• Nenhum resultado encontrado

DAS BIOGRAFIAS DE CIDADE À UMA NOVA HISTÓRIA URBANA

CAPÍTULO 1 DA EMPRESA BANDEIRANTE À CIDADE INDUSTRIAL A HISTÓRIA URBANA DE SÃO PAULO

3. FASES E MATRIZES DE UMA HISTÓRIA URBANA Seja na intenção de elaborar a história das cidades num determinado tempo histórico, seja na vontade

3.1. DAS BIOGRAFIAS DE CIDADE À UMA NOVA HISTÓRIA URBANA

Entender os processos urbanos, ou a história de uma cidade, era o interesse daquele jovem norte- -americano ao chegar em São Paulo no inal de 1947. Escrever a biograia de São Paulo foi o que ele supostamente fez, e assim se intitulam seus livros em 1954 e 1958, vendo São Paulo na esteira da metropolização americana. A comparação da capital paulista com as cidades norte-americanas não era propriamente uma novidade. Já no inal do século 19, auge da imigração estrangeira para a cidade, um viajante dizia: “São Paulo é a expressão do espírito yankee amenizado e perfumado pela

graça do gosto italiano”97. Na pena dos escritores ou no pincel dos artistas a comparação tornara-

-se corrente na década de 1920, como imagem desejada e representada tanto nas crônicas, prosa ou poesia, como nas telas modernistas. São Paulo parecia se americanizar com arranha-céus que deixavam para trás “a cidade das rótulas e das estudantadas”, transformando-se numa cidade “prá- tica, elétrica, yankeezada”, em uma palavra, “moderna”98. Um perspicaz poeta francês ao visitá-la,

encantou-se imediatamente com o que viu, resumindo assim o ritmo das coisas por ali:

[...] Só contam este apetite furioso esta coniança absoluta este otimismo esta audácia este tra- balho este labor esta especulação que fazem construir dez casas por hora de todos os estilos ridículos grotescos belos grandes pequenos norte sul egípcio ianque cubista

Sem outra preocupação que a de seguir as estatísticas prever o futuro o conforto a utilidade a mais-valia e atrair uma grande imigração

[...] As duas três velhas casas portuguesas que sobram são faianças azuis.99

Um século antes o crescimento desenfreado de Chicago também havia impactado seus contemporâneos:

Em 1850, [Chicago] tinha uma população de 26 mil habitantes. Em 1856, quando airmava

97 Henri Raffard, Alguns dias na Paulicéia [1890]. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 1977.

98 Hélios, “As serenatas” (Correio Paulistano, 09/12/1919), entre outras crônicas citadas em Ana Castro, A São Paulo de Menotti del Picchia: arquitetura, arte e cidade nas crônicas de um modernista, São Paulo: Alameda Editorial, 2008, pp.112-4. Ali mostro também como a imagem era confrontada com outra, da cidade caipira e provinciana que teimava em existir/ resistir.

99 Blaise Cendrars, “Adoro esta cidade”. In: Carlos Augusto Calil e T. Thieriot (orgs.), Etc..., Etc... (Um livro 100% brasileiro). Antologia de textos de Blaise Cendrars, São Paulo: Perspectiva/Secretaria de Estado da Cultura, 1976.

ser o primeiro mercado de grãos no mundo, o primeiro mercado de madeiras no mundo, a terceira cidade em rendas de serviços postais no país, a melhor comunicação ferroviária no país – que é o que o país tem melhor do mundo – , quando sua população era de mais de 90 mil habitantes – seu lema [continua sendo] ‘ainda AVANTE; e seu destino, entre as estrelas’”.100

“Fenômenos” urbanos que impressionavam, as grandes cidades tornaram-se objeto de interesse por parte de historiadores norte-americanos de modo mais frequente apenas na dé- cada de 1930. O trabalho considerado fundador dos “estudos de história urbana” naquele país é o livro The Rise of the City 1878-1898, de Arthur Schlesinger (1888-1965), publicado em 1933. Não se pretendendo porém uma “história urbana”, o livro fazia parte da coleção “History of American

Life” publicada em 13 volumes sobre a história da América. Mas por cobrir o período entre 1878

e 1898, justamente o de urbanização mais intensa, focalizava uma das importantes dimensões da experiência social norte-americana, a urbana101. Partindo do seminal estudo de Frederick Jackson

Turner (1867-1932) sobre a formação da nação102 – que estabelecera na conquista do oeste o ele-

mento fundamental daquele “povo” – Schlesinger buscou reescrever a história do país valendo-se da hipótese de que essa história não se explicava somente pela ocupação inicial da costa leste. Sem discordar da importância do avanço da fronteira oeste para a constituição da nação, atribuía entre- tanto pela primeira vez nesse processo um peso à fundação de cidades.

Schlesinger condensou sua perspectiva sobre o tema do ponto de vista historiográico em um artigo publicado em 1940103. Citava ali uma carta que recebera do próprio Turner – na qual

esse historiador airmava ser necessária “uma reinterpretação da história urbana dos EUA” – para mostrar-se não apenas autorizado, mas impelido a explorar um tema até então negligenciado, subli-

100 Publicado em As Others See Chicago. Impressions of Visitors, 1673-1933, organizado por Bessie L. Pierce em 1933, revela como Chicago era vista como fenômeno mesmo contemporaneamente ao seu crescimento. Esse texto apócrifo chama-se “Chicago in the ifties”. Não à toa portanto o desenvolvimento da sociologia e da antropologia da chamada Escola de Chicago da Universidade de Chicago, como veremos no capítulo 3.

101 Arthur Schlesinger, The Rise of the City 1878-1898. New York: MacMillan, 1933. A esse respeito, cf. Bruce Stave, “Introduction”. In: The Making of Urban History. Historiography Trought Oral History, Conversation with… Bervelly Hills/ London: Sage, 1977, pp. 13-32 e Charles Glaab, “O historiador e a cidade norte-americana: estudo biblográico”. In: Phillip Hauser & Leo Schnore, Estudos de urbanização. São Paulo: Pioneira, 1965, pp. 49-74.

102 The Frontier in American History (1920). Bruce Stave mostra que para Turner e seus seguidores as cidades tiveram um papel secundário na formação da nação, negligenciando-se o “tema urbano” por uma geração ou mais de historia- dores e estudantes. Stave, op. cit., 1977, p. 17.

nhando a constante interação entre o campo e a cidade no processo de alargamento das fronteiras do país104. Com efeito, não se trataria de desenvolver uma interpretação urbana para a história dos

Estados Unidos que desprezasse a “tese da fronteira”, mas sim de valorizar o papel das cidades105,

já que elas teriam funcionado como uma verdadeira “válvula de escape”, “lugar da reforma social” onde as “responsabilidades coletivas eram encorajadas”, em contraste com o “individualismo ca- racterístico da fronteira”, onde não haveria “controle”106. Decorria daí, portanto, a importância das

cidades como formadoras do caráter americano. Em seu papel civilizador, poderíamos acrescentar. A fronteira, desse novo ponto de vista, contribuíra para o avanço do país; mas teria sido nas cidades fundadas durante aquele processo que

os homens encontravam uma série de oportunidades para seus talentos, oportunidade para cultivar as artes e os negócios da vida. Porta de entrada de colonos e de bens vindos da Europa, a cidade também foi o maior porto de entrada para os ideais e os padrões europeus de gosto.107

Uma espécie de luta da civilização contra a barbárie (que se pode lembrar, caracterizara a compreensão do estabelecimento de cidades na América Hispânica), ou talvez apenas o lugar privilegiado para o estabelecimento do self-made man na América. Se na Europa o desenvolvimen- to urbano ocorrera de forma lenta e gradual como oposição ao mundo rural feudal, na América, segundo Schlesinger, pulavam-se etapas. Vivia-se um momento distinto, não mais de competição, como o fora na Idade Média, mas de interação entre os mundos rural e urbano. Disso decorreria a necessidade de se investir em um novo campo de estudos, para que se compreendesse tal processo com mais atenção e propriedade108.

104 Id., p. 43. A carta de Turner, escrita em 1925, era recuperada poe ele de modo a dar respaldo à necessidade da his- tória urbana num país onde os estudos históricos até então sempre tinham privilegiado a dimensão do avanço, menos que da ixação, na conquista do Oeste, justamente pela força do trabalho daquele historiador.

105 Uma década depois, era a partir dessa percepção que outra pioneira dos estudos urbanos nos EUA, Constance M. Green, iniciava seu curso na Universidade de Londres sobre o crescimento das cidades na América: “O rápido crescimento das cidades é uma característica história norte-americana não menos signiicante e dramático que a rápi- da marcha para o oeste”. Constance Green, American Cities in the Growth of the Nation. Londres: The Athlone Press/ University of London, 1957, p.2.

106 Schlesinger , op. cit., 1940, p.43. 107 Id., Ibid.

108 Id., Ibid. O historiador Stanley Stein, que foi aluno de Schlesinger e depois viria ao Brasil pesquisar a cultura ca- feeira a partir de um núcleo urbano determinado – Vassouras – descreve a importância que o historiador dava a cultura material, ao realizar seus trabalhos sobre as cidades norte-americanas, defendendo a importância de se prestar atenção

Nos anos seguintes, uma série de estudos históricos urbanos aparecem, segundo Bruce Stave seguindo as linhas desenhadas por Schlesinger, enfatizando os acontecimentos nacionais dentro de uma estrutura urbana particular. Trabalhos monográicos, a maior parte sobre as cidades desenvolvidas no último século109 – aliás, a maioria das cidades americanas –, mas também sobre

cidades coloniais110 seriam então publicados no país111. Foram esses trabalhos, que pretendiam con-

tribuir para o entendimento da formação e do desenvolvimento da nação, que num certo momento passaram a serem chamados de “biograias de cidade”112. Se Richard Morse buscou escrever a bio-

graia de São Paulo, é lícito supor que partisse dali, ao menos como referência inaugural. Entender o que pretendiam e como efetivamente se coniguraram aqueles primeiros estudos contribui aqui para circunscrever a abordagem de Morse sobre a capital paulista.

Se um biógrafo estudava o crescimento e o desenvolvimento de um ser humano des- de o seu nascimento, também os biógrafos urbanos deveriam buscar investigar o crescimento e o desenvolvimento de cidades especíicas em suas trajetórias, a partir de seu nascimento (a metáfora não seria desperdiçada), quer dizer, de sua fundação113. Compreendiam as cidades como “entida-

des orgânicas” – mas essa perspectiva não era propriamente uma novidade – tanto Patrick Geddes

na sutileza das pequenas alterações tecnológicas que gradualmente mudariam a face do país: a ferrovia, o bonde, etc… O que certamente auxiliou Stein em sua abordagem sobre Vassouras, embora do seu próprio ponto de vista, ele tenha feito um “estudo de comunidade” nos moldes da Escola de Chicago. Cf. Stein, Mehy, op. cit., 1990, p. 84.

109 Stave, op. cit., 1977, p.18. Alguns exemplos dados por Schlesinger: Bessie Pierce, A History of Chicago (1937, 3 v.); Leland Baldwin, Pittsburgh: a History of a City (1937); Sidney Pomeranz, New York, an American City (1938); Constance Green, Holyoke, Massachusetts: a Case History of The Industrial Revolution in America (1939); Gerald Carpers, The Biography of a River Town: Memphis, Its Heroic Age (1939); Charles Hirschfeld, Baltimore, 1870-1900: Studies in Social History (1941); Blake McKelvey, Rochester: the Growth of a City (1945-61, 4 v.); Rollin Osterweiss, Three centuries of New Haven, 1638-1938 (1953). Cf. Schlesinger , op. cit., 1940.

110 Schlesinger listaria os seguintes trabalhos sobre as cidades coloniais naqueles anos: Michael Kraus, Intercolonial Aspects of American Culture on the Eve of the Revolution with Special Reference to the Northernt Towns (1928); Carl Bridenhaugh, Cities in the Wilderness, The First Century of Urban Life in America, 1625-1742 (1938); Ernest S. Grifith, History of American City Government. The Colonial Period (1938); Virginia Harrington, The New York Merchant on the Eve of the Revolution (1935); Leila Sellers, Charleston Business on the Eve of the Revolution (1934). Id., p. 44.

111 Isso sem contar a produção de textos que buscavam sintetizar e interpretar a experiência urbana norte-americana de modo mais geral, não focado em uma cidade particular. Stave, op. cit., 1977.

112 Vale dizer que apenas em 1974 é que surge o Journal of Urban History – o que demonstra o longo caminho de insti- tucionalização dos estudos históricos urbanos nos EUA, na verdade. Id., Ibid. Morse publicaria um artigo no número 1 da revista, “Brazil’s Urban Development, Colony and Empire” (pp.39-72), republicado em A. J. R. Russel-Wood (Ed.), From Colony to Nation, Essays on the Independence of Brazil. Baltimore: Johns Hopkins, 1974, pp. 155-81).

como Marcel Pöete (1866-1950) já haviam esboçado uma visão evolucionista e organicista da ci- dade, tomando-a como um ser vivo a ser regulamentado pelo urbanismo, enfoque compartilhado por Pierre Lavedan (1885-1982), para quem a cidade moderna era uma história de degeneração produzida pela industrialização114. Muitas vezes as analogias se ampliavam e o próprio país era

entendido como o corpo da nação, onde cada cidade podia desempenhar uma função vital: o cérebro, o coração, o fígado, etc., buscando-se na soma dos casos especíicos o entendimento do país. Um defensor desse tipo de estudo naqueles anos, tomando o tema como de fundamental interesse, chegou a airmar:

Depois de um ano de estudo sobre Memphis, convenci-me de que uma biograia adequada de

nossas principais cidades – Nova York, Chicago, Nova Orleans, São Francisco, Kansas City e mais uma dezena delas – signiicaria mais à nação do que a biograia de uma igura, mesmo tão proeminente como Theodor Roosevelt. [...] Esta tarefa tão importante, ainda que interesse ao sociólogo, ao economista, ao genealogista e ao literato, é primeira e fundamental tarefa do historiador – ta- refa que foi negligenciada até agora115.

Desde as metrópoles nacionais, como Nova York ou Chicago; às metrópoles locais, como Memphis, no caminho do rio Mississipi, ou Pittsbourgh, na Pensylvania; até às cidades menos conhecidas, como Holyoke, nascida no século 19 no bojo da revolução industrial; toda e qualquer cidade podia ser alvo de interesse para os historiadores. Dois exemplos podem nos ajudar a escla- recer o sentido dessas biograias. Com o estudo sistemático de Holyoke, a historiadora Constance Green (1897-1975) abordou o desenvolvimento de uma economia industrial baseada nas fábricas de tecidos da Nova Inglaterra, esmiuçando o início da industrialização norte-americana a partir de um lugar preciso. Green buscava estabelecer a formação do espírito capitalista no Novo Mundo, o lugar dos Estados Unidos no sistema industrial mundial, etc., lagrando a partir daquela pequena cidade a formação do próprio ethos americano. Em outra oportunidade, ao observar a evolução urbana de Chicago, a mesma autora ressaltava a consolidação desse espírito industrioso e ousado, que a seu ver caracterizava o norte-americano, por meio de pequenos exemplos que mostravam como aquela cidade havia sobrevivido aos desaios colocados ao longo de sua história. Isso se dera, segundo a historiadora, por conta de seus habitantes, que diferentemente dos de Holyoke, soube-

114 Cf. Almandoz, op. cit., 2003. Pensamento informado pelo vitalismo alemão de um Spengler, estaria presente em muitos autores que pensaram as cidades, como Lewis Mumford e na própria Escola de Chicago, ao criar a teoria da Ecologia urbana. Volto ao ponto no capítulo 3.

ram se “reinventar” a cada novo desaio, conseguindo manter a importância de Chicago ao longo da história116. Green defendia nesses estudos que cada cidade tinha uma “personalidade”, passível

de ser delineada por técnicas historiográicas.

Morse queria entender como e porque São Paulo se tornara uma das principais cidades da América Latina na metade do século 20, inscrevendo sua evolução urbana num amplo recorte tem- poral, exatamente o que aqueles historiadores vinham fazendo. Em 1952, ainda que apenas cinco his- toriadores – o já citado Arthur Schlesinger, além de Allan Nevins (1890-1971), Stull Holt (1896-1981), Bessie Pierce (1887-1967) e Bayard Still (1906-?) – conduzissem algum seminário ou curso sobre história urbana nas universidades americanas, já aparece um primeiro artigo de revisão bibliográica:

O despertar do interesse acadêmico que ocorreu neste campo é evidenciado pela publicação a partir de 1930 de 40 volumes do que poderia ser chamado de biograia urbana – todos obras de

caráter acadêmico lidando com determinadas cidades – além de outra dezena de bons livros de história

urbana em um escopo mais amplo. Também artigos importantes sobre cidades têm aparecido em várias revistas históricas, e o professor Bayrd Still, que está preparando uma ampla biblio- graia sobre o assunto, listou 25 títulos de teses de doutorado em andamento ou recentemente concluídas sobre temas urbanos em vários programas de pós-graduação em todo o país.117

Blake McKelvey (1903-2000), autor do referido artigo, airmava que a tarefa do histo- riador ao estudar as cidades era traçar “as forças e as direções do movimento social humano” para entender o papel da vida urbana no desenvolvimento de uma determinada sociedade, e não buscar deinir padrões inlexíveis como faziam os sociólogos já há mais tempo – preocupação também presente em Morse como vimos –, citando como exemplo o artigo de Louis Wirth (1897-1952), “Urbanism as a Way of Life” [Urbanismo como forma de vida] de 1938118. McKelvey veriicava

tendências diversas que haviam surgido desde o trabalho inaugural de Schlesinger, mas ao mesmo tempo buscava pontuar as características comuns que poderiam conigurar um campo de estudos. Entretanto, em um seminário dedicado à história urbana em Harvard, ocorrido em 1962, Oscar Handlin (1915-2011), um de seus organizadores, avaliava que até aquele momento o desenvolvimento histórico das cidades tinha recebido apenas atenção esporádica119. Para Handlin,

116 Estes “casos” são os capítulos sobre Holyoke e Chicago do livro de Constance Green sobre as cidades america- nas (Cf. Green, op. cit., 1957).

117 Blake McKelvey, “Urban History Today”, The American Historical Review, v. 57, n. 4, jul., 1952, pp. 919-929, grifo meu. 118 Id., Ibid.

os arqueólogos e os historiadores haviam eventualmente conseguido reconstruir as formas urbanas, promovendo descrições razoáveis da evolução física das cidades ao longo dos períodos históricos, mas o que não se tinha feito até então, adequada e metodicamente, era a discussão das razões para o desenvolvimento daquelas formas, bem como o estabelecimento das relações com a vida vivida nas mesmas. Justamente o que Morse buscara fazer em seu estudo. Ainda segundo a crítica de Handlin, o que havia até então era na maioria das vezes estudos tendenciosos e especulativos que não tinham documentação nem métodos adequados. E o que por ventura escapasse disso, apresentando maior qualidade, carecera de continuidade120.

De fato, ao inal da década de 1960 as biograias começavam a ser vistas como a “velha história urbana”, em contraposição a uma “nova história urbana”, cujo marco nos Estados Unidos foi a publicação de Nineteenth-Century Cities, editado por Stephan Thernstrom (1934- ) e Richard Sennett (1943- ) em 1969. O livro introduziria novos enfoques, resultado da renovação historiográ- ica da década de 1960 que atingia também o objeto “cidade”. No prefácio, os autores airmavam entretanto ser prematuro falar em uma “nova história urbana”, mas reconheciam que o campo estava num momento de “criativa fermentação”. Novas questões, novos métodos, novas fontes e jovens scholars davam o tom121. O livro era o resultado de outra conferência, desta vez acontecida

em Yale no ano anterior – com a presença de Morse entre os expositores – e oferecia, segundo os organizadores, “numerosos insights nas dimensões sociais da urbanização, abrindo um grande nú- mero de novas questões que mereceriam ser exploradas dali em diante”, unindo pela primeira vez historiadores e sociólogos preocupados com a questão urbana122. “Classe urbana e padrões de mo-

torian and the city” foi também o título do seminário. O instituto, fundado em 1959 em cooperação entre o MIT e a Harvard University para desenvolver pesquisas em problemas urbanos e regionais, incluía pesquisadores dos campos da arquitetura, administração, engenharia, planejamento urbano, economia, história, direito, ilosoia, ciências políticas e sociologia. Editou livros que se tornaram clássicos nos estudos das cidades, como por exemplo o de Morton e Lucia White, The Intellectual versus the City. From Thomas Jefferson to Frank Lloyd Wright (1962).

120 Id. Ibid.

121 Stephan Therstrom & Richard Sennett (Eds.), Nineteenth-Century Cities: Essays in the new Urban History. New Haven/ London: Yale Universty Press, 1969. Da renovação mais geral, entre outros, a trilogia organizada em 1974 por Jacques Le Goff e Pierre Nora, Faire de l’[a] histoireé um exemplo importante (Cf. História: Novos Problemas, Novas Abordagens,

Novos Objetos. São Paulo: Francisco Alves, 1976). A esse respeito, cf. a antologia de textos da Nova História organizada por Fernando Novais e Rogério Forastieri Silva, op. cit., 2010.

122 Id., p. vii. Ainda nos países de língua inglesa, vale notar que na Inglaterra, o marco de surgimento de uma histó- ria urbana é o grupo de historiadores da Universidade de Leicester, capitaneados por Harold Dyos (1921-1978), que em 1963 fundaria a Urban History Newsletter. Cf. Luís Octávio da Silva, “História urbana: uma revisão da literatura em inglês”, Eure, Santiago, v. 28, n. 83, mai., 2002, pp. 31-44.

bilidade”; “Padrões residenciais urbanos”; “Elites urbanas e controle político” e “Famílias urbanas” foram as chamadas de trabalho que o seminário propôs para se pensar as cidades industriais – ten- dendo para uma certa “especialização” das abordagens. Menos de dez anos antes, Oscar Handlin notara que parecia ainda ser difícil separar a história da cidade do estabelecimento dos estados na- cionais, da industrialização, ou da secularização da cultura. Mas dizia não ter dúvida que as cidades precisavam ser tratadas como entidades particulares, como “forças operando na história”123.