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CAPÍTULO 2 – ARTIGOS CIENTÍFICOS

3.2 DOS DADOS EM CONFORMIDADE COM A LITERATURA

Em primeiro lugar, houve uma majoritária concordância na fala dos entrevistados com a hipótese literária (DIAS, 2013; AMORIM, 2011; 2015, SAVIANO, 2014; TEIXEIRA, 2015) de que a proximidade entre os agentes territoriais no cárcere, de fato, facilitaria o surgimento de associações e redes territoriais entre os mesmos.

Mencionou-se que problemas de alocação de presos no cárcere, como, por exemplo, a união de presos provisórios e definitivos, a união de líderes de tráfico de certas áreas, já que o cárcere não geraria a quebra de sua relação de territorialidade com sua anterior área comercial, ou a união de presos por crimes de natureza diferenciada sem maiores critérios ou cuidados, propiciaria a troca de conhecimentos e experiências entre eles, de modo a permitir a união das redes existentes entre os mesmos, ou ainda a conjugação de outras atividades (roubos e furtos) à atividade originária de uma determinada organização (tráfico). Igualmente, a permissão de proximidade entre membros de mesmas facções foi apontada como critério que potencializaria a comunicação interna entre os agentes territoriais internos, facilitando a elaboração e execução de planos sintagmáticos de poder, interna ou externamente.

Com a união de diversas expertises diferenciadas, bem como, com a compreensão de que o tráfico de drogas seria a atividade mais lucrativa a disposição dos criminosos, o que não significa um abandono das demais espécies, ressalte-se que os mesmos constatariam a necessidade de associação interna, sobretudo para manutenção de uma paz em seus pavilhões e, com isso, reduzir as intervenções das forças de segurança no local.

Novamente, apresentou-se uma concordância dos entrevistados com achados literários relativos ao controle da violência como consequência da associação entre os agentes sintagmáticos internos ao cárcere (DIAS, 2013; VARELLA, 2017; DIAS; ALVAREZ; SALLA, 2013; LOURENÇO; ALMEIDA, 2013; MARQUES, 2014; SAVIANO, 2014), consistente num primeiro momento, numa proteção conferida aos internos cujas causas, entretanto, apresentaram divergências discutidas no tópico a seguir.

Algumas falas convergiram com a literatura, no sentido de apontar também que este controle estaria diretamente ligado à manutenção da tranquilidade necessária para o exercício do comércio de drogas e outras atividades ilícitas no cárcere, como a manutenção de armas e outros bens de consumo, afastando fiscalizações, da mesma maneira que esse controle residiria no poder de autorização ou vedação da instauração de rebeliões e greves mesmo que para

simples demonstração de poder, bem como na instituição de regras para gestão dos conflitos entre os internos, inclusive, quando se poderia matar).

Os entrevistados, majoritariamente, afirmaram que em muitos casos as cadeias ainda não foram totalmente derrubadas porque assim não o consentiram as organizações, especialmente, em situações como a da Colônia Penitenciária Agrícola de Santa Izabel – CPASI, onde o controle de todas as atividades, até de quem entraria e sairia, seria de lideranças do crime antes a total impossibilidade de enfrentamento do grande número de criminosos por parte do reduzido quantitativo de agentes e policiais.

Também houve majoritária concordância com a hipótese literária de que as transferências entre internos seriam um fato que, embora solucionasse problemas enfrentados num nível local de forma imediata, a longo e médio prazo, acabaria por constituir problemas maiores em razão dos intercâmbios ocasionados pelo deslocamento territorial (DIAS, 2013; AMORIM, 2011; 2015; GODOY; TORRES, 2017; TEIXEIRA, 2015; MARQUES, 2014; SAVIANO, 2014; LOURENÇO, ALMEIDA, 2013; FERRO, 2012; VARELLA, 2017).

Num primeiro momento, a transferência de internos para presídios federais foi apontada como elemento que potencializaria a associação desses criminosos a redes regionais ou nacionais do tráfico. Quando de seu retorno, além de novas experiências, conhecimentos e contatos, a transferência também seria responsável pela construção de imagens (símbolos) de respeito sobre o interno agora integrado a níveis maiores no crime (PIEDADE; CARVALHO, 2015; DIAS, 2013; MALLART, 2014). Metaforicamente, comparou-se a transferência a presídios federais a uma pós-graduação no mundo do crime.

Em segundo lugar, também se destacou que a transferência de presos, sejam líderes, sejam faccionados, da capital para o interior, novamente, acabaria por ocasionar os mesmos problemas destacados acima, pelo que seria necessário, conforme os entrevistados, refletir sobre novos mecanismos de segmentação das associações entre criminosos dentro do cárcere.

De igual maneira, foi majoritariamente reconhecida que essa associação entre os internos, em verdade, propiciaria a centralização de lideranças dentro do cárcere (SAVIANO, 2014, 2015; TELESE, 2011; FORGIONE, 2011; SALAZAR, 2014; DIAS, 2013; AMORIM, 2011, 2015; LOURENÇO; ALMEIDA, 2013), que, deste local, elaborariam os planos sintagmáticos das organizações do tráfico de drogas, proferindo ordens para execução no mundo livre (OLIVEIRA; COSTA, 2012; AMORIM, 2011, 2015; DIAS, 2011, 2013; SILVA, 2013; LOURENÇO; ALMEIDA, 2013; CAPITANI, 2012; TEIXEIRA, 2015; MARQUES, 2014; ABREU, 2017; VARELLA, 2017; BARCELLOS, 2015; SAVIANO, 2014; MALVASI, 2012a; GODOY; TORRES, 2017).

Foi destacado pelos entrevistados, por sua vez, que caberia aos líderes encarcerados a definição de planos sintagmáticos externos das organizações criminosas, como decisões sobre o controle do tráfico até mesmo em âmbitos internacionais, a depender da organização, defesa e expansão territorial. Além disso, apontou-se também o exercício, pelos líderes, de um controle sobre a massa carcerária, definindo um conjunto de regras relativas ao comportamento ou o proceder daquela, dentro da cadeia, bem como utilizando essa população como um trunfo de poder, definindo momentos em que estas se rebelariam ou realizariam protestos no cárcere, ou, fazendo com que esta falasse em nome do líder, mantendo-o oculto, e, assim, protegido. Tudo de acordo com os planos das organizações do tráfico.

Destacou-se também que líderes ocupariam posições especiais dentro dos presídios, em razão do poder exercido pelos mesmos, com a função de faxineiro, por exemplo, justamente, porque as mesmas lhes permitiriam uma maior circulação dentro das cadeias e o consequente exercício tranquilo de suas atribuições em grande parte do território das prisões.

Por conseguinte, alguns entrevistados confirmaram, majoritariamente a ocorrência de um recrutamento por parte das facções criminosas entre os presos do universo carcerário, permeada por diversos elementos simbólicos e por uma ideologia de paz entre os ladrões e enfrentamento ao sistema, que seriam inerentes a esta prática (DIAS, 2013; AMORIM, 2011; 2015; GODOY; TORRES, 2017; TEIXEIRA, 2015; MARQUES, 2014; SAVIANO, 2014; LOURENÇO, ALMEIDA, 2013; FERRO, 2012; VARELLA, 2017), embora tenham sido constatadas uma divergência majoritária em relação à literatura quanto ao papel destes simbolismos, como se expôs na seção seguinte.

Alguns entrevistados também destacaram quanto a este aspecto que seria justamente o descumprimento aos direitos previstos na Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984), especialmente, quanto às garantias de ressocialização, que criariam o ambiente apropriado para o recrutamento de agentes territoriais do tráfico e, consequentemente, o surgimento de organizações hierarquizadas no cárcere, que, por sua vez, criariam seus próprios estatutos de regência, a serem aplicados dentro e fora das cadeias.

Essa ausência estatal, por sua vez, foi apontada pelos entrevistados como determinante ao sucesso da fidelização de internos mediante concessão de medidas clientelistas aos faccionados e suas famílias, conforme também foi apontado pela literatura (ABREU, 2017; AMORIM, 2011; 2015; DIAS, 2013; VARELLA, 2017; DIAS; ALVARES; SALLA, 2013). A proteção da integridade física interna seria a primeira medida assistencial garantida ao faccionado, aliada à contratação de advogados para defesa de seus interesses, custeio do transporte de familiares para visitas no cárcere, assim como da concessão de bens das mais

variadas espécies e pensões, aos presos e/ou suas famílias. Confirmou-se junto aos entrevistados, igualmente, a existência de estruturas específicas das facções voltadas à gestão de advogados para defesa de interesses dos afiliados.

Também se verificou a existência das caixinhas, como destacado na literatura, mantidas pelas contribuições dos afiliados, bem como pela realização de ações como rifas e sorteios para levantamento de dinheiro voltado ao atendimento daquelas medidas clientelistas acima mencionadas. Igualmente, as caixinhas seriam abastecidas pelo comércio interno de drogas nas cadeias, que, além desta finalidade, ainda, seriam utilizadas como verdadeiros instrumentos de poder de igual forma à apontada na literatura (AMORIM, 2011; 2015; DIAS, 2013; DIAS, 2014; ANDRADE, 2015; ALMEIDA ET AL, 2013; MALVASI, 2012a; ALBUQUERQUE FIGUEIRO, 2014; GODOY; TORRES, 2017)

Conforme destacado por alguns entrevistados, nesta senda, a droga seria utilizada para aquisição de favores e bens, da mesma maneira que também serviria como forma de indução de consumidores viciados ao cumprimento de medidas determinadas pelos agentes territoriais do tráfico, assumindo a condição de veículo de degradação ou escravidão entre internos e, numa perspectiva mais grave, como forma de controle da cadeia, que seria acalmada ou agitada conforme a quantidade de droga disponibilizada à massa.

Isso explica, de acordo com o que informaram alguns entrevistados, da mesma forma apontada pela literatura, o fenômeno de interdição ou liberação temporária do comércio de certas substâncias entorpecentes nos presídios, segundo sua capacidade de agitação da massa, bem como, a presença mais comum, no Pará, da maconha nas prisões (em razão de seu poder de acalmar os usuários).

Entretanto, algumas divergências representativas foram identificadas junto aos entrevistados, conforme se passou a expor a seguir, que geraram o levantamento de novas hipóteses e reflexões sobre o problema originário.