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“Digging up the past”:

2.11. Um panorama das escavações

Como é possível perceber, os sítios mencionados foram quase sempre descobertos graças às empreitadas realizadas por diferentes antiquários–colecionadores– primeiros arqueólogos, ou, em outras ocasiões, por mero acaso ou acidente – nestes casos, sobretudo como consequência das atividades de mineração e construção de malhas ferroviárias. Um dado a ser destacado é o de que nas circunstâncias de boa parte dessas primeiras escavações como em Arras, Huggate, Danes Graves e Cawthorn, parte considerável dos montículos funerários e demais aspectos da paisagem da Idade do Ferro envolvendo trabalhos de terraplanagem e resquícios de assentamentos possuíam, ainda, certa visibilidade. Ao longo do século XX, no entanto, essas características foram, na maioria dos casos, paulatinamente desaparecendo, em parte ocasionadas por trabalhos agrícolas e de mineração e em outra parte pela própria expansão urbana e industrial vivenciada em algumas localidades.

De todos os enterramentos até então descobertos, apenas as referidas inumações em Danes Graves chegou a ser representada em uma planta desenhada que indicava o formato da tumba e da cova, bem como o posicionamento dos mortos e dos objetos encontrados (MORTIMER, 1897: pl.ii; 1905: 359). Em outros episódios, como em Middleton, apenas um único objeto resistiu aos anos e às ações humanas que o escavaram, sustentando as evidências da existência de um enterramento ao qual em pouco ou quase nada podemos ter acesso hoje.

Entretanto, apesar das lacunas e desafios apresentados, a virada do séc. XIX e as primeiras décadas do XX representaram o primeiro esforço intelectual que buscou estudar e analisar de maneira mais aprofundada os enterramentos da Idade do Ferro com carros encontrados no norte bretão. Não obstante, considerações sobre a utilização de veículos de guerra por parte dos antigos bretões começaram a ser traçadas nesse momento. Tornaram-se, ainda, frequentes, discussões sobre a origem de tais carros, levantando-se hipóteses desde a produção local à importação fenícia (cf. MORTIMER, 1905: 364). Comparáveis começaram a ser buscadas nas obras homéricas, como a utilização de carros de combate na guerra de Troia (MORTIMER, 1905: 362). A ideia

41 disseminada au fur et à mesure era a de que os bretões foram capazes de preservar hábitos primitivos já perdidos no continente ao longo de toda a Antiguidade.

Interpretados quase sempre como guerreiros-caçadores e/ou reis, restava saber a qual grupo esses indivíduos enterrados se afiliavam: “a primeira questão que surge é sobre a raça ou a tribo que foi enterrada em Danes Graves e Arras e a qual divisão da família humana eles pertenciam”, colocou Greenwell (1906: 307). Apesar das visões evolucionistas e raciais – que em alguns casos podiam remeter suas origens até mesmo aos “velhos povos” do Antigo Testamento –, esse foi também o primeiro momento em que a cultura material encontrada em enterramentos espalhados pela região dos Wolds e seus arredores começou a ser articulada como um só grande objeto de estudo. Mortimer, por exemplo, chegou mesmo a dedicar um capítulo (“British chariots founds in Barrows chiefly in East Yorkshire”) da segunda parte de sua chef-d'œuvre exclusivamente ao tema (MORTIMER, 1905: 358- 364). Além disso, essa foi também a primeira ocasião em que semelhanças e divergências foram observadas entre práticas mortuárias da Idade do Ferro e suas antecessoras do Bronze, em Yorkshire, como as considerações traçadas pelo canon Greenwell em relação à posição contraída orientada no sentido norte-sul dos corpos encontrados em Danes Graves (GREENWELL, 1906: 286).

Descobertas, como a tumba de Arras (A.28), estimularam, ainda, algumas relevantes – ainda que tímidas – primeiras considerações a respeito de questões envolvendo dinâmicas de gêneros, levantando certos problemas a respeito da possibilidade de acúmulo de poderes por parte de algumas mulheres entre os antigos habitantes das Ilhas Britânicas. O procedimento consistia em interpretar a documentação arqueológica, de certa forma, à luz dos relatos clássicos, articulando-se os achados com figuras históricas presentes nos textos gregos e latinos, tais como Cartimandua e Boudica, respectivamente rainha dos brigantes e dos icenos, descritas por Tácito (cf. GREENWEEL, 1906: 293-4).

Abaixo, encontra-se um organograma traçado com o objetivo de sintetizar todas as escavações mencionadas a partir de três critérios básicos: os responsáveis pela operação, o ano da descoberta e o sítio escavado.

42 responsável ano sítio

Stillingfleet (1815-1817) King’s barrow

Charioteer’s barrow Arras

Greenwell (1877) Lady’s barrow

(1875) Beverley Mortimer (1897) Dane’s Graves [Holtby](18??) Huggate [Kendal](1849) Cawthorn Camps [n/d] (1862) Seamer [n/d] (1888) Middleton Morfitt (1904) Hornsea Sheppard (1906) Hunmanby Kirk (1911) Pexton Moor Welsford (1935)

Organograma 1: Escavações de enterramentos com carros em Yorkshire no séc. XIX e na primeira metade do século XX

As escavações apresentadas nas páginas a seguir foram realizadas a partir da segunda metade do século XX. Distinguem-se, portanto, das mencionadas anteriormente pela utilização das chamadas “técnicas modernas” e de cuidados até então inexistentes na maioria dos casos prévios. A utilização de varreduras com auxílio de equipamentos específicos como magnetômetro, a utilização de fotografias aéreas, o mapeamento extensivo da paisagem e de zonas mais amplas para além de um único sítio, a modelização em 3D de tumbas durante o processo de escavação e outros recursos representaram importantes fatores para o enriquecimento de pesquisas e de materiais disponíveis para o estudo das sociedades antigas, possibilitando que mais dados e materiais pudessem ser preservados e chegassem até nós. Contando com times interdisciplinares e arqueólogos especializados nesse tipo de trabalho de campo, quase sempre associados a importantes instituições britânicas de pesquisa e conservação como universidades e museus ou fundos para a preservação de patrimônio histórico, os

43 enterramentos com carros identificados nas décadas da segunda metade do século XX trouxeram consigo históricos de descobertas plurais. Ora correspondiam a um achado dentro de um processo maior de escavações em áreas circunvizinhas (assentamentos, cemitérios, etc.); ora suas descobertas foram intencionalmente estudadas e planejadas, analisando-se possibilidades e probabilidades e, em alguns outros casos, trataram-se de um mero fruto do acaso, misto de acidente, surpresa e sorte.