, ele não altera o imperativo, em si mesmo, mas, impede uma interpretação que não tenha sua base de validade no discurso. Uma vez que “De acordo com a ética do discurso, uma norma só deve pretender validez quando todos os que possam ser concernidos por ela cheguem (ou possam chegar), enquanto participantes de um discurso prático, a um acordo quanto à validez dessa norma (REESE- SCHÄFER, 2009, p. 77)

Essa dimensão do pluralismo epistêmico é típica da percepção contemporânea de que a história e a cultura são geradoras de formas simbólicas. Esta expressão, forma simbólica, refere-se a uma teoria de Ernest Cassirer (CASSIRER, 2012)3 em que compreende cada forma simbólica com um paradigma que só pode ser entendido por sua própria proposta e não com base em outra forma simbólica - no que concerne às formas simbólicas da linguagem, arte, história, ciência e religiões.

Tal pluralismo epistemológico teria abrangido a concepção existencial de que cada indivíduo transita entre estas diferentes formas a seu modo, em sentido moral, mas, de seu modo coletivo, no que diz respeito a assuntos de responsabilidade pública. Essa ideia

3Como nota explicativa do texto mencionado enfatiza-se a importância só reconhecimento das diferentes formas

simbólicas de expressão antropológica para a não redução de uma forma a outra que impossibilite a ética discursiva. Disponível em:, https://pt.scribd.com/document/CASSIRER-Ernest-Ensaio-Sobre-o-Homem>. Acesso em 17 de abril de 2016.

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corrobora com a virtude cognitiva da empatia – capacidade demonstrada de adotar o ponto de vista dos outros - quanto a diferenças recíprocas na percepção de uma mesma situação. Isto seria pensar como cada um dos outros participantes, a partir de seus diferentes pontos de vista, tornando universalizáveis temas de importância coletiva.

Ao “adotar o ponto de vista uns dos outros”, o “estudo epistemológico” de Piaget (1974) mostrara a progressiva descentralização em relação a uma concepção egocêntrica e etnocêntrica de mundo e de si, sendo verdadeiramente que, Piaget mostra como a interação que se estabelece vai tornar possível o desenvolvimento de relações cooperativas no plano social, correspondendo às relações de coordenação de perspectivas do pensamento operatório no plano do desenvolvimento intelectual. Isso significa que, além de possibilitar o desenvolvimento afetivo e social, as interações intersubjetivas constituem um fator fundamental para o seu desenvolvimento cognitivo sobretudo para a superação dos monólogos coletivos em que os falante se encontram (PIAGET, 1974 Apud ARRUDA, ).

Retomando a pergunta do professor Renault, Habermas concorda que a autoconsciência de uma subjetividade integral seria proveniente da complementariedade de subjetividade e intersubjetividade. Resta a questão: se da relação entre estes dois aspectos haveria um elemento que constituiria a ambos reciprocamente. A noção que aqui se propõe é a de objetividade, na medida em que, por meio desta, diferenciando-se dos objetos que conhece, surge a subjetividade, e, por referência dos sujeitos a objetos em comum, a intersubjetividade.

Há motivo para defender que essa inferência possa ser feita a partir da resposta de Habermas: de que a subjetividade seria uma realização das relações epistêmicas e práticas. A consequência de que os sujeitos se individualizam pela socialização (FREITAG, 2005, p. 116 - 117), o que mostra que ocorre por uma distinção salutar de si em relação aos demais. Esse discernimento não só não atrapalharia a socialização como lhe possibilitaria, na medida em que, não havendo ameaça para a constituição do eu, a interação ocorreria de modo equilibrado. Basta que haja bem delimitado o limiar entre a singularidade que é individual e a coletividade que é pública.

Se razões individuais são usadas para explicar institutos objetivos, contudo, o limiar é ameaçado. Neste sentido, Habermas explica a diferença ao mencionar Kant, que, diferencia entre liberdade subjetiva (mostra que a idéia de liberdade tem o mesmo significado de eticidade), que é orientando-se por máximas de prudência-individuais, e autonomia (o identifica como o único princípio da moralidade ), que é orientar-se por máximas coletivas - partilhadas. (HABERMAS, 2016, p. 12 - 13).

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A própria noção de autonomia pode ser explicitada pela estrutura intersujetivista. A natureza individual do questionamento moral prévia à ética do discurso pode impedir a realização da razão prática coletiva. De semelhante modo, alegações de atender à razão prática coletiva podem levar à supressão dos indivíduos. Daí a reviravolta linguístico- pragmática ter ênfase procedimental e a tematização do imperativo ser, como Habermas diz, de ordem prática.

A reviravolta lingüística do pensamento filosófico do século XX se centraliza, então, na tese fundamental de que é impossível filosofar sobre algo sem filosofar sobre a linguagem, uma vez que esta é momento necessário constitutivo de todo e qualquer saber humano, de tal modo que a formulação de conhecimentos intersubjetivamente válidos exige reflexão sobre sua infra-estrutura lingüística (OLIVEIRA, 2001, p. 13).

Por isso, para ele, a proposta kantiana implica em uma concepção de intersubjetividade que parta do reconhecimento mútuo de subjetividades e, que portanto, não representa uma dissolução destas, mas, um equilíbrio. É no discurso prático que isto é verificado e reconhecido, daí o aspecto procedimental da razão prática. A descentralização em relação ao ego, como diferencia não apenas o sujeito do objeto, mas, as singularidades subjetivas entre si.

“As ciências sociais do século XX foram pouco compreensivas com o indivíduo. O marxismo declarou sua dissolução nas relações de trabalho coletivizadas” (FREITAG, 2005, p. 113). Já a ênfase de Habermas aos papeis sociais, mesmo considerando a alienação do trabalho, aponta para um aspecto do trabalho que não é redutível a este. A eticidade necessária para a integração política passa por assumir papeis sociais e desempenhá-los, tendo em vista os afetados pela ação. A qualificação a ser demonstrada no desempenho do papel social refere-se ao aspecto da norma social. A identidade do eu refere-se às representações intrapsíquicas.

O sistema de regras da teoria habermasiana do eu parte da determinação dos estágios da consciência moral postulados por Kohlberg. Conforme Bárbara Freitag, a competência moral seria determinada pela capacidade demonstrada de julgamento que identifique o intuito daquele que emite juízo, ou seja, acredita-se ainda que através de um processo maturacional e interativo, todos os seres humanos têm em seu potencial, aptidões de chegar à plena competência moral, medida pelo paradigma da moralidade autônoma, ou, como prefere Kohlberg, pela da moralidade pós-convencional.

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Para salvaguardar o “Eu” e o “Indivíduo” da supressão, seja, por interesses de grupos dogmáticos, seja pela uniformização das singularidades de modo a tolher a diversidade cultural, Habermas busca outras teorias com argumentos e o substrato empírico para sua preservação, a saber: na psicologia genética de Piaget e Kohlberg, no interacionismo simbólico de Mead, Blumer, Goffmann e na psicologia analítica de H. S. Sullivan e Erikson. Mostra seis pontos de convergência das três correntes teóricas mencionadas, que possibilitam o resgate do “Eu” no interior de contextos comunicativos claramente estruturados:

- a competência para agir e falar - maturidade do entendimento; - a reconstrução racional ordenadora - estágios de formação subjetiva; - a descontinuidade específica e autônoma – descontinuidade/liberdade; - autonomia crescente - formação das próprias habilidades;

- interiorização na formação do conhecimento - assimilação;

- identidade do “eu” - composição dos próprios significados a partir da cultura, proveniente da socialização e da individualização, caracteriza-se pela ressignificação individual de símbolos pela consciência do próprio “eu” (FREITAG, 2015, p. 125).

Ainda conforme Freitag, o processo mencionado de desenvolvimento psíquico se daria, para Piaget, ainda na infância e de modo paralelo ao desenvolvimento lógico. Para Kohlberg, esse processo só se completaria por volta dos trinta anos de idade, levando em conta que teve grupos de base em diferentes países, e parece ter abarcado resultado mais amplo. Já para Kierkegaard o eu não existe acabado com um desenvolvimento completo, e, enquanto síntese constantemente refeita de liberdade e necessidade não sabe o que esperar.

O desesperar do eu, no sentido de não saber o que esperar, leva a delinear o eu no tempo e, mostra a existência de uma consciência que surge a partir do eu. Esse desespero salutar não provém de fonte exterior, mas, é apenas interno, o de saber ter um “eu” a constituir, o “eu” que se quer ser, e o “eu” que não se quer ser (KIERKEGAARD, 1988, p. 195 - 236). O desespero causado por fonte externa é ignóbil, não tendo papel relevante para a formação do eu, e podendo lhe ser obstáculo. A exceção a isto apenas se faz pelo desafio imposto a si mesmo e já pressuposto discursivamente próprio às dificuldades intrínsecas a um comprometimento e não a coerções desnecessárias que possam ameacem a ética discursiva.

Essa concepção kierkegardiana do “eu” (KIERKEGAARD, 1988, p. 195 - 236), que só pode ser auto imposta, permite pensar uma ética que leve em conta o existencialismo para efeitos de discurso ético prático. Poder constituir a si mesmo possibilita a compreensão diferente que se deve ter de objetos, a que damos destinação, e sujeitos, os quais têm

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destinação própria, e, portanto, apenas em clara tematização de pretensões de validade chega-se a uma ética do discurso. A outra vantagem que esta noção confere é a de possibilitar que chega-se esteja em autoavaliação constante, posto ser o eu, constantemente desenvolvido por ações, por vezes, ações de fala, e que, apesar de haver um desenvolvimento lógico-psíquico prévio a sua aplicação às demais ações. Por este sentido é que se considera aqui que esta noção seja a mais consciente para o discurso. Isso porque na ética do discurso toda coerção deve ser eliminada como condição argumentativa4.

A ideia é mostrar que a ênfase habermasiana na intersubjetividade não subjuga a individualidade nem implica na interposição na singularidade de outros. Se assim fosse seria impedimento à mediação que o próprio eu precisa realizar: de si para consigo mesmo e de si para com a sociedade. Portanto, não há obstáculo real entre subjetividade singular e subjetividade social; o único obstáculo está em que, negando aos indivíduos sua singularidade própria, se lhes tolha o eu sem a motivação social coletiva de um motivo que seja concernente à coletividade. Esta intuição ética subjacente à pluralidade cultural e à ética do discurso é a que possibilita o não solapamento do indivíduo por uma teoria ética que fosse totalizante e imposta, mas, que permita singularidade e alteridade inefáveis e intransponíveis. Possibilita ainda, apesar das diferenças, a integração social por interesses comuns. Concordar em discordar também se faz urgente, posto que conseguir a concordância de todos quanto a algo nem sempre é possível.

Dada esta concepção, a ideia de que uma filosofia que tem uma ênfase na prática coletiva subjugue o aspecto da singularidade individual é desnecessária. A diversidade de autores aqui mencionada tem justamente o sentido de demonstrar que, embora estes possam ter uma ênfase objetivista, subjetivista ou intersubjetivista, não quer dizer que neguem de todo outras tendências nem que suas teorias não possam ter alguns elementos coadunados para buscar entender uma realidade que é integralmente coesa por suas partes. Na prática principalmente quando ações de fala assertivas são propostas como representativas, ou seja a intenção de afirmar algo existe a despeito da afirmação de mera descrição de uma teoria há a desconsideração da capacidade discursiva dos interlocutores.

Isso leva à segunda parte da pergunta de Alain Renault: “o reconhecimento do caráter decisivo de um argumento não pressupõe uma aprovação do ‘eu’? Acaso essa adesão

4 Emprego do argumento como forma lógica de argumentação é algo que pode ser descrito negativamente como

o que exclui todo subterfúgio: insinuação, chantagem, sedução, intimidação, apelo à autoridade e outros tipos de falácias. E a descrição destes subterfúgios aproximam-se ao que Searle chamou de atos de fala indiretos e, não estão na forma ética do discurso. SEARLE, John R. Expression and meaning. Cambridge: Cambridge University Press, 1979.

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não tem mais a ver com minha relação comigo mesmo do que com minha relação com os outros?”

O que pesa sobre as decisões dos participantes de um discurso prático é a força de obrigatoriedade daquela espécie de razões que, em tese, podem convencer a todos igualmente - não só as razões que refletem minhas preferências, ou as de qualquer outras pessoas mas as razões a luz das quais todos os participantes podem descobrir juntos, dado um assunto que precisa ser regulamentado, qual prática que pode atender igualmente os interesses de todos (HABERMAS, 2016, p. 14).

Como a referência sugere, há duas atitudes que Habermas considera como condições necessárias para manter tal consciência e prática comunicativa. A primeira é a necessidade de autoconsciência e capacidade de assumir posição refletida e deliberada quanto às próprias crenças, desejos, valores, princípios e projetos de vida. A segunda é aceitar cooperar argumentativamente na busca de razões aceitáveis para os outros, deixando-se afetar e motivar em suas decisões afirmativas e negativas por estas razões quando não forem de foro íntimo (direitos individuais), mas, consistirem em questões públicas.

Enquanto na primeira atitude é clara a importância de demonstrar uma identidade existencial consciente e que tem seu lugar; na segunda, esta identidade, estando assegurada, livre de ameaças, é posta em outro plano, a fim de discorrer quanto a questões públicas. A diferença básica é que, para debater questões que afetam o todo, não apenas o indivíduo, é preciso priorizar a argumentação, ou seja, a apresentação lógica de razões que possam atingir o maior proveito para o todo envolvido. Manter essa atitude de equilíbrio entre razões individuais e razões públicas conserva o vínculo social, mesmo quando os participantes do discurso se dividem na competição da busca pelo melhor argumento com relação a uma questão concernente à coletividade (HABERMAS, 2016, p. 16).

A pergunta de Alain Boyer complementa a explicação de Habermas sobre o fundamento do discurso quanto a se haveria uma divergência entre os racionalistas. Diante disso, Boyer pergunta-lhe onde situa-se (HABERMAS, 2016, p. 16):

Em ‘Mit Habermas gengen Habermas deken’, Karl-Otto Apel afirma que, na medida em que o senhor não aceita o assim chamado ‘fundamento transcendental’ por ele proposto, está comprometido na verdade com uma forma de falibilismo semelhante à defendida pelos racionalistas críticos, ou seja, os popperianos. De modo mais geral, e deixando de lado as possíveis divergências políticas, quais são, na sua opinião, as principais diferenças filosóficas entre o debate crítico no sentido popperiano e sua própria concepção daquilo que está em jogo na ‘ética da discursão? (HABERMAS, 2016, p. 16).

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Ele aponta ainda que, conforme Popper, a opção pela racionalidade é moral, surge da recusa da violência, aceitação do questionamento recíproco das opiniões, todas estas passíveis de falibilidade. Bartley, discípulo de Popper, por outro lado, sugere um racionalismo crítico abrangente, associado ao que Habermas chamou de “ecologia da racionalidade”. Neste mesmo sentido, Santos questiona a oposição de ignorância e saber como legitimador de exclusões culturais sobrepostas a formas de exploração, dominação e exclusão social e política. Isso se nota na linguagem tecnicista e na dependência desta quanto a processos judiciais que embora passem por provas objetivas não as considere nas decisões. O saber tecnocrata, assim, não valida a justificação como única base de validade posto haver uma realidade para além das decisões oficiais. Eis um caso de violência do discurso, havendo, também a violência do não discurso, da não justificação (ROBINET, 2004, p. 279) e ainda, a violência da justificação posterior a decisões que estas deveriam considerar.

Quanto à recusa da violência mencionada por Popper como moralidade racional, há que se notar a relação com a atitude epistêmica de Santos, e ainda de Robinet/ Weil, quando dizem que o outro da verdade é a violência, a “recusa da verdade, do sentido, da coerência”. Neste último sentido, o de verdade, a proposta de Robinet/ Weil se assemelha mais à de Habermas como cognitivista quanto a questões deônticas. Assim mostra a seguinte citação:

A forma mais espetacular da violência, o enfrentamento que leva os homens a combates sangrentos, não é talvez a forma mais compreensiva e mais profunda. De modo mais geral, Eric Weil inscreve na atitude da violência todo homem que não procura justificar sua vida e seu falar diante do tribunal da razão, e que se contenta com a expressão imediata de seu sentimento ou com a afirmação racional de seu dogmatismo (ROBINET, 2004, p. 279).

A ligação entre epistemologia e deontologia na compreensão da realidade permite evitar a fragmentação da realidade e o tolhimento do entendimento desta, a fim de impedir a violência contra o pensamento. Seja pela crença, técnica, ou vontade pode-se deter um “conhecimento” de modo que este seja imposto aos demais. Segundo Foucault, em entrevista a Rabinow, a “vontade de saber” na nossa cultura é não apenas parte do problema, mas parte da solução. Ele se recusa a separar saber de poder. Assim é possível dizer a partir de que ponto um discurso particular emerge de uma técnica e passa a ser visto como verdadeiro (RABINOW, 1999, p. 31). A análise do discurso exige que se tire deste as redes de poder que o prendem a uma autoridade técnica e/ou de quaisquer outras vertentes que não permitam associar fatos e práticas em uma análise direta do discurso. O contrário disso ocorre, segundo Foucault, em polêmicas, como diz em entrevista a Rabinow:

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O polemista procede baseado nos privilégios que tem de antemão e que nunca vai questionar. Ele possui, por princípio, direitos que o autorizam a guerrear e que fazem dessa luta um empreendimento justo; quem está diante dele não é um parceiro na procura da verdade, mas um adversário, um inimigo errado e nocivo cuja mera existência constitui ameaça. Para ele, então, o jogo não consiste em reconhecê-lo como um sujeito com direito a falar, mas, sim em aboli-lo como interlocutor de qualquer diálogo possível; seu objetivo final não será chegar o mais próximo possível de uma verdade difícil, mas sim obter o triunfo da causa justa que ele manifestamente sustenta desde o princípio. O polemista assume uma legitimidade que por definição é negada a seu adversário. Algum dia, quem sabe, uma longa história da polêmica será escrita; da polêmica como figura parasitária na discussão e obstáculo na procura da verdade (...) Evidentemente, a reativação dessas práticas políticas judiciárias e religiosas na polêmica não passa de teatro. Gesticula-se: anátemas, excomunhões, condenações, batalhas, vitórias e derrotas nada mais são que maneiras de dizer. Mas são também, na ordem do discurso, maneiras de agir, que têm suas consequências. Há efeitos esterilizantes: alguém já viu uma ideia nova surgir em uma polêmica? Não poderia ser diferente, já que os interlocutores não são incitados a avançar, a se arriscar no que dizem, mas a encerrar-se continuamente na afirmação de inocência” (RABINOW, 1999, p. 18 - 19).

O método de análise do processo das ciências do homem e sua teoria do discurso, como observado, foram apresentados por Foucault em “A Arqueologia do Saber”. A grande função desse método é evidentemente tentar compreender as condições históricas e sociais que possibilitaram a entrada de diversos acontecimentos discursivos. Conforme ainda, Foucault manifesta que, “gostaria de mostrar, por meio de exemplos precisos, que, analisando os próprios discursos, vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da prática discursiva” (FOCAULT, 1986, p. 56). Para isso, talvez buscando uma perspectiva entre os níveis da estrutura e o do acontecimento, Foucault parte da análise das relações que se estabeleceram do menor e mais simples grau para o mais amplo e complexo, isto é, ele projeta um ciclo esquemático entre o enunciado (partícula mínima) e a formação discursiva (complexo).

1.2. Da Admissão de Pretensões

Por este risco à possibilidade se atingir a verdade pode-se ver que a ideia de valores transcendentais do discurso precisa ser considerada como não inteiramente sujeita a condições locais e históricas. A ética do discurso é definida por Apel como a priori que não se pode evitar no discurso por estar pressuposto enquanto se discursa. A validade intersubjetiva, ou seja, a intenção de compartilhar significados, é sempre pretendida no

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discurso e a ética da argumentação que inicia por admitir esta pretensão mencionando-a não para demonstrá-la mas como condição de possibilidade de discurso:

- pretensão de sentido - compartilhado com outros; - pretensão de sinceridade - representar uma ideia;

- pretensão de direito moral - correção em relação a convenção.

Não é por se tratar de argumentação que se deve desistir de toda pretensão à universalidade, ou seja, a um sentido partilhado (APEL, 1990, p. 1 - 8). Posto ser possível argumentar, como diz Habermas, sobre a relação entre fatos e validade (HABERMAS, 1986, p. 43-74), limitar-se a um destes reduz a realidade e a molda. O projeto moderno, como aponta Santos, desvincula, para efeitos de método, o pilar da regulação do pilar da emancipação. Compondo o primeiro está o Estado, ou a soberania indivisa do dever vertical entre os cidadãos, o mercado, do dever horizontal entre competidores, e, a comunidade, do dever horizontal solidário entre os componentes. O pilar da emancipação é formado pela racionalidade prática da ética e do direito, a racionalidade cognitiva e instrumental da ciência e técnica, e racionalidade expressiva das artes. O aspecto abstrato dos princípios de cada pilar teria, segundo Santos, levado à maximização de um em detrimento do outro e o da regulação sobrepujou o da emancipação.

Reinstituir a tensão entre emancipação e regulação é proposta de um procedimento que não se trata da negação da razão moderna, mas, de novas formas de pensar essa racionalidade e de conceber esses sentidos (SANTOS e CHAUÍ, 2013, pp. 25 - 28). Parte dos princípios de igualdade e do reconhecimento das diferenças sintetizado no aforismo “Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza” (SANTOS e CHAUÍ, 2013, p. 30). Faz referência, portanto, a um “universalismo” concreto de diálogos interculturais. Por isso a ecologia dos saberes procura conferir consistência epistemológica ao saber crítico. Parte-se do reconhecimento da pluralidade de saberes heterogêneos, da autonomia de cada um destes e da articulação dinâmica e paralela de cada um dos saberes.

Que fundamento poderia unir as diferentes culturas de saberes por lhes ser transcendental? Essa é a direção da pergunta feita por Alain Boyer quanto à obra Com

Habermas e Contra Habermas sobre a divergência em relação a Apel, no que diz respeito ao

fundamento transcendental da racionalidade por ele proposto:

(...) Em 1944, Popper disse que a opção pela racionalidade não pode ser considerada uma opção racional, mas, em última análise, uma opção moral (recusa da violência, aceitação de que os outros são críticos em potencial de minhas opiniões falíveis (...)

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Qual é a sua opinião a respeito desse debate? Resposta: O que está em questão nesse caso não é o falibilismo. Peirce, a quem sigo nesse campo, associa uma concepção falibilista do conhecimento a uma posição anticética. A divergência em questão se caracteriza pela diferença entre uma noção mais forte e uma noção mais fraca de racionalidade. Enquanto eu defendo uma noção abrangente da racionalidade comunicativa, associada a um modelo holístico da justificação (cf. Verité et

justification, pp. 43-74), Popper prefere a versão weberiana de uma racionalidade

finalista ou instrumental e se atém a um modelo dedutivo da justificação. Disso decorre duas implicações que gostaria de mencionar. A primeira implicação, e a mais evidente, diz respeito à filosofia prática. No que tange às questões morais, Popper é um não-cognitivista. Equipara os juízos morais às avaliações e defende para ambos uma explicação decisionista ou voluntarista: nossas orientações ou atitudes axiológicas dependem dos padrões que decidimos adotar. Popper não admite a existência de nenhum procedimento ou princípio, como o da universalização, que permita a adoção de critérios de valores motivados pela racionalidade (...) (HABERMAS, 2016, p. 19).

A posição anticética de Pierce a que Habermas segue, admite a existência de um procedimento de abrangência dos valores racionais. A teoria da ação comunicativa é uma tentativa de provar a plausibilidade da ideia de que uma pessoa que se socializou numa determinada língua e numa determinada forma de vida cultural não pode senão admitir partir de certas práticas comunicativas, ascendendo assim tacitamente a certos pressupostos pragmáticos presumivelmente gerais. As linguagens naturais trazem em si mecanismos próprios de operação racional lógica que não podem ser negados sem que, com isso, se inviabilize o entendimento mútuo. À reconstrução do conteúdo intuitivo desses pressupostos inevitáveis da ação comunicativa cabe revelar a rede de idealizações performativas na qual os sujeitos que falam e interagem acham-se envolvidos sem dela poder sair, na mesma medida em que participam das práticas culturais em questão.

As pretensões de validade das ações são problematizadas e avaliadas em seus fundamentos a fim de chegar a um consenso entre os usuários da linguagem. Portanto, no discurso, os falantes competentes se reúnem de modo a formar uma espécie de “corte de apelação”, na qual se discute e se decide a fundamentação das pretensões de validade pressupostas na interação. A verdade de qualquer asserção supõe um acordo consensual, real ou virtual, o que só é atestado em uma situação de discurso, mas, este consenso parece ser possibilitado apenas pela permanência e objetividade dos fatos.

Em A Ética da Discussão e A Questão da Verdade, e em Verdade e Justificação, Habermas assegura que o conceito de conhecimento não pode ser dissociável do conceito de verdade como correspondência. Isto ocorre porque a linguagem e a realidade interagem de modo indissociável, de forma que, a verdade de uma sentença só pode ser justificada com a ajuda de outras sentenças já tidas como verdadeiras. Se concebêssemos, contudo, a verdade

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como uma possibilidade justificada de afirmação, desconsideraríamos o aspecto mais característico daquilo a que nos referimos por verdade, a transcendência de qualquer contexto dado de justificação (COSTA, 2002, p. 51 - 56).

A proposta aqui é a de que a verdade é uma propriedade que as proposições não podem deixar de supor – uma vez que uma proposição, seja na forma de interpretação, seja na de doxa declarada, traz em si a pretensão de verdade. Mas, no nível do discurso racional, o modo performativo caracterizado por uma suposição incondicional de verdade é posto em suspenso e transformado na peculiar ambivalência dos participantes de um discurso. Assume-se, assim, uma atitude hipotética e falibilista em relação a alegações que, na medida em que são problemáticas, precisam ser justificadas, mas que, por outro lado, na medida em que pretendem uma validade incondicional, apontam para além do contexto dado de justificação. A referência transcendente a algo situado no mundo objetivo lembra os participantes de que este conhecimento parte dos agentes.

A ligação entre verdade e justificação é revelada pela função pragmática de conhecimento, que oscila entre as práticas cotidianas e os discursos, conforme A Ética da

Discussão e A Questão da Verdade (HABERMAS, 2004). Voltemos à fundamentação das

pretensões de validade, no discurso, o que leva à questão: O que possibilita que o discurso seja suficiente para decidir a autenticidade das pretensões de validade apresentadas? (o que garante que o consenso obtido no discurso é correto, verdadeiro?). A resposta de Habermas é a necessidade estrutural do agir comunicativo – na ética do discurso – a de que no discurso seja sempre suposta a situação ideal de fala, mesmo que, na prática só se atinja aproximações (RIBEIRO, 2013).

A situação ideal de fala é uma situação dialógica em que não existe coerção; caracteriza-se pela possibilidade simétrica de todos os participantes do discurso escolherem e exercerem atos de fala comunicativos, constatativos, regulativos e representativos5. Trata-se de uma situação na qual se faça valer a coação sem coerção do melhor argumento. É essa

5 Atos de fala comunicativos: sentido dos proferimentos como proferimentos linguísticos de maneira que a

comunicação se realize conforme regras semânticas e sintáticas. Sua pretensão de validade é a inteligibilidade: deve-se falar de maneira inteligível, de modo que os interlocutores se entendam. Atos de fala constatativos: apresentam o sentido dos enunciados como enunciados das frases com sentido cognitivo. Neles há pretensão de verdade: deve-se pretender a verdade na asserção que pode ser verdadeira ou falsa. Atos de fala regulativos: apresentam o sentido do emprego prático das frases, a relação entre falante e ouvinte segundo as regras de interação. Neles há pretensão de correção: pretende-se correção em relação às normas sociais que justificam aquela ação. Atos de fala representativos: apresentam a maneira como o falante se apresenta diante do ouvinte, o sentido da manifestação de intenções, atitudes, expressões dos falantes/pretensão de veracidade: pretende-se sinceridade para um estado psíquico que se apresenta sendo este sincero ou não (COSTA, 2002, p. 51-56).

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situação ideal de fala que garante ao discurso seu papel legitimador das pretensões de validade (RIBEIRO, 2013).

Além da lógica intrínseca das linguagens naturais, há uma lógica da discussão racional. A legitimidade das pretensões de validade dos proferimentos constatativos (verdade) e regulativos (correção) se deixam resgatar no discurso. Isso não ocorre com outras pretensões de validade. A pretensão dos proferimentos comunicativos (inteligibilidade) não é validada discursivamente, pois já se encontra pressuposta em qualquer discurso. A pretensão dos atos representativos (veracidade) também não pode ser validada através do discurso porque os participantes podem não ser sinceros nem para com os outros nem para consigo mesmos quanto a esta. Esta pretensão só se deixa notar nas ações do falante, em que verificamos se há coerência entre fala e outras ações.

Como afirma a ecologia dos saberes, é necessária a sinceridade quanto a que conhecer é também ignorar. O conhecimento é sempre restrito a um recorte teórico de interesse e em consciência de que há muitos aspectos que se ignora ao selecionar alguma questão, alguns autores. A realizável utopia do interconhecimento é obter outros conhecimentos sem esquecer os próprios. Entre conhecer e ignorar está o risco de conhecer erradamente, que é o da seleção não assumida, que, quando vinda de autoridades, pode acabar formando uma resposta única e técnica. Há sempre o risco de uma tecnocracia que beira ao apelo da autoridade posto ser usual se esperar que o indivíduo ou grupo de indivíduos mais habilitados emitam o juízo final sobre uma questão, mesmo quando envolve outrem. Como ocorre quando se autoriza ou permite o desmatamento de extensas áreas de reserva florestal. “As crises e catástrofes que decorrem periodicamente de tais práticas são socialmente aceitas como custos sociais inevitáveis” (SANTOS & CHAUÍ, 2016, p. 34 - 35).

A diferenciação do objetivo real pelos efeitos em relação ao objetivo alegado é instrumental e a compreensão deste aspecto da ação permite esclarecer a razão. A ideia não é a de que não haja hierarquias, mas de que estas surjam dos resultados que se pretende atingir com uma dada prática de saber que lhe é anterior. Com isso volta-se à única coercibilidade aceitável do ponto de vista ético, a do melhor argumento – pelas regras do discurso – posto ser a busca pelo conhecimento e seu efeito prático superior à autoridade. Igualdade é condição

sine qua non para que toda e qualquer configuração discursiva coletiva tenha motivo de

ocorrer, posto que, se a verdade não é possibilitada por um procedimento ético, e prevalece o apelo à autoridade, toda organização discursiva seria mera representação teatral. Para um uso contra hegemônico do conhecimento deve haver a “compatibilidade entre valores cognitivos e

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valores ético - políticos, uma vez que o conhecimento não é simples representação do real, mas, uma forma de intervenção no mundo” (SANTOS & CHAUÍ, 2016, p. 36-37).

O princípio da precaução, conforme Boaventura de Sousa Santos “é um princípio moral e político que determina que se uma ação pode originar um dano irreversível público, na ausência de consenso cientifico irrefutável, o ônus da prova encontra-se do lado de quem pretende praticar o ato ou a ação que pode vir a causar o dano” (SANTOS,2016, p. 38), que parte da igualdade de circunstâncias, assemelha-se ao de não coerção, de Habermas, neste sentido, e também favorece a maior participação dos grupos afetados pela questão em debate. O princípio da precaução também assemelha-se ao da presunção de inocência, em que uma pessoa não é considerada culpada até que se prove o contrário. Mas, no caso da precaução, a ideia é que todos se considerem, em algum sentido, equivocados em potencial, até que se prove o contrário, pela argumentação sincera em busca da verdade. As imposições de uma perspectiva sobre outra partem, em geral de três causas:

- Apelo à autoridade, que é uma falácia que traz a reboque outras falácias (ex.: conclusão irrelevante e falsa causa);

- Desconsiderar margem de erro- não perceber a própria possibilidade de estar errado/enganado;

- Resignação, falta de utopia social que torne possível uma utopia política, conforme Merleau-Ponty: “O mal não é criado por nós nem pelos outros, nasce do tecido que fiamos entre nós e que nos sufoca. Que nova gente com paciência será capaz de refazê-lo verdadeiramente? A conclusão não é a revolta, é a virtù sem qualquer resignação” (MERLEAU-PONTY, 1991, p. 37).

Robinet nota que o tempo do pensamento filosófico segue as seguintes etapas de sintetização: Em um primeiro momento, a substância cultural é rejeitada em proveito do pensamento presente, que, então se apresenta como única instância de verdade. Ele ilustra esse pensamento com o dizer cartesiano de que uma pessoa que aprende o pensamento de outras pessoas, mas não é capaz de raciocinar por si mesma, não aprendeu ciência, mas, sim, história. Então, após o desenvolvimento de um modo próprio de pensar os problemas de seu tempo, há o reconhecimento da cultura notada na pluralidade irredutível das obras. Por fim, a cultura é vista como integrada ao devir do pensamento (A relação entre História e Cultura foi estabelecida teoricamente na obra de Hegel, quando afirmou que a razão humana se manifesta por meio das instituições religiosas, artísticas, científicas, sociais, políticas etc. Segundo ele, em cada tempo e lugar, essa razão se apresenta de uma forma específica, modificando-se em

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um processo contínuo, de acordo com as determinações do “espírito universal”), como concluiu Hegel, integrando as etapas anteriores (ROBINET, 2004).

Habermas emprega o termo “ético” não como de praxe para “teórico-moral”, mas no sentido de ethos, portanto, de ética, eticidade como em Hegel (REESE-SCHÄFER, 2009, p. 87). Como uma ética da episteme filosófica pode superar a oposição entre subjetividade e intersubjetividade? Parte-se da multiplicidade advinda de uma realidade num contexto de perda de significações.

Neste contexto o intuito de desconstrução perde sentido e o de resignificação ganha força de demanda na contemporaneidade. Desde a antiguidade, o que se fez ao longo da história do conhecimento, mesmo, e, principalmente, na sua crítica, foi a relação de ideias anteriores. Pensamentos da filosofia antiga foram retomados no Medievo. Este era, por sua vez, legou à modernidade a estrutura de organização acadêmica que continua até os dias atuais e a disputatio que influenciou a analítica contemporânea na forma lógica de diálogo ético em busca do melhor argumento. A analítica, por sua vez, com sua ênfase em questões, retoma a busca original da filosofia, discursiva e referencial de uma realidade em comum.

Lembrando a fase intuitiva ou simbólica, o indivíduo é seu próprio sistema de referência: pensa, sente e age a partir de si mesmo. Há, nesta fase, monólogos coletivos, que podem, parecer diálogos, a princípio, vistos a distância. O discurso é proferido sem buscar uma base comum de entendimento, sem a consciência de que o interlocutor também expressa uma fonte de significações que pode ser validada e coadunada. Esta fase de mera justaposição de discursos que não tinham objetivo comum, segundo Piaget, estaria circunscrita à infância dos dois aos sete anos. Pode-se inferir, contudo, que deliberadamente ou não, manter-se nesta atitude é o que leva à necessidade prática da ética do discurso para justificar que o discurso ocorra. Não se trata, portanto, de uma pretensão utópica em um sentido de impossibilidade, mas, tem a pretensão de dar condição de possibilidade às atividades discursivas.

Infere-se das considerações postas que, se o discurso é desempenhado apenas com pretensão de verdade pode estar sob falsa pretensão de verdade e ter intenção de confundir. Se, por outro lado, supõe apenas uma pretensão normativa, aliena da referência ao fato. Portanto, a concepção de que se deva contrapor as ciências teoréticas e as ciência práticas, nas primeiras tendo uma pretensão de validade apodíctica (universal e necessária), nas segundas de tipo dialético ou endoxal (do consenso sobre uma opinião compartilhada por todos, por muitos, pelos mais sábios, mas, sempre uma doxa e não uma episteme), confunde a busca por validade intersubjetiva dando margem ao relativismo. Em se tratando do pluralismo epistêmico, é preciso considerar que o objetivo é guiar a razão em direção a uma mesma

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realidade que se pretende entender. Portanto, faz confluir as mais diversas abordagens quando direcionadas ao mesmo propósito de entender uma realidade em questão.

Um perspectivismo relativista difere de um perspectivismo realista em que, enquanto o primeiro inviabiliza, o segundo possibilita a comunicação da episteme e da ética. Se há um alvo em comum, uma mesma realidade que se busca entender, é possível o discurso, mas, se contudo, isso não ocorre, seja por idiossincrasias, manipulação, ou mesmo por um diferente desenvolvimento lógico, há solipsismo na ação de fala. Em pequena escala isso leva a desentendimentos entre poucas instâncias, em maior escala, quando é disseminado por um grupo de maior influência, com ou sem razão nos fatos, se prolifera causando danos a outros num efeito dominó. Portanto, tanto a perda de visão de todo quanto a perda da percepção das partes de grupos sociais estaria ligada ao desmembramento entre episteme e ética – entre o que podemos saber, e, o que devemos fazer - mas, uma vez direcionados a um mesmo alvo funcionariam em conjunto no saber e fazer social. Numa aplicação ético - política diz Ester Kosovski:

Nós estamos na efervescência do presente momento como que num desejo de transformação, mudança que também se manifesta por rebelião às regras, normas, leis, através da recusa em segui-las, em atitudes de verdadeira desobediência civil (à feição de Henry Thoreau – Desobedecendo: a desobediência civil e outros escritos – Rocco - 1984), quando os juízes se negam ostensivamente a cumprir atos do executivo (no caso das liminares). Há também a resistência passiva em cumprir leis que levam à anomia – (no sentido de Durkheim e Merton), ausência de normas, diferente de anarquia, que é a ausência de autoridade e tende à entropia, ao caos (KOSOVSKI, 1995, p. 52).

Como nada pode surgir do caos discursivo, embora algo surja em meio ao caos, nenhuma ligação tendo com este, provindo de outra fonte, e, tampouco o caos possa gerar ordem alguma, sempre e reiteradamente, se buscou entender a intencionalidade do entendimento humano. Na filosofia prática o aspecto transcendental de um conhecimento que ultrapassasse barreiras temporais e espaciais deu lugar a uma análise dita contratualista. Contudo, na base mesma desta nova abordagem se encontram pressupostos discursivos que precisam, para Apel, ser considerados transcendentes pelo motivo prático da comunicação. E conforme pensa Habermas:

Todavia, nenhum dano sofreremos se negarmos à fundamentação pragmático-transcendental o caráter de fundamentação última. Ao contrário a ética do discurso vai inserir-se, então, no círculo da ciências reconstrutivas que tem a ver com os fundamentos racionais do conhecer do falar e do agir (...) mobilizada para a descrição de representações morais e jurídicas empiricamente constatadas (...) e assim torna-se acessível a um controle indireto (HABERMAS, 1984, p. 107).

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