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1. A Ética do Discurso e A Questão da Verdade

1.2. Da Admissão de Pretensões

1.2.1. Paralelismo Entre Epistemologia e Ética

Aqui se buscará compreender a realidade ético-epistêmica em vários de seus aspectos minimizando o risco de abdicar de algum aspecto que impossibilite de uma compreensão coesa de realidade. Além da proposta epistemológica de Siemens, apresentada adiante, que permite selecionar o pragmatismo como uma das principais vias de acesso à realidade fenomênica, se supera o paradigma da subjetividade através da intersubjetividade da comunicação. Habermas menciona o princípio transcendental pragmático, de uma fundamentação transcendental última, como o componente integrador entre linguagem/mundo e ações éticas, associando teoria do conhecimento a ética e política.

Apesar dos contornos contemporâneos, essa integração está desde sempre presente na filosofia em sua origem, na unidade metodológica e na própria consideração de seu objeto como um todo: a realidade. Tida como tarefa hercúlea a compreensão de tão amplo objeto, a necessidade funcional que leva a entender os fragmentos de realidade em seu todo é uma expectativa que só se pode ter em relação à filosofia. Ciências particulares atribuem-se fragmentos específicos que, conforme o Conectivismo de Siemens, que será apresentado no desenvolvimento, podem ser integrados.

A cisão arbitrária entre intuito e ação ocorre em interpretações equivocadas sobre o utilitarismo, em falácias e na desarticulação das formas de vida em relação a sua epistême, como se discorrerá através de Kant e Mill. Essas dificuldades tematizadas podem ser transpostas para verificar que todas têm por base a separação entre aspectos fundamentais da realidade, que, uma vez reintegrados e compreendidos, podem nos fazer lidar melhor com esta. Saber, por outro lado, da não objetividade na política, nos permite encarar e opor-se ao que apontou Schimitt ao paradigma amigo-inimigo. Neste, não haveria possibilidade de um discurso que levasse ao entendimento mútuo posto ser desconsiderada a dignidade argumentativa do opositor o que em uma democracia pode determinar um mal governo e consequências severas a uma esfera pública desarticulada pelo discurso de ódio.

Há que se considerar ainda a forma como se trata o conhecimento na contemporaneidade, que deve supor a conexão entre a ética do manejo de dados à ética social

subjacente entre a ética do discurso e a questão da verdade. Siemens, apresenta as seguintes tendências contemporâneas trazem um modo de integrar conteúdos diversos:

- permite mover-se por uma variedade de áreas diferentes;

- aproveita o aspecto informal de obtenção de informação em comunidades de prática, trabalho e redes pessoais;

- é adquirido ao longo de toda a vida, não estando restrita apenas ao trabalho; - a tecnologia reestrutura nossos cérebros, pois, notadamente, as ferramentas que usamos definem e moldam nosso modo de pensar;

- sendo necessário tanto às organizações, instituições quanto ao indivíduo, a gestão do conhecimento é enfatizada;

- o processamento das informações é posto sob serviço da tecnologia;

- saber onde encontrar o conhecimento de que se necessita de modo pragmático. Como se verá, não só a forma de lidar com o conhecimento, mas de defini-lo, repercute diretamente na ética, e isto pode ser demonstrado pela definição do autor quanto às correntes de pensamento:

- Objetivismo - equivale ao Behaviorismo - afirma que a realidade é externa e é objetiva, e o conhecimento é obtido através de experiências;

- Pragmatismo - equivale ao cognitivismo - afirma que a realidade é interpretada, e o conhecimento obtido através da experiência e do raciocínio;

- Interpretivismo - equivale ao construtivismo - afirma que a realidade é interna, e o conhecimento, construído. No primeiro, entender o comportamento observável é considerado mais significante que entender as atividades internas; baseia-se em estímulos e respostas. (SIEMENS, 2004, p. 2).

O cognitivismo/pragmatismo adota um modelo analógico ao do processamento computacional de entrada de dados como inputs guardados na memória de curto prazo. O construtivismo/interpretativismo assegura que a informação não chega a receptáculos vazios, estando os “receptores”, ativamente criando significados. A habilidade de conhecer é uma meta-habilidade que antecede a ação de conhecer. A parcimônia ao avaliar o que é importante a determinado saber é priorizar um recorte teórico dado o grande volume de informações disponível atualmente. Daí a importância de estar apto a sintetizar e reconhecer conexões e padrões como desafio epistêmico principal. Assim sendo os teóricos continuam a revisar e desenvolver as teorias na medida em que as circunstâncias se alteram tanto que uma nova abordagem é requerida para a elucidação (SIEMENS, 2004, p. 1 - 3).

A partir da pragmática de um meta-discurso racional que Apel considera transcendente e auto-referencial a filosofia, desenvolveria a meta-habilidade filosófica. Entretanto, Habermas considera uma via semelhante, mas, que tire a filosofia de seu lugar de vantagem em relação às outras ciências, ou seja, o meta-discurso seria desenvolvido em conjunto e paralelamente. Eis sua ideia pluralista entre diversos discursos teóricos que devem buscar compatibilidade entre si sem reivindicar qualquer sobreposição. Sabe-se que ambos elaboraram os princípios da ética do discurso cujo objetivo era o de uma nova formulação do projeto kantiano de estabelecer um fundamento objetivo das normas práticas de modo que o paradigma da subjetividade fosse “substituído” pelo da comunicação (HABERMAS, 2016, p. 21). O interessante para o que se intenta aqui é que esse “substituir” é, na verdade, suprasumir (Aufhebung), negar, conservar e elevar, mais do que mera negação.

A razão de se buscar conciliar as teorias do conhecimento é a de compreender a realidade em seus mais diversos aspectos, minimizando o risco de deixar algum aspecto escapar de uma compreensão coesa da realidade. O referido metadiscurso da proposta de Apel evita contradição performativa por admitir a pretensão de verdade como crucial ao sentido referencial do conhecimento. Isso porque não há conhecimento daquilo que não é verdade, que não corresponde à realidade a que dada perspectiva, admita ou não, se refere.

A não admissão da pretensão de verdade por um interlocutor no discurso é o da possibilidade de manipulação. Semelhantemente ao ilusionista, o manipulador desvia a atenção do interlocutor de seu intuito a fim de enganá-lo. Ao contrário da consequência irrisória de um passe de mágica, em filosofia isso tem consequências mais graves como a desarticulação política e/ou perda de possibilidade de conhecimento e entendimento mútuo. A falsa pretensão de verdade pode ser totalizante; porém, se o for, isso é logo identificado; já o não revelar da pretensão confunde a percepção da maioria. A não consideração da referência ontológica da lógica como estrutura da realidade linguística e da referência valorativa das culturas impede de utilizá-las em prol da sociedade com sua participação deixando margem para a dominação, posto se tratar de uma outra forma de dominação discursiva.