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Dalva, Maysa, Piaf e o Hino ao amor

No documento irisdearaujojatene (páginas 177-181)

4.3. MOLDURAS INTERNAS: ASPECTOS DA NARRATIVA

4.3.3. Os musicais: o coração fala através de canções de amor

4.3.3.3. Dalva, Maysa, Piaf e o Hino ao amor

Entre os musicais apresentados nas trilhas sonoras das duas minisséries, contudo, uma música em comum se destaca: Hino ao amor, de Odayr Marsano. A canção é uma versão brasileira de Hymne a l‟amour, composta pela fancesa Édith Piaf (1915-1963) – para o grande amor de sua vida, o boxeador Marcel Cerdan, que morreu em um acidente aéreo em 194963 – e foi gravada tanto por Dalva como por Maysa. Apesar de ser uma versão (e não uma tradução), a letra em português manteve o tom intenso e passional da original francófona.

Se o azul do céu escurecer E a alegria na terra fenecer

Não importa, querido, viverei do nosso amor Se tu és o sonho dos dias meus

Se os meus beijos sempre foram teus

Não importa, querido o amargor das dores desta vida Um punhado de estrelas no infinito irei buscar E aos teus pés esparramar

Não importa os amigos, risos, crenças e castigos Quero apenas te adorar

Se o destino então nos separar Se distante a morte te encontrar

Não importa, querido, porque morrerei também Quando enfim a vida terminar

E dos sonhos nada mais restar Num milagre supremo

Deus fará no céu eu te encontrar

Mas o curioso, de fato, é que a presença da música nas obras vai além da coincidência de repertórios das cantoras brasileiras, que se confirmam dramáticos e sofridos, típicos das canções de fossa – sambas-canções em versões mais sentimentais, embalados por temas como ciúmes, traições, desilusões e desejo de vingança (BALOGH e NASCIMENTO, 2011, p. 159) – pelas quais ambas são reconhecidas. Mais que isso: o Hino ao amor está inserido em cenas emblemáticas de cada obra e faz claras referências à cinebiografia da

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Ver em <http://globalmiscelanea.blogspot.com.br/2011/08/duas-vozesuma-cancao.html> e em <http://www.istoe.com.br/reportagens/167818_A+VIDA+NADA+ROSA+DE+EDITH+PIAF>. Acesso: 14/01/2013.

cantora compositora da música. Édith Piaf, que também era reconhecida pelo repertório de músicas tristes e carregadas de emoção, teve sua trajetória exibida nos cinemas em 2007, sob o título de Piaf – um hino ao amor (La môme, dir. Olivier Dahan, França / Reino Unido / República Tcheca). A cena que inicia Dalva e Herivelto, com a cantora ainda criança cantando nas ruas com o pai em troca de algum dinheiro, lembra as cenas iniciais da cinebiografia da cantora francesa.

Vale lembrar ainda que Édith é citada em diversas biografias e comparações tanto com Dalva como Maysa. Era, declaradamente, uma das cantoras favoritas de Maysa (LOGULLO, 2007), que ganhou destaque na imprensa internacional ao ser reconhecida como a ―Piaf sul-americana‖ (LIRA NETO, 2007). Enfim, Maysa e Piaf foram grandes ícones da música e, através das vozes de tons dilacerantes, queixavam-se e declaravam seus amores cantando. Devido às suas instabilidades emocionais, levavam uma vida boêmia e desregrada que interferia, inclusive, em suas performances no palco64. A intensa nos sentimentos, Dalva também foi comparada à Édith. Na biografia escrita por João Elísio Fonseca (1987, p. 97), o autor afirma que as cantoras pareciam ―[...] almas gêmeas pelas vidas sofridas, apaixonadas, loucas, incompreendidas. [...] ambas são grandes intérpretes de suas próprias inquietações, frustrações e ousadias, grandes mulheres, enfim‖.

Protagonizada pela atriz Marion Cotillard, a cinebiografia Piaf traz Hymne a

lámour na sequência em que Piaf descobre que Marcel morrera. A cena é construída a partir

de uma ilusão da cantora: deitada em sua cama, Piaf é acordada pelo boxeador que acabara de chegar. Animada com a presença de Cerdan, ela avisa que vai buscar-lhe um presente, quando seus assessores avisam-na do acidente. Cética, ela busca pelo amante no quarto e percebe que sua visita não passara de um sonho. Ao som de Hymne a l‟amour, ela cai em desespero e

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Ver em: <http://globalmiscelanea.blogspot.com.br/2011/08/duas-vozesuma-cancao.html>. Acesso: 14/01/2013.

chora pela morte de seu amor. A música continua em background até a cena posterior, em que Édith Piaf aparece finalizando sua interpretação da música em um palco.

Em Maysa, a música vem também envolta de um momento fúnebre, em que a cantora recebe a notícia da morte de seu ex-marido, André Matarazzo. Na minissérie, fica claro que, apesar da busca incessante pelo amor, André foi o único a quem ela amou de verdade. Maysa está em meio a um show no Cassino Estoril, em Portugal, quando sabe da morte do pai de seu filho. Mesmo machucada pela notícia, ela resolve voltar ao palco e prestar essa última homenagem àquele homem por quem tinha grande afeição. Hino ao amor é, então, apresentada como a música favorita de André e interpretada por uma Maysa emocionada e com lágrimas nos olhos. Na cena, antes de cantar, ela declara ao público presente: ―[...] meu coração, que agora está sangrando. [...] Acabo de saber que eu perdi, no Brasil, meu ex-marido, que era também o meu melhor amigo, e era também o pai do meu único filho‖. Intercalando com a imagem da cantora no palco, cenas vividas pelo casal ilustram a dor da perda sentida por Maysa naquele momento.

A Dalva de Oliveira da minissérie, por sua vez, não interpretou a canção em cena. Em Dalva e Herivelto, a música Hino ao amor aparece como pano de fundo para duas ocasiões diante do leito de morte de Dalva, que agonizava em um hospital. Na série, a cantora passou seus últimos momentos pedindo para ver seu ex-marido Herivelto. Internada, na Central de Atendimento Intensivo (CTI), ela sonha com a desejada visita, quando Herivelto, embalado pelo ritmo instrumental de Hino ao amor, não somente admite que sempre a amou, como também pede perdão por tudo que eles viveram até ali. Dalva acorda e, apesar de ter sido apenas um sonho, ela apresenta uma melhora e é transferida da CTI. Já no quarto, a cantora, em companhia dos filhos, profere suas últimas palavras e pede para que Pery cante uma canção bonita. Em meio à canção, Dalva morre e Hino ao amor – dessa vez com a voz da intérprete – volta como pano de fundo das últimas cenas da minissérie: primeiro, seus filhos

chorando a perda da mãe, depois, acompanhando um Herivelto solitário e pensativo em um dia nublado. Ainda ao som da música, passam cenas reais do funeral e fotos de Dalva de Oliveira e a voz de Herivelto declara: ―O Brasil perdeu sua maior cantora. Jamais teremos uma intérprete como ela. Dalva era mãe de dois dos meus meninos. Lamento mais do que qualquer outra pessoa a morte dela‖.

Como se pode ver, as referências ao filme sobre Édith Piaf são claras, mesmo que sigam por vieses distintos. Em Maysa, a canção cantada no palco, a ideia de homenagem a um amor recém-falecido remete ao final da música interpretada (e sentida) pela francesa após a perda de seu amante. Em Dalva e Herivelto, o Hino ao amor vem envolto no sonho do reencontro e da valorização de sentimentos mútuos: Herivelto do sonho admite que amava Dalva e o da ―realidade diegética‖ assume a importância cultural (música) e íntima (família) da cantora para o Brasil e para ele próprio. Enfim, nas três obras, a música representa momentos de perdas e mortes por um lado, mas de amor e de sonho, por outro.

A letra do Hino, vale frisar, remete ao estilo musical das três cantoras e, também, evoca o sentido que o amor e as emoções tinham nas trajetórias de Édith, Maysa e Dalva. Cada qual do seu modo, elas mostraram-se mulheres à frente de seu tempo e punham o amor no papel de protagonista de suas vidas: intensas, passionais e que amaram. Amaram profundamente. As últimas palavras de Dalva, na minissérie, aliás, foram sobre isso:

Tudo isso que aconteceu foi por causa do amor. Ou pela falta dele. Eu amei muito. O amor, para mim, sempre foi uma coisa muito grande. Eu amei demais. Minha família, meus amigos, meus companheiros. O amor é o amor. Não há nada mais importante nessa vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento irisdearaujojatene (páginas 177-181)