• Nenhum resultado encontrado

Este item baseia-se, principalmente, no texto de Castilho (1997). Nesse texto, Castilho teve como meta inicial apresentar, como ele mesmo explicou, um re-arranjo da teoria existente sobre a gramaticalização, separando os estágios dos princípios mais gerais que os regem. Ao explicitar os estágios de gramaticalização, Castilho toma como ponto de partida um quadro organizado por Lehmann (1982 apud CASTILHO, 1997), abaixo transcrito:

Nível Discurso > Sintaxe > Morfologia > Morfofonêmica > Zero Técnica isolante > analítico > sintético-aglutinante > sintético-flexional Fase Sintaticização Morfologização Desmorfemização Processo GRAMATICALIZAÇÃO

Quadro 6 - Fases da gramaticalização

complexidade e autonomia de um signo lingüístico durante o processo de gramaticalização. Partindo do discurso, no qual os itens lingüísticos desfrutam do mais alto grau de autonomia e complexidade, as palavras podem, gradativamente, perder essas características, especialmente, em virtude do processo de rotinização, podendo chegar, inclusive, ao estágio zero, momento final do processo de gramaticalização.

Excluindo a consideração do discurso, Castilho (1997) detalha os processos apontados por Lehmann, conforme mostrado no quadro abaixo:

PROCESSOS DE GRAMATICALIZAÇÃO

ALTERAÇÕES GRAMATICAIS

ESTÁGIO DEFINIÇÃO SUBDIVISÃO

Sintaticização A sintaticização de um item lexical é a sua recategorização, sua

categorização funcional e suas relações intersentenciais

Recategorização: classe de palavra X passa à classe de palavra Y Categorização funcional: atribuição de propriedades funcionais a aspectos da sintaxe Relações intersentenciais : a

gramaticalização das relações intersentenciais dispõe as coordenadas e subordinadas num continuum que parte da coordenação perfeita à

subordinação por excelência. Morfologização Criação de formas presas, sejam

afixos flexionais, sejam afixos derivacionais

Redução fonológica Fusão de formas livres com outras formas livres e a sua transformação em formas presas

Estágio zero Momento máximo de exaustão da estrutura e anúncio da retomada do processo contínuo que é a

gramaticalização

ALTERAÇÕES SEMÂNTICAS

(perda do sentido original e o desenvolvimento de novos sentidos)

ESTÁGIO DEFINIÇÃO

Metáfora Transferência de um sentido A para um

sentido B, por haver alguma similaridade entre eles. Trata-se de um processo cognitivo.

Metonímia Mudança de sentido desencadeada por itens

associados sintaticamente

Quadro 7 - Estágios de gramaticalização, conforme explicação de Castilho (1997)

Na recategorização sintática, observa-se o continuum:

Categoria Maior (nome, verbo, pronome) > Categoria Mediana (adjetivo, advérbio)>Categoria Menor (preposição, conjunção, pronome)

Esse processo pode ser exemplificado da seguinte forma:

CAMPO DE ATUAÇÃO EXEMPLOS (do português)

Grupo verbal. Os casos mais relevantes para o fenômeno da gramaticalização seguem o continuum:

verbo pleno>verbo funcional> verbo auxiliar>clítico>afixo

- Verbo ser e estar, inicialmente locativos, usados como existenciais e possessivos, e que passam a verbos funcionais e a verbos auxiliares.

Grupo nominal - Verbos dão origem a nomes substantivos:

comer é bom.

Grupo pronominal - Generalização do pronome se para todas as pessoas: port. pop. Eu se alembro/ você se alembra/ele se alembra

Grupo adverbial Nome>advérbio, ou seja, nomes que passam a advérbios, como na expressão passo a passo. Grupo dos nexos Um nome pode passar pelo seguinte continuum:

N>N relacional>Preposição Secundária>Prep. Primária>clítico>afixo. Partes do corpo humano freqüentemente são reanalisadas como preposições secundárias – Nas costas de/em face de.

- Verbos dão origem a preposições: salvo, durante, exceto.

- Numeral ordinal>preposição: segundo

- Conjunções, que procedem de recategorização de várias outras classes: logo, de modo que etc.

Quadro 8 - Campos de atuação do processo de recategorização

A categorização funcional inclui, por exemplo, questões sobre topicalização e ordem dos constituintes funcionais.

São exemplos de relações intersentenciais as tênues relações entre as conjunções coordenativas explicativas e as subordinativas causais e entre as coordenativas adversativas e as subordinativas concessivas.

Como exemplo de morfologiza ção, Castilho (1997) cita a criação de morfemas de tempo, a partir de verbos auxiliares (criação de afixo flexional) e a morfologização do nome latino mente, que, passando por um processo de redução fonológica, tornou-se átono, cliticizando-se a adjetivos (criação de afixos derivacionais). A morfologização é um processo bastante recorrente nos processos de gramaticalização que criaram os prefixos derivados de preposições, como se notará no capítulo seis.

O processo de fonologização ou redução fonológica fa z com que determinados itens mais freqüentemente usados sejam geralmente mais curtos. Portanto, itens gramaticais são mais curtos que itens lexicais. Braga (1994 apud COSTA, 2003) vê, nesses casos, a atuação de um princípio icônico, ou seja, o princípio de que, ao conceito familiar, se atribui uma expressão reduzida. Costa (2003, p. 81) explica ainda que, muitas vezes, a fonologização “é acompanhada ou até mesmo explicitada pela perda da independência de acento e produz maior dependência do material circundante, produzindo aglutinações, fusões, cliticizações e afixações”.

O estágio zero é decorrente de um longo processo de gramaticalização que produz categorias fixas, rígidas, inalteráveis, e, portanto, antifuncionais. Mas, como categorias assim contrariam o aspecto dinâmico, re-elaborador, presente em todas as línguas, o que ocorre é a retomada do processo de gramaticalização a partir de um estágio anterior. Um exemplo é a formação de futuro na língua portuguesa. A desinência ei, proveniente da forma trissilábica latina habeo e que forma o futuro sintético (cantarei, falarei) está sofrendo forte concorrência da forma perifrástica de futuro (vou cantar, vou falar...) semelhante ao que existia no latim.

Quanto às alterações semânticas, ou seja, a perda do sentido original e o desenvolvimento de novos sentidos, Castilho (1997) considera a metáfora e a metonímia como processos cognitivos que são forças propulsoras da gramaticalização na língua portuguesa. Castilho (2003) afirma que esse aspecto da gramaticalização, de fato, não passa disso, “alterações”, nunca perda ou esvaimento semântico. Em alguns contextos, as alterações semânticas são leves, em outros, mais radicais, pois novos sentidos são desenvolvidos. Essas variações semânticas são facilmente percebidas nos casos de preposições que passaram a ser usadas como prefixos, como mostrará o capítulo seis da presente pesquisa.

Um processo metafórico ocorre, por exemplo, com a preposição de, que muitas vezes deixa de apresentar a noção de espaço físico para apresentar a noção de tempo e até acepções mais abstratas. As frases abaixo ilustram esse fenômeno.

- Carlos viajou de São Paulo para o Rio de Janeiro (ESPAÇO)

- Começando de seu nascimento, e durante toda a sua vida, aquele homem sofreu (TEMPO)

- João chorou de felicidade por ter vencido a corrida (CAUSA)

metáfora, do mais concreto para o mais abstrato, fenômeno freqüentemente observado nas formas preposicionais gramaticalizadas como prefixos.

Costa (2003, p. 62) acrescenta que:

A metáfora é um mecanismo muito importante nos estágios iniciais da gramaticalização, quando traço(s) semântico(s) de um item lexical autoriza(m) seu uso metafórico em função gramatical, ou melhor, quando um processo metafórico autoriza a transposição de traço(s) de um item lexical para um novo item gramatical.

Assim, é a generalização semântica de determinados traços, em maior ou menor grau, que permite o processo de gramaticalização. Como Costa (2003) explica, os elementos que passam pelo processo de generalização são usados mais freqüentemente, cabem em maior número de contextos e, em virtude disso, estão mais sujeitos à gramaticalização por desgaste semântico e/ou fônico, vindo a exibir significados mais abstratos, menos lexicais, mais relacionais.

A formação de conjunções geralmente exemplifica os processos metonímicos. A alteração advérbio de inclusão magis > conjunção adversativa mas derivou-se do uso freqüente de mas em contextos negativos, conforme explicado por Castilho (1997).