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“Digging up the past”:

2.3. Danes Graves

O sítio tradicionalmente conhecido como “Danes Graves”20 localizava-se nos Wolds, em uma junção entre os atuais territórios de Driffield, Kilham e Nafferton, consistindo em uma ampla região marcada pela presença de montículos funerários e, em sua extremidade norte, uma série de estruturas de terras (cf. MAULE COLE, 1897). Estima-se que este seja um dos maiores cemitérios da Idade do Ferro já registrados nas Ilhas Britânicas e na Europa, com aproximadamente 500 túmulos (GREENWELL, 1865: 108, n.7; WRIGHT, 1903: 66)21. Até o final do séc. XIX e início do XX, 197

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O local fora assim apelidado porque tradicionalmente a população local pensava que os enterramentos remetiam ao período de ocupação dinamarquesa na região durante a Idade Média. (GREENWELL, 1906: 259; JEWITT, COX, ALLEN, 1897: 255)

21 O único cemitério que parece superar as Danes Graves encontra-se em Burton Fleming, também em

ERY, onde mais de 500 montículos foram identificados; alguns outros grandes cemitérios desse mesmo tipo foram encontrados na região de Yorkshire, como os de Eastburn, contendo 70 montículos funerários e Scorborough Park, com 170 túmulos (CUNLIFFE, 2005: 546).

33 desses túmulos ainda eram visíveis e foram plotados pela Ordnance Survey (MAULE COLE, 1897: 300; MORTIMER, 1897, pl. II).

Diversos indivíduos chegaram a escavar a região em diferentes momentos: alguns membros do Yorkshire Antiquarian Club, em 1849, trabalharam em 6 montículos; o canon Greenwell, em 1864, abriu 14 outros montículos e, finalmente, após algumas disputas e impedimentos, Mortimer22 pôde levar à frente, em 1897, as escavações no local (STEAD, 1979: 16-17).

Em julho do mesmo ano, ao escavar um montículo de número 13, Mortimer se deparou com um achado curioso: uma dupla inumação. Na cova de formato retangular com cantos arredondados, constavam dois esqueletos de adultos do sexo masculino flexionados sobre o lado direito e esquerdo, respectivamente, estando um ao norte e outro ao sul. Próximos aos esqueletos, no canto oeste, foram encontradas partes de um carro de duas rodas desmontado, a saber: os aros, anéis e pinos de rodas, duas embocaduras e anéis de arreios. Junto ao esqueleto situado ao norte, constavam ainda um broche feito de ferro e bronze e alguns ossos de porcos.

Até os dias atuais, este é o único caso descoberto onde dois indivíduos foram enterrados na mesma cova acompanhados por um carro. A hipótese levantada por Mortimer (1905: 359), isto é, de que se trataria de um enterramento de um homem acompanhado pelo seu cocheiro, não pode ser sustentada, pois a ausência de materiais ósseos que não sobrevieram até os dias atuais impossibilita qualquer tipo de análise osteoarqueológica e considerações mais profundas a respeito de uma possível afiliação e dados biológicos entre os indivíduos enterrados, a não ser de se tratarem de dois homens de idade adulta. Curiosamente, em Danes Graves, alguns outros casos acabaram por revelar a presença de mais de um corpo dentro de uma única cova. Exemplo disso é o túmulo de n.16 [46] que consistia em um pequeno montículo de ø 9m e 1m de altura,

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Considerados como um dos “pais fundadores da Arqueologia britânica” (HARRISON, 2010), John Robert Mortimer (1825 – 1911) nasceu e cresceu em Driffield na região dos Wolds, tendo rapidamente começado a se interessar pelo estudo da cultura material proveniente de outros momentos históricos, após uma visita, em 1851, a uma exposição no British Museum (HICKS, 1978: 28). Mortimer atuava profissionalmente como mercador de milho e os lucros dos negócios permitiram que ele dividisse seu tempo entre seus afazeres de comerciante e as escavações realizadas. De fato, a maior parte de seus trabalhos arqueológicos se deu entre os anos de 1863 e 1897 como reflexo do enriquecimento proveniente de suas atividades mercantis (HARRISON, 2010). Gozou de certo reconhecimento na época, sobretudo devido a sua dedicação e cuidados metodológicos – dava-se ao trabalho de traçar plantas, cobrir largas áreas de escavação, fazer anotações detalhadas, atentar para dados estratigráficos, coletar amostras de solo e de esqueletos para análises futuras – o que acabou por diferi-lo da grande maioria de outros antiquários e simples colecionadores. Sua principal obra “Forty years' researches in British and Saxon

burial mounds of East Yorkshire” representa um extenso e amplo apanhado de diversos anos de pesquisas

34 onde se encontrou uma cova oval (2m x 1,6m e 75cm de profundidade) dentro da qual estavam depositados cinco esqueletos de crianças e adolescentes; salvo dois pequeninos braceletes, nenhum bem material foi encontrado (cf. STEAD, 1979: 100). Comparando- se estes dois casos com inúmeros outros provenientes de diferentes localidades em Yorkshire, é possível perceber que ao longo da Idade do Ferro fortes associações eram traçadas entre gênero (incluindo-se aí, questões de faixa etária), prestígio social e presença de mobiliário funerário no tratamento post-mortem, embora essas manifestações materiais pudessem variar de uma área a outra. A dupla inumação encontrada sobre o montículo DG.13 permanece, entretanto, como a única sepultura com carro localizada no cemitério de Danes Graves.

Durante sua vida, entre os anos de 1878 e 1911 (ano de sua eventual morte), Mortimer ergueu e manteve, às próprias custas, um museu em Driffield, onde exibia publicamente sua coleção. Com sua morte, toda sua coleção, mediante a compra em 1913 pelo C.el G. H. Clarke, foi cedida à cidade de Hull, onde agora se encontra no Hull and East Riding Museum (HARRISON, 2001; 2010).

2.4. Huggate

Em Huggate, uma série de montículos funerários permaneceu, igualmente, visível até boa parte do século XIX, tendo atraído durante algum tempo certos escavadores para a região, dentre eles, mais notavelmente, o Lord Burlington (STEAD, 1979: 24). A presença de um enterramento de carros na região é mal documentada, mas graças a Mortimer (1905), que teve o cuidado de relatar o ocorrido, é possível extrair algumas informações a respeito do achado. A descoberta deu-se no começo do século, quando R. Holtby estava trabalhando e nivelando o solo, pondo abaixo montículos e, em um dado momento de seus trabalhos, deparou-se com dois aros de ferro relativos a um veículo de duas rodas e diversos ossos (MORTIMER, 1905: 359). Nem os aros, o esqueleto ou os demais objetos que muito possivelmente deveriam estar dentro da tumba chegaram a ser estudados. Na época, os itens foram simplesmente carregados e transportados junto com o restante da terra devido ao trabalho do solo, sendo, portanto, descartados e destruídos.

Embora nenhuma informação extra ou dados relevantes possam ser retirados desse caso, tudo parece indicar que o achado de Huggate correspondesse, de fato, a um enterramento com carros semelhante aos demais encontrados nos Wolds.

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