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A LITERATURA NO HORIZONTE Além da experiência das viagens sempre retomada em entrevistas e depoimentos, alguns nomes dos

CAPÍTULO 2 DA AMÉRICA A SÃO PAULO UMA HISTÓRIA CULTURAL

2. A LITERATURA NO HORIZONTE Além da experiência das viagens sempre retomada em entrevistas e depoimentos, alguns nomes dos

anos de graduação surgem nas lembranças de Morse como fundamentais para deinir os caminhos que o levam para a América Latina, e para a eleição da literatura como forma de entendê-la mais profundamente. Se nas férias o jovem estudante foi conhecendo um a um os países do continente americano, acercando-se de assuntos que podiam ir da política de controle cambial ao sistema edu-

63 Se até então falamos de um interesse pela América Latina e pela “latinidade”, há que se estender isso para o mundo ibérico – Espanha e Portugal – no que estes países contribuíram para a formação da cultura latino-americana. Vale recuperar a explicação de Paulo Roberto de Almeida sobre esta terminologia, para mostrar a sutileza das diferenças e a complexidade das deinições: “os estudos luso-brasileiros nos EUA são agrupados sob a categoria ‘hispânica’, não em virtude de uma ‘ignorância generalizadora’ dos anglo-saxões mas por motivo de uma discussão e de uma classiicação cuidadosamente manejada por scholars americanos – alguns deles de origem ibérica, diga-se de passagem – no começo do século 20, em contraposição aos rótulos igualmente deformadores ou também simpliicadamente redutores de ‘latino-americanos’ ou de ‘ibero-americanos’”, Almeida, op. cit., 2002, pp. 34-5. Para uma deinição de América Latina, cf. Alain Rouqué, América Latina. Introdución al Extremo Occidente (Trad. Rosa Cusminsky de Cendero). Buenos Aires: Siglo XXI, 1989, pp. 17-37.

cacional de um país vizinho64, durante o período letivo, curiosamente, parece ter sido a literatura

a sua verdadeira paixão. O encantamento com o mundo ibero-americano despertado nas viagens completava-se, ou talvez tenha se formalizado, no contato com dois professores do Departamento de Língua e Literatura Românicas de Princeton, os críticos de origem hispânica Augusto Centeno (1901-?)65 e Américo Castro (1885-1972)66. Ambos seriam invocados por Morse como responsáveis

por introduzi-lo na grande tradição da cultura ibérica, apresentando-lhe autores clássicos e moder- nos e despertando a sua curiosidade para temas até então quase desconhecidos, por meio de cursos que teriam sido – como ele mesmo deiniu – uma “janela que se abria para um novo mundo”. Centeno teria sido importante para a sua formação porque “não analisava a História só por época e gêneros [...], selecionava tópicos para mostrar o que considerava constante da cultura ibérica, sua essência”, fazendo-lhe entender que a cultura hispânica não era “atrasada”. “Dom Américo”, por sua vez, teria fornecido as primeiras “noções para pensar a ‘cultura ibérica’ reforç[ando as] ideias humanísticas que já possuía”67. Morse tomava contato ali, pela primeira vez, com autores de língua

espanhola, mergulhando por meio da sua literatura em um novo mundo cultural.

Contudo, não apenas os professores de origem ibérica aparecem nessas lembranças. Também os new critics estabelecidos naqueles anos em Princeton e que revolucionariam a crítica lite-

rária norte-americana dali em diante teriam desempenhado um papel na atração do jovem estudante

64 Tema de seus estudos no Chile e no México, respectivamente, nas férias de verão de 1941 e de 1942. Cf. Hugh Hamill, Paul Goodwin e Bruce Stave, “A Conversation with Richard M. Morse”, Journal of Urban History, v. 2, n.3, mai., 1976, pp. 331-56, pp.332-4.

65 Escritor e crítico literário, autor de The Intent of the artist (1941), um dos primeiros estrangeiros a lecionar no De- partamento de Línguas e Literaturas Românicas, o espanhol Centeno chega a Princeton em 1923 e logo se torna um popular conferencista e um apreciado orientador (Princeton University, The Department of Romance Languages and Literatures, http://etcweb.princeton.edu/CampusWWW/Companion/romance_languages_literatures_departament. htm. Acesso 13/08/2011).

66 Filologista e crítico literário espanhol, nascido no Brasil, autor, entre outros de The Spaniards: An Introduction to their His- tory (1948), Américo de Castro estudava a história da Espanha moderna e teria “revolucionado a historiograia espanhola com sua tese de que a Espanha teria nascido da relação simbiótica entre três ‘castas’ medievais: os cristãos, os muçulmanos e os judeus” (Princeton University, The Department of Romance Languages and Literatures, http://etcweb.princeton. edu/CampusWWW/Companion/romance_languages_literatures_department.html. Acesso 13/08/2011).

67 Morse apud Mehy, op. cit., p. 143. Na entrevista ao Journal of Urban History Morse cita ambos os professores como responsáveis por “legitimarem” sua simpatia e interesse pela América Latina, fazendo-o entender como ali havia um tema de estudo possível. Goodwin, Hamill e Stave, op.cit, 1976, p. 331.

de história pelo campo literário. Allen Tate (1899-1979)68 e Richard Palmer Blackmur (1904-1965)69,

reconhecidos posteriormente como importantes representantes do new criticism norte-americano, àqueles anos elaboravam ferramentas para a compreensão e a análise literárias, propondo novas abordagens para o tema. Além de críticos, ambos foram também poetas e, menos que compreender o contexto de formulação dos textos ou a personalidade dos autores, buscavam analisar os textos valorizando mais diretamente a narrativa, ou, dito de outro modo, a forma literária70.

Mas mais que entender essas novas ferramentas de análise, interessa notar que os new critics foram majoritariamente homens do sul que buscavam construir um espaço próprio para a

“sua” cultura num país que se modernizava a partir das perspectivas da costa leste (pelo menos desde a Guerra da Secessão acontecida quase cem anos antes). Ao dominar a sociedade norte-ame- ricana, essa perspectiva parecia apagar especiicidades regionais sob uma capa de modernização que do ponto de vista daqueles críticos signiicava apenas a homogeneização do país. Allen Tate foi um desses sulistas, e para Morse, “estava muito consciente da história, do signiicado da guerra civil etc.”, sendo autor de biograias de famosos líderes da região71. Assim como Blackmur, que nas bio-

68 Poeta-residente em Princeton até 1942. Autor de On the Limits of Poetry: Selected Essays: 1928-1948 (1948), livro cita- do por Morse em seu trabalho sobre São Paulo. Em 1939, Princeton formaliza o Creative Arts Program, e Tate se torna o primeiro pesquisador residente. O programa era reservado aos alunos com aptidões artísticas (plásticas, teatrais ou literárias) para que trabalhassem diretamente com artistas e pudessem desenvolver essas aptidões. (Princeton Univer- sity, Department of English, http://etcweb.princeton.edu/CampusWWW/ Companion/english_department.html e The Creative Arts Program, http://etcweb.princeton.edu/Campus WWW/Companion/creative_arts_program.html. Acesso 13/08/2011). Morse frequentaria o programa de Creative Writing em Princeton sob a supervisão de Tate e posteriormente de Blackmur (programa que passa a ter esse nome apenas posteriormente, quando se divide em Lite- ratura, Artes Visuais e Teatro/Dança).

69 Professor de literatura inglesa em Princeton desde 1940. Seu primeiro livro de críticas, The Double Agent: Essays in Craft and Elucidation (1935), inluenciaria vários críticos e poetas modernistas norte-americanos e “marcaria o início do que icou conhecido como New Criticism [...] direcionando a atenção dos alunos para uma detalhada análise da linguagem literária.” (Princeton University, Blackmur, Richard P., http://etcweb.princeton.edu/CampusWWW/Companion /bla- ckmur_richard_p.html. Acesso 13/08/2011).

70 Estas as características que congregaram esses intelectuais sob uma nova perspectiva crítica que, rompendo com padrões de análise vindos do século 19, levaria a uma certa autonomização da obra literária. Tal postura acabou por re- formular não apenas a crítica mas ainda o ensino da literatura na universidade norte-americana, com consequências que não vem ao caso aqui. Sobre o new criticism e a sua importância na cultura norte-americana, cf. entre outros Cristhopher Brookman, American Culture and Society since the 1930’s, Londres/Nova York: MacMiliam, 1984.

71 Bomeny, op. cit., 1989, p. 80. Como nota Brooks, ele mesmo um crítico contemporâneo de Tate e Blackmur, “Allen Tate sai do estereótipo, mostrando desde o início um grande interesse na história. Dois de seus primeiros livros são biograias e muitos de seus ensaios posteriores estão preocupados com a história cultural”, cf. Cleanth Brooks, “The New Criticism”, The Sewanee Review, v. 87, n. 4, Fall, 1979, pp. 592-607, p. 594.

graias que também escrevera (de Henry Adams e Henry James) “tinha a noção exata do signiicado histórico” daquelas vidas72. Para quem frequentava os seus seminários, como Morse frequentou,

seria perceptível não só uma consciência histórica latente – justamente o que em geral se nota como ausente nesses críticos, mostrando como a nova crítica foi lida numa chave redutora73 –, mas, mais

importante, como o historiador se identiicou com intelectuais que de certa forma se opunham à sociedade de massa que então se estabelecia nos Estados Unidos naquele momento. Esses homens do sul, numa ultra-elitista Princeton, tentavam revalorizar uma América que não tinha mais espa- ço com a intensiicação do processo de modernização. Para tanto, defendiam a reconstrução de um ideal humanista que parecia ter se perdido, fosse pela especialização dos estudos acadêmicos (que os próprios new critics contribuíram para efetivar entretanto); fosse pelo avanço da sociedade

capitalista e a consequente homogeneização e atomização do indivíduo no mundo, que causava a perda das referências e das identidades particulares. Como consequência do raciocínio, vemos que esses intelectuais acabavam também por indiretamente revalorizar a própria sociedade patriarcal escravista do sul do país, ao proporem recuperar seus valores. Claro que não se tratava da defesa da escravidão, certamente indefensável, mas sim da busca de um ethos patriarcal perdido – em algum sentido mais humanista – e que parecia não ter espaço no mundo contemporâneo norte-americano.

Na perspectiva do grupo, o sul dos Estados Unidos oferecia uma “ordem social alternativa àquela dominante na América moderna”, a qual engendrava uma conciliação entre passado e presente, entre antigo e moderno. O capitalismo moderno se tornava cada vez mais técnico e agressivo, e impedia a construção de um humanismo moderno [...] e a [própria] análise literária aparecia como um modo de resistência.74

72 Mas ambos, segundo Morse, teriam sido postos “um pouco à margem da universidade porque eram escritores ‘criativos’”. Bomeny, op. cit., 1989, p. 80.

73 Cf. Brooks, op. cit., 1979. Para esse autor, obviamente que o estudo de como determinada obra surgiu, a vida de um autor, a história do gosto, e mesmo o desenvolvimento de convenções e das ideias literárias, eram temas impor- tantes de serem pesquisados. O que acontecia é que um certo número dos novos críticos de fato preferiu se dirigir para a escrita em particular e não para o escritor, e tenha considerado como a tarefa da crítica literária a interpretação e a avaliação do texto literário, e não todas as outras possibilidades citadas antes.

74 Cf. Thiago Nicodemo, “Alegoria Moderna: consciência histórica e iguração do passado na crítica literária de Sergio Buarque de Holanda”, Tese (doutorado), Departamento de História, FFLCH, USP, 2010, pp. 28 e ss. O autor completa: “Para os new critics uma das maiores consequências do mundo industrial era justamente a perda desse sen- tido amplo da vida, que a crítica podia ajudar a restaurar reestruturando os parâmetros analíticos da obra de arte”. Nicodemo ressalta ainda evidente semelhança com o modernismo de Gilberto Freyre, elaborado na sua experiência justamente no Texas.

Temas e atitudes que buscavam expressar a voz dos “perdedores” num mundo moder- no-capitalista e que fazem parte do universo intelectual no qual Richard Morse se constituiu e com o qual se identiicou, o que nos ajuda a compreender o fascínio do jovem estudante de História por aqueles professores de Literatura. A lição maior que Morse aprenderia com os novos críticos era que “a análise da forma podia revelar signiicados para o historiador que seriam inacessíveis a quem icasse apenas no nível das ideias, do conteúdo discursivo”75. Ou, como já disse certa vez um

intelectual brasileiro sobre a “noção de forma” em Antonio Candido – entendida como o “prin- cípio mediador responsável pela junção de romance e sociedade” –, a forma literária teria também um interesse histórico por ser “parte dos dois planos, organizando em profundidade os dados da icção e do real”:

vem daí o alcance mimético da composição, que não existiria se ela não fosse imitação de algo já organizado, e não reprodução documentária de eventos brutos; assim, o que a estrutura lite- rária “imita” é por sua vez uma estrutura; noutras palavras, mais exatas, “antes de tudo intuída e objetivada pelo romancista”, a forma que o crítico estuda foi produzida pelo processo social, mesmo que ninguém saiba dela.76

Disso a potência “explicativa” percebida por Morse ao valer-se da literatura para en- tender a cidade e a sociedade paulistas. Se foi no contato com a literatura que o jovem se tornou historiador, pode-se airmar que “em seus anos de aprendizado” Richard Morse “aprende somente uma coisa, sem dúvida decisiva, aprende a se formar”77. E nessa formação, ou nessas lembranças,

o que de imediato salta aos olhos é a recorrência com que a literatura é mobilizada como um campo

de interesses, enquanto os historiadores de ofício quase não aparecem. À exceção de Munro, que lhe

dera uma carta de apresentação para chegar ao Chile em 1942, e de Woodrow Borah (1912-1999)78,

75 A frase é de Carl Schorske, sobre seu próprio contato com os new critics em outra universidade americana naqueles anos, e cabe como uma luva para a apreciação do contato de Morse com essa vertente crítica. cf. Schorske, “O autor: encontro com a história”. In: Pensando com a história, São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.42.

76 Paulo Arantes, O sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira. São Paulo: Paz e Terra, 1992, p.42.

77 Recupero aqui a relexão de Antoine Berman sobre a viagem do anos de juventude de Wilhelm Meister no romance de Goethe, como se sabe, o “romance de formação” (bildungroman) por excelência, citada por Suarez, op. cit., 2006, p. 193. 78 Historiador e demógrafo, especialista em América pré-hispânica (estudara os efeitos demográicos da conquista calculando a perda populacional dos povos autóctones), Borah vai para a School of Public and International Affaires da Universidade de Princeton em 1941, após defender uma tese de doutorado sobre a indústria da seda no México em 1940. A tese seria publicada pela University of California Press em 1943 como Silk Raising in Colonial Mexico (Cf. Eric Van Young, “Woodrow Wilson Borah”, Mexican Studies/Estudios Mexicanos, v. 16, n. 2, Summer, 2000, pp. 227-237).

seu tutor no trabalho de conclusão da graduação em 1943 – lembrados por estes episódios especí- icos –, do seu ponto de vista foram sem dúvida os críticos literários que o formaram.

Mas será que essa paixão pela literatura era algo tão incomum naqueles anos? Desde an- tes da Primeira Guerra, o ambiente universitário nas escolas de elite nos Estados Unidos, a despeito da crescente especialização que se veriicava com o passar das décadas, implicava numa formação cultural de cunho universalista. Em cada um desses campi jornais e revistas literárias eram escritos e editados pelos alunos, que podiam assim exercitar seus dotes mais ou menos “artísticos” e praticar um certo beletrismo, como uma das formas importantes da sociabilidade universitária. No roman- ce Este lado do paraíso, Scott Fitzgerald (1896-1940) narrava a vida de um norte-americano de elite em Princeton, as suas dúvidas prévias em relação a que Universidade escolher (Yale? Princeton? Columbia? Harvard?), seus poemas publicados na Nassau Literary (a mesma revista em que Morse publica suas peças e contos) ou em outro órgão qualquer dos estudantes, e mais do que isso, o co- tidiano de festas, clubes, competições e namoros dos alunos ricos e bem-nascidos, dos WASP, dos judeus, dos arrivistas, dos menos afortunados, convivendo durante os anos de juventude dentro daquela cidadela neogótica à uma hora e meia de distância de Nova York, que os servia como a metrópole em contraponto79. É icção, é irônico, mas tem interesse imaginarmos com Fitzgerald o

cotidiano universitário daquelas décadas. Fica patente como a literatura tem um peso na vida dos estudantes. “Escrever” lhes dava outro status, tornando-os mais importantes perante os colegas, os professores, as namoradas. Vale à pena recuperar alguns trechos do romance para precisar o ponto:

Desejo ir para Princeton – disse Amory. – Não sei por que razão, mas penso em todos os ho- mens de Harvard como sendo um tanto efeminados, como eu costumava ser, e em todos os homens de Yale como gente que usa grandes sweaters azuis e fuma cachimbo.

[...]

– Oh, em Princeton a gente tem que engolir tudo durante o primeiro ano. É como uma maldita escola secundária. – Amory concordou./ – Mas isto aqui é muito estimulante – insistiu. – Nem por um milhão eu iria para Yale./ – Nem eu./ – Você pretende fazer alguma coisa de especial? – indagou Amory dirigindo-se ao irmão mais velho./ – Eu não. Mas o meu irmão aqui preten- de colaborar no Prince... no Daily Princetonian.

[...]

Amory constatou que o escrever para o Nassau Literary Magazine não o conduziria a parte al-

guma, mas que o fazer parte da direção do Daily Princetonian signiicaria grande coisa. Seu vago

desejo de representar peças imortais na Associação Dramática Inglesa se dissipou, ao veriicar que as inteligências e os talentos mais engenhosos se agrupavam em torno do Triangle Club, uma organização de comédias musicais [...].80

79 Scott Fizgerald, Este lado do paraíso [1920]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962. 80 Id., respectivamente: p. 27; pp.41-2; p.47.

Desse modo, a recorrência do papel da literatura nas lembranças dos anos de gradua- ção de Richard Morse vai ganhar mais sentido, me parece, se confrontada com os desdobramentos de sua trajetória, durante seu doutoramento em Columbia após o im da Guerra, e principalmente no contato com um mundo universitário menos proissionalizado, ou em vias de, como aquele que o historiador dublê de escritor encontra no Brasil nos anos seguintes. Mas antes ainda deve-se notar que a despeito de tamanho “interesse literário”, foi com uma especialização na School of Public Affairs que Morse terminou a graduação em 1943. Essa instituição multidisciplinar – fundada em

1930 a partir da interação entre os departamentos de História, Ciências Políticas e Economia – ti- nha por objetivo formar quadros para a administração pública81. O tema do trabalho de conclusão

do futuro autor de The Narrowest Street vinha de uma das suas viagens de pesquisa feitas durante

as férias, quando investigara o sistema de ensino das escolas pós-Revolução no México. Com isso, Morse se graduava como “técnico” competente para atuar numa América ávida por conhecer seus vizinhos do sul, deixando para trás o estudante encantado por lugares e culturas exóticos.

Antes de se decidir qual rumo proissional tomar, os Estados Unidos entram na Guerra e Richard Morse é enviado como mariner da esquadra norte-americana para o Pacíico em 1943,

81 Funcionando como uma agência de inanciamento de pesquisas, após a guerra passaria a ser chamada de Woo- drow Wilson School of Public and International Affairs, oferecendo “cursos de graduação e pós-graduação, contribuindo para a formulação de pesquisas originais num amplo e variado campo de estudos relacionados com administração pública e negócios internacionais”. As bolsas mais comuns eram as chamadas “‘Summer scholarships’, para as quais ofe- receriam suporte de pesquisa e viagem”. (http://diglib.princeton.edu/ead/getEad?id=ark:/88435/hd76s007s. Acesso 20/06/2011).

onde permaneceu por dois anos82. Nesse período, como vimos, o historiador reelaborou sua breve porém diversa experiência latino-americana (especialmente cubana) numa peça de teatro que tra- tava do cotidiano de uma família remediada em Havana a partir da vida de dois irmãos, Violeta e Fernando83. Dain Borges, ao analisar esse texto, mostra que ambos os personagens são de alguma maneira alter-ego do jovem autor que numa espécie de “etnograia imaginativa” se colocava diante daquela cidade para relatar o que vivia. A partir dessa leitura, vemos como Morse reconhece e ressalta ali certas características da vida cubana que mais tarde aparecem na “etnograia histórica” (parafraseando Borges) que o historiador fará em São Paulo: as relações raciais de alguma forma apaziguadas, a animada vida de rua, as relações cordiais entre vizinhos – o que o ex-aluno de Morse chamou de “sociologização discreta” da vida na cidade – como índices da comunidade na metrópo- le84. Justamente quando o historiador se aproxima do presente em suas análises, no capítulo inal do seu livro sobre São Paulo, é que essa perspectiva ganha relevo. Comparando o que via nos trópicos com sua experiência norte-americana, Morse podia uma vez mais se espantar com as diferenças,