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MINISSÉRIES E MICROSSÉRIES: LITERATURA E HISTÓRIA NA T

No documento irisdearaujojatene (páginas 68-75)

Nas minisséries, pode-se afirmar que o sentimento de pertença e nacionalismo promovido pela teledramaturgia é sustentado pela difusão da cultura e da história nacional, seja pela adaptação de obras literárias brasileiras, seja pela contextualização histórica da narrativa. ―[...] as minisséries ratificaram e ampliaram esse projeto nacional e popular de resgatar a literatura e a História, por um lado, e os acontecimentos emergentes, de outro, para a composição e configuração de um país e de uma cultura pela televisão‖ (LOBO, 2000a, p. 326).

Como dito, as minisséries surgiram na grade de programação brasileira em 1982, com Lampião e Maria Bonita (Rede Globo) na segunda tentativa de encontrar uma alternativa aos seriados ―enlatados‖ norte-americanos e buscar novos públicos. A primeira tentativa ficou por conta do retorno dos seriados nacionais como Malu Mulher e Carga Pesada, ambos da Rede Globo, no final da década de 1970.

A incursão da Rede Globo em outros produtos ficcionais, tais como os seriados na década de 1970 e as minisséries a partir de 1982, reafirmou a mesma tendência expressa pelas telenovelas, no sentido de estabelecer uma verossimilhança, procurando trazer à tona temas ligados à realidade nacional e ao cotidiano do público, em linguajar coloquial. (KORNIS, 2003, p. 128-129)

Em trinta anos de história, as minisséries variaram sua quantidade de capítulos, sendo consideradas de microsséries – com até duas semanas de exibição, mais comuns em sua primeira fase, nos anos 1980, e na atual, principalmente a partir de 1999 – até mininovelas – com pouco mais de 50 capítulos, estendendo-se por cerca de três meses – sempre no horário noturno. A denominação minissérie sequer foi unanimidade em seus primeiros anos.

Por fim, quando vieram as minisséries da Globo, inaugurando em rede nacional a nova serialidade, surgiram confusões na hora de nominá-las. Os boletins de divulgação da emissora chegaram a chamá-las de mini-novelas ou mesmo seriados,

como se falassem ou de uma telenovela curta ou de seriados como Malu Mulher, Carga Pesada ou Plantão de Polícia. Logo depois o nome minissérie ficou estabelecido para o formato [...]. (LOBO, 2000b, p. 7)

As minisséries nacionais costumam ser originadas de adaptações literárias ou buscam apresentar situações históricas nacionais, ou ainda características regionais para, assim, representar os diversos ―brasis‖ existentes no país.

Sendo uma obra fechada, e de maior presença autoral, [a minissérie] caracterizou-se, desde o início dentro e fora do Brasil, como crônica das origens, buscando o prestígio da literatura e aproximando-se mais de um projeto cinematográfico com ambições culturais de discussão das identidades. (LOBO, 2000a, p. 18)

Por isso também, ainda na década de 1980, iniciou-se o projeto de representar narrativas históricas nas minisséries nacionais. Segundo Mônica Kornis (2003, p. 129-130), a ideia surgiu de discussões dentro da Casa de Criação Janete Clair – inaugurada em 1984 não somente para homenagear a autora que falecera no ano anterior, mas também para treinar e descobrir novos talentos para os roteiros da teledramaturgia da Rede Globo.

Sem dúvida, a conjuntura de final do regime militar e de instauração de uma nova ordem tem sua expressão na produção ficcional da emissora, e a reconstrução da história recente se configura como um dos campos no qual se afirma a possibilidade de imprimir um diagnóstico do país, com vistas a um projeto de reinstauração democrática, no qual o universo da moral – privilegiado pela narrativa melodramática – e da política assumem um papel fundamental.

Ainda sobre as características das minisséries brasileiras, Narciso Lobo (2000a, p. 104) lembra que, quanto ao número de capítulos, as obras podem se classificar em três tipos distintos: ―as séries longas, ou mininovelas, numa faixa de 28 a 52 capítulos; as séries médias, entre 8 e 25 capítulos; e as curtas, de três a cinco capítulos. O predomínio absoluto é das minisséries de média duração [...] (LOBO, 2000a, p. 104).

A inserção do formato no país representou a busca por uma maior qualidade dos produtos televisivos. Pelo horário de exibição (normalmente após as 22h), percebe-se que é voltado para um público mais seleto e, por isso, as minisséries são exemplos mais bem-

acabados, com maior preocupação estética de texto e imagem, da aclamada teledramaturgia brasileira (LOBO, 2000a; BALOGH, 2002; FIGUEIREDO, 2003).

Bom lembrar também que, antes das minisséries surgirem em rede nacional, a TV Cultura de São Paulo produziu, entre 1980 e 1981, dezesseis destes produtos sob a alcunha de

telerromance. Adaptações de obras literárias, os telerromances da TV Cultura tinham em

média 20 capítulos (FIGUEIREDO, 2003; LOBO, 2000b). Contudo,

As produções da Cultura remontam a um período em que a emissora ainda não havia se conectado em rede nacional, daí que não foram incluídas no conjunto das minisséries [...]. No entanto, estão a merecer um estudo específico para uma melhor compreensão do papel estimulador que teve. No caso específico de Seu Queque, quando comparada com Rabo de Saia, um crítico observou que a versão da Cultura acabou caindo numa estrutura novelesca, dramaticamente pobre e caricata, apesar de ser produto de uma emissora estatal onde o jogo dos índices de audiência é mais leve e portanto permite espaço para a experimentação. (LOBO, 2000b, p. 7)

Dessa forma, por ser transmitida em todo o país, pela Rede Globo de Televisão, em 1982, Lampião e Maria Bonita é ainda considerada como, de fato, a primeira minissérie brasileira.

Relembrando a lista das minisséries já produzidas no Anexo C e o Gráfico 1 deste trabalho, percebe-se uma tendência atual16 – também verificada no objeto de análise desta pesquisa: o retorno das histórias em serialidade curta, centradas em personagens reais, porém relativamente recentes. Como dito, foram identificadas 14 minisséries biográficas em um universo de 119 já produzidas. É sintomático, portanto, notar que metade delas foi exibida nos últimos oito anos: apenas 2007 não trouxe uma obra desse tipo17.

Vale frisar também que minisséries históricas não exigem protagonismo de personagens históricos, sequer exigem sua representação explícita. Nem sempre exemplos como Yolanda Penteado em Um só coração (Globo, 2004) ou os irmãos Villas Bôas em

16

Essa tendência parece seguir um movimento cíclico, uma vez que entre as primeiras minisséries nacionais já se apresentavam histórias de personagens reais, tais como em A Marquesa de Santos, exibida pela TV Manchete em 1984.

17

Xingu (Globo, 2012) são vistos nesse tipo de obra. Bento Gonçalves, por exemplo, liderou a

Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul do século XIX, mas foi coadjuvante de A casa

das sete mulheres (Globo, 2003). Em Anos rebeldes (Globo, 1992), os protagonistas eram

criações do autor baseado nos jovens da época – o que não impediu que lembrassem e citassem o estudante Edson Luís, morto durante um dos confrontos da Ditadura Militar. Em

Agosto (1993), a trama se desenvolve em torno do suicídio de Getúlio Vargas (em 1954), sem

que este apareça explicitamente.

Tais questões despertam para o fato de que a televisão nacional sempre procurou referências na sociedade em busca de uma maior identificação do público. Foi assim quando

Beto Rockfeller (TV Excelsior, 1968) deu início ao processo de ―abrasileiramento‖ do gênero.

Foi o pontapé inicial para que nossa sociedade se tornasse a ―sociedade da telenovela‖ (HAMBURGER, 2005). Dentro desse contexto, determinar como se configura o docudrama biográfico nas minisséries é essencial para enxergar os traços nacionais inseridos nesse tipo de produto em busca da identificação da audiência no contexto do fenômeno social que a televisão brasileira representa.

A telenovela [e outras formas de ficção televisiva] oferece-lhe [ao telespectador] rara oportunidade de sentir-se e atuar como protagonista; pode identificar-se com os atores ou personagens; experimentar sensações de uma situação-limite, sem se expor a dores, sofrimentos ou a prazeres implícitos que posteriormente lhe trarão culpa. Poderá mitigar a raiva ou o ódio sem correr o risco de perder a vida na primeira ou nas múltiplas batalhas que o protagonista deve enfrentar; seu sofrimento é atenuado pela certeza de que, em primeiro lugar, é o outro e não ele quem atua e sofre na cena. Em segundo lugar, trata-se de ficção, nunca poderia chegar a ameaçar sua segurança pessoal. A expectativa é a de que o drama promova avanço nas possibilidades emocionais, e consiga transformar sombrias ameaças em algo desfrutável. O drama mantém relação com a dor e com o sofrimento, provoca ansiedade, mas logo em seguida consegue aplacá-la (Freud, 1973). (LOPES, BORELLI e RESENDE, 2002, p. 194)

Esses dramas exibidos nem sempre são de natureza ficcional, mas seu reconhecimento como evento passado – no caso das minisséries biográficas e históricas – pode amenizar ainda mais a ansiedade descrita por Lopes, Borelli e Resende, pois, mesmo

ligados a uma realidade concreta, não representam mais interferências diretas na vida do telespectador. Nesse contexto, as telebiografias reforçam seu potencial educativo, por causa de seu viés documental e consequente valor-verdade. Além disso, a teledramaturgia também pode provocar no público uma identificação por projeção, isto é, um poder de despertar desejos, de querer ter e ser. Tal poder se dá, segundo Hamburger (2005, p. 51) por uma dinâmica desigual, pois se pauta na sedução e identificação a partir de mecanismos distorcidos de construção de significados.

Nesta era líquida-moderna, os meios de comunicação despontam como potentes colaboradores do intrincado processo de construção identitária dos sujeitos, fabricando em grande escala modelos para projeção e identificação. Neste contexto, destacam-se as mídias audiovisuais, meio com poder suficiente para interferir no inconsciente e no imaginário social, compondo cenários em que novas identidades - também flutuantes - são apresentadas e defendidas. (MAIA, 2007, p. 6)

Hamburger vê ainda, nas telenovelas, uma via de mão dupla, pois, além de criarem projeções dos desejos dos telespectadores, estas operam ―domesticando‖ conteúdos da vida ―fora‖ das telas ao representar dramas cotidianos da sociedade e momentos íntimos dos personagens em suas tramas. Isso condiz com as ideias de Lopes, Borelli e Resende (2002, p. 196) de que

Mesmo se propondo ser fictícia, a telenovela não se separa da planície familiar que se estende em torno do análogo: retrata a visão íntima da sociedade, nos aspectos em que as pessoas estão, na realidade, preocupadas com as histórias de suas próprias vidas e com suas emoções particulares. A exposição da intimidade, na tela, cria um imaginário comum, catalisador e unificador de sonhos, desejos e fantasias; autoriza a revelação, metáfora da confissão; restitui a possibilidade de lidar com as expectativas mútuas, que se criam através da exposição do eu. Traços do narcisismo social enunciam o desejo de acompanhar cenas em que nada acontece.

Em minisséries biográficas, esse desejo por ―acompanhar cenas em que nada acontecem‖ tem a ver com a humanização dos mitos-protagonistas – eles são pessoas e, como tal, vacilam, sofrem, hesitam, sonham e amam. Isso alimenta ainda mais a identificação por projeção. Não há aí o desejo de sofrer como os protagonistas, mas saber de suas fragilidades aproxima o público de seus ídolos. É aí que as minisséries biográficas – como Dalva e Herivelto e Maysa – se encaixam.

CAPÍTULO 3

Representações dramáticas da realidade: entre narrativas ficcionais e acontecimentos históricos

A televisão é feita de narrativas. Em seus mais diversos gêneros, as formas de contar histórias mudam, a fonte do que é contado também, mas elas, as narrativas, estão ali acompanhadas de imagens. Se no seu início, a televisão usava a imagem como mera ilustração de suas histórias1, atualmente o veículo a concebe como um aspecto primordial a ser trabalhado na construção de suas narrativas, principalmente com os avanços tecnológicos que proporcionam televisores cada vez maiores, com high definition, a preços mais acessíveis. Assim, imagem e narrativa são perspectivas indissociáveis na concepção da linguagem televisiva atual.

Maneiras de narrar acontecimentos históricos, experiências de vida ou criações oriundas da imaginação de seus autores permeiam, dessa forma, toda a programação. Assim, testemunhas da história podem estar nos relatos de telejornais ou em depoimentos de documentários, passando por homenagens em programas de variedade e – por que não? – na ficção televisiva. Narrar é ficcionalizar um fato. Isso, obviamente, não quer dizer que a narrativa seja uma ―mentira‖. Ocorre que, no processo de contar a história, o autor já põe o seu ponto de vista, faz recortes, inverte sequências, dá ênfases, enfim, há uma subjetivação do acontecimento.

Se alguns herdeiros da tradição platônica consideram que, quando há imagem, há ficção, outros (às vezes os mesmos) sustentam que todo relato seja ele verbal ou visual, é, por natureza, ficcional. Assim, C. Metz pretende demonstrar que, mesmo

1

Ainda sem uma linguagem bem definida, a TV no Brasil (em seus primeiros anos) mantinha sua forma narrativa muito próxima do que as emissoras radiofônicas apresentavam, por isso, chegou a ser reconhecida como ―rádio com imagens‖.

quando apresenta analogias com o mundo real, o relato sempre difere radicalmente. Primeiro porque é uma sequência temporal limitada no tempo, estruturada em função de um início e de um fim, mas sobretudo, porque é contado por alguém, proferido por um narrador [...]. (JOST, 2004, p. 90-91)

Pensar a narrativa ficcional na televisão, portanto, já promove uma extensa discussão. Analisar suas formas ficcionais ―baseadas em fatos reais‖, maneiras de contar fatos históricos e/ou biografias, deve ser um processo cuidadoso que envolve a reflexão da tênue linha entre ficção e realidade, bem como os formatos híbridos consequentes de tal confronto de gêneros conhecidos por sua ficcionalidade e os de representação social.

A ficção televisiva é então uma forma de ‗narrativização‘ da sociedade. Alimentando um enorme volume de produção e oferta de histórias, diretamente disponibilizadas e agradável durante todo o dia, a televisão fez mais do que aprimorar e exercitar uma função que pertenceu e ainda pertence a outros sistemas narrativos: ela resultou absolutamente em uma ‗narrativização‘ da sociedade de proporções desconhecidas (...). (BUONNANO apud MALCHER, 2009, p. 96)

Como se sabe, a intenção desse trabalho não é aprofundar-se nas questões da narratologia – estudo das estruturas e funcionamento das narrativas – mas o assunto deve ser tangido nas reflexões aqui presentes. Isso porque a teledramaturgia é uma das formas de se narrar algo. Entender a narrativa é o primeiro passo, portanto, para compreender não somente as diversas possibilidades de hibridização entre real e factual, mas também a necessidade humana de se contar histórias.

No caso específico dos objetos da presente pesquisa, a dramaturgia televisiva em minissérie traz histórias de vida de personalidades ―míticas‖ da MPB e, com sua exibição, proliferam-se os questionamentos com o que está e o que não está de acordo com o que se sabe daquela pessoa. Antes, contudo, para entender a narrativa ficcional televisiva e suas confluências com o real – ou factual, ou histórico – é preciso entender o papel do autor na teledramaturgia nacional – roteirista, narrador, enfim, protagonista desse tipo de narrativa.

No documento irisdearaujojatene (páginas 68-75)