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CAPÍTULO 2 – ARTIGOS CIENTÍFICOS

3.3 DADOS DISCORDANTES DA LITERATURA

Como primeiro dado discordante da literatura, destacou-se na fala de alguns dos entrevistados a questão da influência da adoção de medidas ressocializantes como variável influente no processo de impedimento da associação entre criminosos dentro do cárcere.

Alguns dos entrevistados foram assentes em afirmar que a ressocialização só valeria

àqueles que detivessem desejo em ser ressocializados, ao passo que outros presos deteriam uma predileção irreversível pela vida do crime. Minoritariamente, mencionou-se, no mesmo

diversos outros direitos do preso, inclusive, antes de seu aprisionamento, afirmando, de forma

semelhante aos primeiros, que as medidas não funcionariam por este motivo.

Essas falas pareceram comungar com os postulados das novas posturas criminológicas advindas com o advento das sociedades de consumo massivo do século XXI, onde os Estados, sobretudo, os alinhados ao bloco neoliberal passaram a adotar posturas cada vez menos comprometidas com ideais de ressocialização, típicas do período do Welfare State, retomando políticas repressivas típicas das criminologias clássicas (ANITUA, 2015). Em todo caso, como nem mesmo a criminologia crítica conseguiu demonstrar o sucesso da ressocialização no combate ao crime, de fato, é natural o surgimento de opiniões divergentes sobre o assunto, até mesmo pela natural subjetividade humana, que não segue regras matemáticas para fins ressocializantes ou de autorreflexão sobre o crime e o castigo.

Então, diante da variedade de estudos em torno da ressocialização sem apontamentos concretos em torno de sua eficácia, é de se recomendar a expansão de pesquisas em torno do tema, principalmente, considerando a lucrativa variável do envolvimento com o tráfico e a oferta trazida pela atividade, de inclusão em uma sociedade de consumo bastante fragmentária (BAUMAN, 1998).

Por conseguinte, embora tenha sido majoritariamente reconhecida a existência de rituais e simbolismos inerentes ao processo de recrutamento das organizações do tráfico de drogas no cárcere, de outro lado, também de forma majoritária negou-se a importância ideológica normalmente atribuída pela literatura a estes elementos simbólicos.

Segundo se colheu da análise dos entrevistados o intento de lucro sempre estaria acima de qualquer ideal ou causa comum entre os criminosos, sendo que os simbolismos, por sua vez, seriam elementos com uma função de sedução, principalmente, dos menos experientes no mundo do crime, para obtenção de faccionados, ou seja, um subterfúgio para ocultar as reais intenções das facções, já que o lucro do comércio de drogas ficaria concentrado junto às cúpulas, de modo a convencer os afiliados à adesão a um sistema de contribuições mensais e à realização de crimes e atos, muitas vezes de grande risco, em benefício das facções.

Inclusive, houve quem afirmasse que, em sua atividade profissional, já teria presenciado membros de facções reclamando do comportamento de faccionados paraenses, uma vez que haveria uma grande dificuldade de fidelização de criminosos que mudariam de facções facilmente, conforme a melhor oferta.

Deve-se destacar, também, a fala alguns dos entrevistados que informaram que o elemento sobrevivência estaria fortemente vinculado ao processo de recrutamento. Nestes termos, os neófitos do sistema prisional, pelo contexto de violência e extorsão, se sentiriam

compelidos a escolher um lado e se faccionar, compreendendo-se, neste contexto, a proteção conferida aos mesmos como não como um assistencialismo, como destacou a literatura, senão, como algo fundamental à sobrevivência na cadeia, que, implicitamente, obrigaria o interno a se associar aos grupos. Inclusive, citou-se um exemplo relativo a uma cidade do Baixo Amazonas, na qual, no contexto do cárcere, haveria a imposição do pagamento de mensalidades a presos não faccionados, inclusive, mediante ameaças aos seus parentes.

Dessas informações, três hipóteses puderam ser levantadas: a) a primeira é a de que o sistema ideológico de recrutamento talvez não ainda não tenha sido eficientemente implantado no Pará, ao contrário do que se observaria no sudeste do país (contexto mais abordado na literatura); b) a segunda seria a de que no Pará, especificamente, o recrutamento utilizaria as imagens ritualísticas como uma forma simbólica de iludir os recrutas mostrando vantagens ou, explorando fragilidades no processo de adesão às facções; e, por fim, c) a terceira hipótese é a de que, num processo que negaria a literatura e, talvez, revelasse uma mudança paradigmática - que já foi insinuada por alguns autores (como Dias [2013] e Amorim [2011, 2015], que informaram que o ingresso de traficantes na cúpula das facções, a partir da década de 1990 e da tomada do tráfico como principal atividade destes grupos, teria flexibilizado sua dinâmica executiva e organizacional), os mecanismos ideológicos, atualmente, e, no país inteiro, representariam uma forma de ocultar os interesses econômicos das lideranças mediante ilusão dos presos em recrutamento, estendendo a segunda hipótese ao Brasil como um todo.

A verificação destes postulados, no entanto, dependeria da extensão da presente pesquisa a uma base geográfica muito maior e/ou, ainda, da realização de outros estudos com foco específico sobre a questão, o que se deixa como sugestão futura nestas linhas.

Ainda assim, tratam-se de dados bastante relevantes ao contexto da segurança pública do Pará, ao qual muito se afigura bastante coerente a segunda hipótese acima levantada, em razão de outro ponto destacado pelos entrevistados: a caixinha que se destinaria ao sustento de medidas clientelistas aos afiliados, ao menos no Pará, não seria de livre adesão. Os presos apenas contribuiriam com as finanças das facções como forma de garantir a proteção necessária a sua sobrevivência, conforme já destacado em relação ao processo de recrutamento.

E mais, ao contrário do que ocorreria, conforme a literatura, no sudeste do país, onde associados presos não são obrigados a contribuir com o caixa das facções, no Estado do Pará, não haveria, de acordo com os entrevistados, distinção entre afiliados presos ou soltos, e, até mesmo, entre faccionados ou não faccionados em alguns presídios, sendo obrigatória a contribuição sob pena de imposição de diversos malefícios físicos, inclusive, a morte.