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CAPÍTULO I DIREITOS HUMANOS E TRIBUTAÇÃO

1.5 Das funções dos tributos

Os tributos que integram o Sistema Tributário Nacional são instrumentos de manutenção da máquina pública. Sem eles, o Estado não poderia realizar os seus fins sociais, e ainda utilizá-los como relevante instrumento de intervenção na economia, considerando a evolução natural das necessidades coletivas, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões.

66 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar e

Tratados Internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 70-71.

Hugo de Brito Machado discorre sobre a utilização dos tributos no mundo moderno, nos seguintes termos:

O objetivo do tributo sempre foi o de carrear recursos financeiros para o Estado. No mundo moderno, todavia, o tributo é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na economia. No estágio atual das finanças públicas, dificilmente um tributo é utilizado apenas como instrumento de arrecadação. Pode ser a arrecadação o seu principal objetivo, mas não único. Por outro lado, segundo lição prevalente na doutrina, também o tributo é utilizado como fonte de recursos destinados ao custeio de atividades que, em princípio, não são próprias do Estado, mas este as desenvolve, por intermédio de entidades específicas, no mais das vezes com a forma de autarquia. É o caso, por exemplo, da previdência social, do sistema financeiro de habitação, da organização sindical, do programa de integração social, entre outros. 68

O conceito de tributo encontra-se no art. 3º do Código Tributário Nacional, in verbis:

Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Ocorre que, apesar de o Estado precisar cumprir com os ditames previstos na Constituição Federal, e tendo nos tributos o meio de concretizar isso, nem sempre eles apresentam a função meramente arrecadatória.

Assim, os tributos se distinguem quanto aos seus objetivos principais, que podem ser fiscal ou extrafiscal.

Assim, para melhor compreensão das funções dos tributos, passa-se a discorrer sobre tais funções.

1.5.1 Função Fiscal

A função fiscal dos tributos está ligada diretamente à atividade financeira do Estado, ou seja, obter recursos de modo a financiar as atividades estatais.

Ao se referir sobre a finalidade arrecadatória dos recursos no Direito Tributário, Marcus de Freitas Gouvêa ensina que:

No Estado Democrático de Direito, que obedece ao regime constitucional, que valoriza a livre iniciativa e o direito de propriedade, que adora o

capitalismo como sistema econômico, cujas regras impedem, ou limitam severamente a atividade econômica estatal, seja como proprietário dos meios de produção, seja como agente econômico, é axiomático adotar-se a tributação como forma de obtenção de recursos para financiar a concretização dos fins estatais.69

Nesse contexto, são denominados fiscais, os tributos com vistas ao provimento de recursos para o Estado com o propósito de financiar sua atividade e custeio da rede de serviços públicos.

Explicando essa finalidade meramente arrecadatória dos tributos, Marcos Aurélio Pereira Valadão, menciona que:

A imposição, arrecadação e destinação das receitas decorrentes desses tributos é matéria que interessa diretamente ao Direito Financeiro e ao Direito Tributário. Contudo, deve ser observado que nenhuma forma de tributação é completamente impermeável à ordem econômica, porquanto o simples retirar recursos da população e sua passagem à mão do Estado, mesmo que o Estado nada faça de investimento, e simplesmente gaste, resulta em interferência na economia do país. Veja-se que a tributação, ainda que vise somente à arrecadação, interfere, no mínimo, na formação dos preços e na renda disponível. 70

Bernardo Ribeiro de Moraes identifica os tributos fiscais como tributos neutros, à medida que não têm por objetivo qualquer ingerência de cunho econômico ou social, limitando-se à angariação de fundos para o custeio do Estado:

Os impostos fiscais são denominados, também, impostos neutros, porque não intervém na ordem social e econômico. Obter recursos para o atendimento dos fins do Estado é a finalidade normal, natural, fiscal, de todo imposto. A economia clássica, condenando em princípio toda intromissão do Estado no desenvolvimento econômico, propugna pelo imposto como instrumento exclusivamente financeiro, para servir como carreador de receitas públicas necessárias para as despesas do Estado, não para outros fins. 71

O tributo fiscal visa tão somente à arrecadação de recursos financeiros para os cofres públicos, seu principal objetivo é sustentar os encargos que são próprios do órgão da administração, ou seja, para financiar as suas atividades públicas, o Estado institui tributos. Sendo essa a explicação do porquê de sua criação, e no que

69 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A Extrafiscalidade no Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 43.

70 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar e

Tratados Internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 100.

71 MORAES, Bernardo Ribeiro. Compêndio de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 70.

consiste a sua principal função, que vem a ser a geração de recursos financeiros para o Estado.

Porém, a grande maioria dos tributos, independente da finalidade de sua criação, possuem função fiscal, não há como desvincular o tributo dessa função. No entanto, existem tributos que são criados com essa função específica.

1.5.2 Função extrafiscal

A tributação pode ocorrer também com outro enfoque além da arrecadação, que é tão importante quanto este e que é encontrado nos tributos quando utilizados como forma de indução de comportamentos, seja através do aumento ou da diminuição de alíquotas, alteração da base de cálculo, seja pela isenção, pela redução ou outro meio utilizado pelo legislador.

Na visão de Misabel Derzi72,

Costuma-se denominar de extrafiscal aquele tributo que não almeja, prioritariamente, prover o Estado dos meios financeiros adequados a seu custeio, mas antes visa ordenar a propriedade de acordo com a sua função social ou a intervir em dados conjunturais (injetando ou absorvendo a moeda em circulação) ou estruturais da economia. Para isso, o ordenamento jurídico, a doutrina e jurisprudência têm reconhecido ao legislador tributário a faculdade de estimular ou desestimular comportamentos, por meio de uma tributação progressiva ou regressiva, ou da concessão de benefício e incentivos fiscais. A Constituição expressamente os admite para promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do país (art. 151, I) determina ainda que o imposto territorial rural seja utilizado com fins extrafiscais, colimando alcançar a produtividade da propriedade rural, assim como autoriza a progressividade do imposto sobre a propriedade predial e territorial rural, para assegurar a função social da propriedade.

A função extrafiscal não é mera discricionariedade do legislador, ela está traçada na Constituição Federal e, para a sua implementação, faz-se necessário o respeito às exigências constitucionais, evitando, dessa forma, abusos por parte do executivo, no sentido de estabelecer tributos nominados como extrafiscais, mas que possuam uma função marcadamente fiscal.

Sobre o aspecto da Constituição Federal, Leandro Paulsen73 traz à baila o

fundamento constitucional da função extrafiscal:

72 DERZI, Misabel. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 78.

73 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014. p. 105.

Na Constituição Federal, embora não haja um tratamento da extrafiscalidade em geral, há dispositivos que indicam a utilização extrafiscal da tributação: a) na outorga de competência relativa à contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE), quando resta evidente o intuito de, através da tributação, viabilizar políticas econômicas ou influenciar no sentido da obtenção de efeitos econômicos desejados; b) nas exceções às anterioridades de exercício e/ou nonagesimal mínima e nas atenuações à legalidade relativamente a impostos capazes de atuar como reguladores da produção de bens (IPI), do comércio internacional (II e IE) e da demanda monetária (IOF), atribuindo-se ao executivo prerrogativas para a ágil alteração da legislação respectiva; c) na previsão de que os impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) e territorial rural (ITR) sejam utilizados de modo a induzir o cumprimento da função social da propriedade; d) na previsão de benefícios fiscais de incentivo regional (art. 151, I); e) na determinação de estímulo ao cooperativismo (arts. 146, III, c, e 174, §2º). f) no estimulo e na indução ao cumprimento a função social da propriedade (art. 170, III, e 182, §4º, II). Ademais, poderia o legislador, por exemplo, para promover a saúde, o direito de todos e dever do Estado (art. 196 da CF) estabelecer isenção de COFINS para hospitais ou isentar do IPI os remédios.

A extrafiscalidade encontra-se ligada a valores constitucionais e podem decorrer de isenções, benefícios fiscais, progressividade de alíquotas, entre outros institutos tributários que podem ser utilizados para realização de políticas sociais ou econômicas sem fins arrecadatórios.

A corroborar com o exposto, insta transcrever o entendimento de Marcus de Freitas Gouvêa74:

O tributo não é instrumento a ser utilizado de forma aleatória, senão na busca de valores constitucionais. [...], são os objetivos constitucionais que preenchem o conteúdo da extrafiscalidade, vale dizer, dar caráter extrafiscal à norma tributária, são diversos. A Constituição é rica em disposições prescritivas, ou normas programáticas e chega, em alguns momentos específicos, como no art. 153, §4º, inciso I ou no art. 182, §4º, a reconhecer explicitamente a possibilidade de utilização do instrumento tributário nas políticas públicas.

Contudo, apesar de a extrafiscalidade possuir objetivo diverso, há uma ligação indissolúvel com a funções, haja vista os tributos, em regra, não devem se desvincular de sua função inerente a fiscalidade. Isso quer dizer que, nos casos em que há extrafiscalidade, a arrecadação é superada pela objetivação de outros fins, havendo uma substituição do interesse meramente pecuniário pelo interesse público.

Sendo assim, a função extrafiscal deve ser vista como o uso dos tributos para fins não fiscais, mas com vistas a ordenar e disciplinar comportamentos,

74 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A Extrafiscalidade no Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 20.

objetivando o alcance de metas alheias à arrecadação financeira.

Não há consenso em relação aos tributos que possuem função predominantemente extrafiscal, há doutrinadores, como Hugo de Brito Machado75,

que apontam apenas o Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados, o IOF- sigla para designar Imposto sobre Operações de Crédito, câmbio, seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários e as CIDEs- que são as contribuições de intervenção.

A extrafiscalidade, assim como a fiscalidade, são instrumentos de implementação de políticas públicas, que visa induzir determinados comportamentos, e dessa forma, garantir que situações que possam trazer danos à economia e a outros setores da sociedade possam ser corrigidas ou inibidas.