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“Digging up the past”:

2.14. Garton Station

47 Pouco depois das descobertas realizadas por Dent em 1984, outro enterramento com carros foi escavado no ano seguinte em Garton. O achado ficou batizado como o de Garton Station, pois se encontrava em um local situado relativamente próximo à estação ferroviária de Garton, distinguindo-o do sítio escavado em 1971 (Garton Slack). A descoberta foi liderada foi Ian Stead que, então, desejava descobrir um enterramento com carros a fim de levá-lo para o British Museum e colocá-lo em exibição depois de analisado e estudado, já que em todas as últimas ocorrências os materiais descobertos tinham sido destinados ao Hull and East Riding Museum (HAYTON, 2006: ii). Esse fator foi crucial para o início das investigações, já que diferentemente das demais descobertas – identificadas, em parte, pelo acaso e, por outro lado, por sucessivas e lentas escavações de grandes sítios, assentamentos e cemitérios – o enterramento de Garton Station foi evidenciado a partir de uma busca intencional, precisa e direcionada, com um propósito claro. Para isso, a equipe formada por Stead contou com o auxílio de A.L.Pacitto que, na ocasião, fez uma varredura na região31 com um magnetômetro. O resultado acabou por atender às expectativas – dois sítios foram identificados: o primeiro se revelou como um conjunto de enterramentos medievais do período de ocupação anglo-saxã (+50 inumações), portanto tardio; o segundo, porém, correspondia a um enterramento com carro da Idade do Ferro, tal como esperado (STEAD, 1991: 29). Em 1985 os trabalhos foram iniciados.

Na tumba, que tinha um formato retangular coberta por um montículo, foi descoberto um esqueleto flexionado sobre o lado esquerdo, orientado no sentido norte- sul, acompanhado pelas partes de um veículo desmontado e pela ossada de um porco depositada no interior da cova, próximo ao crânio do falecido. Análises osteológicas permitiram identificar que o esqueleto enterrado correspondia ao de um homem de aproximadamente 35-45 anos de idade.

Apesar da ausência de objetos como espadas, joias e adereços, o enterramento de Garton Station apresentou as seguintes singularidades em relação às descobertas previamente feitas:

(1) a tumba encontrava-se localizada próxima a Gypsey Race, estando, portanto, em uma área parcialmente banhada32;

31 A presença de montículos funerários no local já era conhecida a partir de uma série de fotografias

aéreas tiradas em 1984 por Dent.

32 Este fator representou ainda uma dificuldade na época, no tocante à manipulação e retirada do material

ósseo do interior da cova, pois a parte superior do esqueleto encontrava-se fragilizada pela ação do tempo e das águas, fazendo com que boa parte das cavidades ósseas tivesse sido preenchida pelo barro formado

48 (2) essa foi a tumba, até então, com a maior área interna registrada: 134 m²; (3) ambas as rodas do veículo encontravam-se desmontadas colocadas lado a

lado, encostadas na parede, em uma posição vertical.

O enterramento de Garton Station tratou-se, assim, do primeiro caso conhecido escavado a partir do uso de técnicas modernas onde partes das rodas do carro foram intencionalmente deixadas na posição vertical. O veículo, no entanto, encontrava-se visivelmente desmontado e partes do cabo, do eixo e da caixa do carro indicam que o veículo tenha sido colocado sobre o morto, fazendo com que a caixa se tornasse um possível caixão (STEAD, 1991: 30). Os demais itens encontrados, como, por exemplo, os anéis de rédea, apresentam técnicas e elementos de decoração (botões de coral, motivos entrelaçados) semelhantes aos demais achados em outros enterramentos do mesmo tipo.

O material escavado em Garton Station foi dirigido ao British Museum, onde ainda hoje se encontra. No ano seguinte a sua descoberta, 1986, parte dos achados já estava em exibição em uma sessão nomeada “Arqueologia na Grã-Bretanha desde 1945”, tendo sido posteriormente exibida no Yorkshire Museum em uma exposição temporária intitulada “Tesouros de Yorkshire e Humberside” (STEAD, 1991: 29).

2.15. Kirkburn

Após as escavações em Garton Station, regiões vizinhas foram inspecionadas a partir de fotografias aéreas tiradas em alguns anos no começo da década de 80. O objetivo era fazer um estudo das áreas próximas a fim de se identificar outro possível enterramento com carro.

Stead e sua equipe se dirigiram, desse modo, a um sítio em Kirkburn, localizado a uma distância de apenas 400m ao sudeste do enterramento em GSt, onde a existência de cinco tumbas foi observada. Eis que em 1987, após iniciados os trabalhos, os homens se depararam novamente com uma inumação da Idade do Ferro acompanhada por um veículo de duas rodas (STEAD, 1991). O enterramento se localizava em uma região um pouco mais elevada que a de GSt e, para a surpresa dos envolvidos, apresentava uma

ao longo dos anos a partir do contato da terra com a água infiltrada. Os arqueólogos, contudo, foram capazes de retirar o esqueleto da sepultura sem danos, graças à utilização de “Quentglaze” – um selante à base de poliuretano (cf. HAYTON, 2006: ii; STEAD, 1991).

49 área interna ainda maior que a registrada anteriormente: 150m², a maior até hoje registrada para um enterramento deste tipo (cf. ANTHOONS, 2011: 52).

No interior da cova estava uma inumação orientada no sentido norte-sul e flexionada sobre o lado direito de seu corpo, entre as duas rodas do carro que se encontravam na posição horizontal. O esqueleto correspondia ao de um homem de aproximadamente 25–35 anos. Análises osteológicas das tumbas circunvizinhas em Kirkburn (K.3; K.4; K.6) indicaram, ainda, que o homem enterrado com carro (K.5) apresentava certo parentesco com os demais esqueletos encontrados no sítio, a partir de estudos de variação não-métrica craniana [p.ex., forame parietal] (STEAD, 1991: 135)33.

Ao redor do esqueleto, anéis de rédea, embocaduras, pinos de rodas, e ossos de porcos foram encontrados. Além dos referidos artefatos, dois itens peculiares foram descobertos. Ao norte, próximo ao crânio do esqueleto, havia uma pequenina caixa em formato de D que, a partir de vestígios deixados, pôde-se constatar, era feita de madeira. O objeto possuía um conjunto de argolas, botões e uma borda, todos feitos à base de liga de cobre, permitindo que a parte metálica ficasse preservada. O segundo item – que na ocasião causou certa excitação por sua raridade, já que se trata de um objeto relativamente difícil de ser encontrado na maioria dos sítios da Idade do Ferro em toda a Europa – correspondia a uma cota de malha. O aparato havia sido colocado cuidadosamente sobre o corpo do homem enterrado e sua remoção de grande dificuldade, na época, para a equipe envolvida. De fato, boa parte dos itens que compunham a cota só foi possível ser identificada posteriormente, quando ela já se encontrava nos laboratórios em Londres, sendo submetida a fotografias de raio-X. Um relato completo a respeito do trabalho de remoção e estudo deste item pode ser encontrado em Dove e Goldstraw (1992). A vestidura possuía as medidas de 0,92m x 0,48m e era inteiramente, tanto as pequeninas argolas e fios que a compunham, feita de ferro. Datada como pertencente ao século III a.C., a cota de malha encontrada em Kirkburn permanece até os dias atuais como o objeto mais antigo desse tipo já encontrado nas Ilhas Britânicas e um dos mais antigos no continente europeu (STEAD, 1991: 56). Em Yorkshire, além de Kirkburn, apenas uma única cota de malha foi encontrada até o presente: ela advém do chamado “tesouro de Stanwick”, porém sua

33 Para estudos de morfologia craniana relacionados aos estudos histórico-arqueológicos, cf. CRUBÉZY

(1992); MAYS (1998); UBELAKER (1989). Para uma análise direcionada especificamente ao estudo da variação não-métrica craniana, conferir FINNEGAN (1978).

50 confecção é posterior: meados do séc. I d.C.. Nas demais partes das Ilhas Britânicas, algumas outras cotas foram encontradas na região do sul da Inglaterra (Lexden, Baldock, Woodeaton Temple, Maiden Castle); no entanto, todas elas pertencem à Idade do Ferro tardia, estando, deste modo, afastadas por uma distância temporal de dois séculos dos achados em Kirkburn (STEAD, 1991: 54-56).

Tal qual a descoberta em Garton Station, todos os achados de Kirkburn, incluindo-se, aí, os enterramentos vizinhos ao enterramento com carro, foram transportados para o British Museum, onde ainda hoje se encontram.