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6.1 ANÁLISE SEGUNDO AS TEORIAS LOCALISTA E DOS PROTÓTIPOS

6.1.5 De do latim de

Cunha (1991) não alista o prefixo de-. Ferreira (1999), por sua vez, esclarece que de- deriva-se do latim, no qual tinha a mesma forma. Como preposição, trata-se de uma partícula altamente produtiva no português, como demonstram os estudos de Poggio (2002).

O prefixo latino de-, por sua vez, deriva-se do indo-europeu *de , *do, no qual tinha um uso prepositivo e pospositivo.

De acordo com Romanelli (1964), as seguintes acepções eram próprias do prefixo de-:

1) Movimento de cima para baixo, descida, queda: decurro (‘descer correndo’). 2) Afastamento, separação, donde repulsa, aversão: decedo (‘ir-se embora, retirar-

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se’).

3) Diminuição, redução, donde desgaste: decresço (‘decrescer’, ‘diminuir’). 4) Privação, negação, donde antonímia: deleo (‘apagar, riscar, raspar’).

5) Acabamento, consumação: debello (‘terminar a guerra com vitória’, ‘vencer’). 6) Intensidade: deamo (‘gostar muito’, ‘amar’).

7) Sentido zero (elemento protético): dealbo (‘branquear’).

Romanelli (1964) explica, no prefácio do seu livro, que primeiro alista a acepção mais antiga do prefixo e depois as que se derivaram desse uso mais antigo. Percebe-se, portanto, que, de acordo com os dados apresentados por esse autor, o de- partiu de uma acepção espacial (de- ‘movimento de cima para baixo ’) para sentidos mais abstratos, o que atesta a teoria localista.

Poggio (2002) lista várias acepções para o de prepositivo no século XIV, de cunho espacial, temporal e de qualidade. Contudo, o uso do de- como prefixo não se revelou muito produtivo nas formações portuguesas nos corpora analisados. No século XVII, não foi registrada nenhuma ocorrência e, no século XVIII, quatro, em dois vocábulos e em duas acepções distintas, conforme os quadros e os exemplos abaixo:

SÉCULO XIV SÉCULO XVII SÉCULO XVIII

ACEPÇÃO (de) DSG (PREPOSIÇÃO) CV (PREFIXO) CS (PREFIXO)

Espaço: ponto de partida/afastamento

X Espaço: localização X Espaço: movimento vertical X Espaço: proveniência X Espaço: proximidade X Espaço: situação intermédia X Espaço: em torno de X Espaço: situação superior X Espaço: situação anterior X Espaço: situação exterior X

Espaço: separação X

Tempo : localização X Tempo : ponto de partida X

Tempo : duração X Qualidade : modo X Qualidade : instrumento X Qualidade : assunto X Qualidade : causa X Qualidade : privação, hostilidade X

Quadro 30 - Comparação da preposição de (séc. XIV) com o prefixo de- (séc. XVII e XVIII).

PREFIXO DE CV CS

Número total de ocorrências 0 4

Espaço: separação 0 1

Qualidade: privação, hostilidade 0 3

Quadro 31 - Quantitativo das ocorrências do prefixo de- nos séculos XVII e XVIII.

Espaço: separação

[...] que se execute a demarcação geral ordenada por Vossa Excelência [...] (CS, p. 101, l. 8).

Qualidade : privação, hostilidade

[...] que manda devassar pelo crime de rapto, sedução, aliciação, solicitação e defloramento [...] (CS, p. 170, l. 65)35.

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Conforme os quadros e os exemplos acima, houve um discreto aumento do uso e, conseqüentemente, do grau de gramaticalização, do prefixo de- no século XVIII, em relação ao século XVII, sendo necessário pesquisar sincronias posteriores para se observar a continuidade ou não dessa tendência.

Nas poucas ocorrências do prefixo de- nos corpora, prevalece, como nos demais prefixos analisados até aqui, a noção de qualidade, ao passo que, no século XIV, predominava, para o uso prepositivo de de, a acepção espacial, o que apóia a trajetória de mudança semântica apontada pelos localistas, já considerada.

Nos séculos XIX e XX, o uso do de- continuou pouco produtivo, pois apenas três vocábulos distintos e duas possibilidades semânticas para esse prefixo foram encontrados. Contudo, houve um acentuado aumento no número de ocorrências, como mostram as tabelas abaixo.

ACEPÇÃO (de) SÉCULO XIX

(LDE) SÉCULO XX DPN1 (1974- 1978). SÉCULO XX DPN2 (1998-2000) Qualidade : mudança de estado X Elemento protético X X X

Quadro 32 – Acepções para o prefixo de- encontradas nos séculos XVII e XVIII.

PREFIXO CONTRA LDE DPN1 DPN2

Número Total de ocorrências 6 23 2

Qualidade: mudança de estado 0 4 0

Elemento protético 6 19 2

Quadro 33 - Quantitativo das ocorrências do prefixo de- nos séculos XIX e XX.

O total de ocorrências do prefixo de- nos séculos XVII e XVIII é de apenas quatro, enquanto que nos séculos XIX e XX, trinta e uma. Assim, nos séculos mais recentes analisados nesta pesquisa, a forma de- passou a ser usada com mais freqüência, o que indica um aumento do nível de gramaticalização desse item gramatical. Inclusive, como indica o quadro 33, o prefixo de- ocorreu na maioria dos casos como elemento protético, ou seja, não acrescentando ao vocábulo um valor semântico aparente, evidenciando que o item de- vem

passando por um acentuado processo de abstratização. Isso atesta a premissa localista de que determinados itens abstratizam-se continuamente com o decorrer do tempo.

Referente à teoria dos protótipos, nota-se que o prefixo de- não manifesta nenhuma acepção de cunho espacial nos séculos XIX e XX, ao contrário do que acontece nos séculos XVII e XVIII e no uso preposicional desse elemento no século XIV, quando o uso prototípico de de- mostrou-se estar relacionado com a noção espacial, como mostra Poggio (2002), o que apóia o percurso de mudança semântica postulado pelos localistas. A seguir, exemplificam-se algumas ocorrências do prefixo de- nos corpora dos séculos XIX e XX.

Espaço: separação

Elemento protético

[...] Joaquim Nagô, denominado na sua terra Allade36 [...] (LDE., 6, l. 34 ).

[...] encanamento é a denominação genérica, encanamento [...] (DPN1, p. 215, l.753).

[...] eles costumam usar cueca e que também tem a denominação, aquelas de algodão [...] (DPN2, p. 3, l. 83)37.

Vale acrescentar que o avanço da gramaticalização e, conseqüentemente, ampliação do campo semântico do prefixo de- pode ser notado, quando se faz uma comparação entre os séculos XIX e XX. No século XIX, foram apenas uma ocorrência e um tipo de uso, enquanto que no século XX, período de 1974 a 1978, foram 23 ocorrências e dois tipos de uso (como elemento protético e significando ‘mudança de estado’). Esses dados parecem indicar que o português vem manifestando uma tendência de empregar o prefixo derivado da preposição de em um número maior de situações comunicativas.

36 Ferreira (1999) confirma que o prefixo de- no vocábulo denominar é protético, ou seja, não acrescenta à

palavra um valor semântico perceptível.

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