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CAPÍTULO 1 EDUCAÇÃO ESPECIAL E A EDUCAÇÃO DE SURDOS: INDICATIVOS HISTÓRICOS E

1.1 UM BREVE DEBATE SOBRE OS TERMOS

Bueno (2011) em seu livro “Educação Especial Brasileira: questões conceituais e da atualidade” faz uma discussão sobre as terminologias usadas na educação especial. Compreende que o termo “excepcional” tem duas vertentes que: 1) considera o termo mais adequado e menos estigmatizante do que outros; 2) considera como uma questão de maior precisão conceitual. A primeira destaca que o intuito do termo é o de substituir denominações estigmatizantes como “deficiente, prejudicado, diminuído” proveniente, principalmente, de publicações e influências norte-americanas.

O autor indica alguns teóricos e suas diferentes acepções da terminologia “excepcional”. Para Cruickshank (1988) o termo excepcional é um progresso na denominação, pois transfere o sentido qualitativo aos indivíduos os quais o termo se refere. Para Telford e Sawrey (1975) é uma questão meramente terminológica e Machado e Almeida (1969) afirmam que a denominação depende da escola. Bueno (2011) destaca a autora Jannuzzi (1985) como sendo a que melhor define o termo, pois afirma que a mudança de nomenclatura, pouco influenciou na compreensão da deficiencia, servindo como forma de amenizar, temporariamente, o seu sentido pejorativo.

Na segunda vertente, destacam que o termo veio substituir outros termos pejorativos como “deficiente, retardado e diminuído”. Mazzota (1982) fundamentado em uma pesquisa afirma que não há consenso no uso do termo e considera que o termo é específico do campo da educação. Jannuzzi (1985) vem esclarecer que a precisão do termo não representa uma maior compreensão para quem trabalha na área.

Bueno (2011) afirma que tanto uma vertente quanto a outra, são discussões apenas terminológicas, estáticas e a-históricas e propõe que essa análise deva ser feita vinculando a

“palavra e a realidade histórica”. Critica que as discussões têm deixado de lado as relações sociais concretas que determinam a criação do termo, sendo na realidade uma definição arbitrária.

Assim é que a substituição terminológica é usualmente encarada como reflexo de posições mais democráticas ou de crença nos valores humanitários, ou, mais ainda, responde unicamente ao desenvolvimento científico sem que se leve em conta que o conhecimento do homem sobre ele mesmo é construído sobre o fenômeno em que esse mesmo homem é também seu produtor. (BUENO, 2011, p. 38).

Assim, para esse autor, o conceito de excepcionalidade está sendo analisado de forma inadequada, na medida em que é tido como “mais preciso” ou “menos estigmatizante”. Essa visão desconsidera o aspecto social e ideológico embutido na palavra, que deve ser considerada a partir do “movimento histórico no qual ele passou a ser utilizado”. Como as influências brasileiras relativas à educação especial é predominantemente norte-americana, precisa-se conhecer o que ocorria nesse país, para entender o contexto de criação e uso histórico do conceito de excepcional. (BUENO, 2011, p.40)

Nos Estados Unidos, segundo Bueno (2011), nos anos 1930, a educação especial era realizada em instituições que atendiam determinado tipo de deficiência como “deficientes mentais, auditivos, visuais e físicos”. Foram incluídas como público, nos anos de 37 e 38 as “crianças com distúrbios de linguagem, os problemas especiais de saúde e superdotação”; nos anos 57 e 58, as com distúrbios emocionais e, em 78, as com distúrbios de aprendizagem.

O autor destaca que uma das primeiras contradições é a inserção dos superdotados no campo dos excepcionais, já que eles se situam em uma condição melhor do que os comumente atendidos. Dessa forma, não há coerência na utilização de denominações como “deficientes ou diminuídos”. A inserção desse público pode ter influenciado a mudança conceitual, para que se tornasse menos pejorativa. Continua problematizando e indaga: mas qual seria então, a razão do não atendimento dos superdotados no sistema regular de ensino?

A explicação de alguns autores de que os superdotados precisavam ser separados, pois seriam futuros expoentes da sociedade, não convence Bueno (2011), pois afirma que a condição da classe social desse aluno é que irá determinar sua posição social. Além disso, questiona considerarem as condições inatas como determinantes, quando o que irá influir serão as condições sociais, que levarão os chamados “excepcionais” a uma educação mais eficiente. Para o autor:

Na realidade, a retirada dos “superdotados” da escola regular acompanha o movimento de rebaixamento da qualidade do ensino, justamente quando se possibilita o acesso das camadas populares a ele. Nesse sentido, a verdadeira distinção não se situa no trinômio deficiente mental-normal-superdotado, mas na relação talentosos-não talentosos. (BUENO, 2011, p. 41).

Esse atendimento aos superdotados deu-se no mesmo período em que aumentou o número de atendimento aos deficientes mentais e, dos que tinham distúrbios de aprendizagem, nos Estados Unidos. Analisando o número de atendimentos, percebeu-se que os deficientes mentais tinham índices inferiores aos superdotados. Como os primeiros eram provenientes das camadas menos favorecidas e, os segundos, das mais favorecidas economicamente, esse percentual representava um direcionamento dos recursos que ia em maior quantidade para onde apresentava um maior número de atendidos. Bueno (2011) afirma que a inserção dos superdotados no atendimento da educação especial cumpre 3 funções, quais sejam:

 a de oferecer escolaridade de alto nível às crianças das camadas superiores, encobrindo, sob o discurso da “preparação de superdotados abstratos oriundos de qualquer camada social”, a sua função fundamental, que é a de manter a direção da sociedade pela preparação de suas elites intelectuais;

 a de servir de acobertamento à baixa qualidade da escola regular, pois, na medida em que retiram das salas de aula os “intelectualmente superiores”, que, “por mera coincidência”, são também os que pertencem, na sua maioria, à elite, permite que se perpetuem as práticas rotinizadas e de baixa qualidade destinadas à grande massa;

 a de reforçar a visão de que as dificuldades escolares das crianças oriundas das camadas populares se situam no âmbito da potencialidade individual, pois não situa historicamente a problemática do rendimento escolar, atribuindo-a a um nível abstrato de inteligência. (BUENO, 2011, p. 42).

Dessa forma, a inserção e/ou exclusão de uma determinada categoria de pessoas no campo dos excepcionais, seria uma questão muito mais de ajustamento às desigualdades de classe do que realmente uma condição, proveniente da especificidade da pessoa em si. Esse controle oferece educação diferenciada, conforme os interesses da classe dominante, a fim de controlar os mais desfavorecidos e, privilegiar as elites, mesmo dos chamados “excepcionais”. Questiona também a inserção dos distúrbios de fala, pois como está relacionada a questões fonológicas e de distúrbios neurológicos, estão vinculados a questões relativas a linguagem. O autor justifica baseado em Soares (1986), que essa inserção deve-se a grande incidência dessas excepcionalidades nas camadas populares, o que marca uma segregação de classe, fundamentada no critério da deficiência. Assim, a educação assume um caráter compensatório, devido à “carência cultural” desses indivíduos. Bueno (2011) conclui:

O que se verifica, então, é que o número de crianças incluídas na educação especial, em razão de distúrbios de linguagem, cresceu de forma impressionante, justamente na época em que as minorias étnicas passaram a exigir oportunidades de ingresso na escola para seus filhos. Como os distúrbios de linguagem originados por deficiência mental, física e auditiva foram classificados nessas respectivas modalidades, pode-se concluir, com razoável segurança, que grande parte da população definida como “portadora de distúrbios de linguagem” devia se referir aos “retardos de desenvolvimento de linguagem” oriundos pela “carência cultural”. (BUENO, 2011, p. 44). (grifos do autor)

Os distúrbios emocionais e sociais também são analisados por Bueno (2011), começando pelo problema de identifica-los, já que vários fatores de conduta e de condições

sociais podem ser definidos como emocionais e/ou sociais. Apesar de Cruickshank (1988) considerar esses distúrbios independentes de questões sociais, raciais ou culturais, Bueno (2011) afirma que essa visão escamoteia um problema de ordem socioeconômica, desconsiderando as condições de vida concreta.

Tendo em vista o debate exposto por Bueno (2011) é perceptível que se tem buscado justificar o fracasso escolar de uma educação tradicional e elitista, pelas chamadas excepcionalidades. A confusão na denominação é para buscar, cada vez mais, abarcar mais pessoas da classe popular dentro dessa gama de “deficiências” ou, como tem sido usado atualmente de “necessidades educativas especiais”.

Nesta tese, uso o termo “deficiente” para me referir ao público da educação especial e utilizei as demais nomenclaturas, conforme a obra e/ou autor, a qual estou fazendo referência. No entanto, não debato se está certo ou errado, pois concordo com Jannuzzi (2006) quando afirma que esses debates, pouco trazem de contribuição para a educação dessas pessoas. Além disso, foge aos meus objetivos adentrar no referido debate.

No que tange a denominação “mais apropriada” para os indivíduos surdos, há, assim como, na educação especial, várias denominações. O parâmetro para a identificação tem sido basicamente dois: 1) o grau de perda auditiva, e o período no qual o indivíduo perdeu a audição (pré-linguístico e pós-linguístico), que acarreta na denominação de deficiente auditivo; 2) no uso da Língua de Sinais, que identifica esses indivíduos como sendo surdos.

Concordo com Bueno (1998), ao afirmar que a surdez não pode ser o fator de determinação de que um grupo de indivíduos possa ser identificado como: usuários da língua de sinais; pertencentes à uma comunidade e cultural e comungando de uma mesma identidade. A surdez é um dos fatores que identificam um sujeito, no entanto, não é o único, nem o determinante. O indivíduo como ser social, pertence à uma classe, tem um gênero, uma raça, tem credos etc. Dessa forma, a determinação tomando como base apenas a surdez, é limitante dos demais fatores que constituem a realidade concreta desse indivíduo.

No entanto, não comungo da ideia indicada pelo mesmo autor, de que a surdez seja “uma condição intrinsecamente adversa”. O autor acredita que mesmo a surdez não podendo ser confundida como uma doença não pode ser caracterizada com outras diferenças como a negritude ou a homossexualidade. Mas, a surdez deve ser compreendida como “condição intrinsecamente adversa” devido aos seus efeitos e suas restrições sociais, imposta pelo meio social. Bueno (1998) problematiza a questão, mas não a desenvolve.

A questão da terminologia deve sim, ser analisada como afirma Bueno (1998) de forma crítica, de modo que a análise não tenha como critério apenas a surdez em si mesma. No entanto, apesar de termos no sistema de saúde vacinas que previnam doenças que podem levar a surdez, principalmente, no período da gestação, não pode ser considerada como sendo adversa. Primeiro, porque a surdez não é ocasionada apenas por doenças, podendo ser proveniente de uma fatalidade, a qual qualquer um de nós está sujeito. Segundo, porque não pode ser determinada como adversa, apenas pelo fator biológico, fisiológico.

Quero sim, distanciar-me da visão essencialista que limita a surdez em si mesma e categoriza esses indivíduos que não ouvem, tomando como base um único critério. No entanto, não compreendo que seja uma condição adversa, na medida em que corroborando com a ideia de Vigotski (1983) e de Marx (2012), até mesmo a função de nossos órgãos é atribuída socialmente2. Identificar a surdez como “uma condição intrinsecamente adversa” é determiná-la, unicamente, pelo fator biológico do não ouvir, além disso, pré-determina suas consequências como adversas. A adversidade ou não, será proveniente da realidade material concreta, na qual esse indivíduo faz parte e não da surdez em si mesma.

Essa visão incorre no mesmo equívoco que foi realizado na determinação da surdez como diferença ou como deficiência, que limita as características do indivíduo por um único fator. É equivocada porque a determinação, na visão do “intrinsecamente adversa” é feita pelo fator biológico, como afirmando ser a surdez algo negativo e, por conseguinte, já antecipando suas consequências como problemáticas.

Sendo o indivíduo um ser social e histórico, determinado pelos fatores de classe, cultura, gênero e raça, afirmar que sua condição biológica é adversa é, no mínimo, desconsiderar todos esses fatores como determinantes do sujeito.

O debate sobre a denominação mais adequada é complicado, na medida em que, sempre a denominação irá privilegiar um dos aspectos em detrimento dos outros. Conceituo esses indivíduos como surdos, partindo não da surdez como diferença, nem tampouco, como “condição intrinsecamente adversa”. Mas, partindo da surdez como fato de não ouvir, único fator realmente dado pela realidade empírica, que é irrefutável. Não quero com essa denominação, afirmar que pertencem, naturalmente, a uma determinada cultura, que automaticamente dominam a língua de sinais e identificam-se como uma comunidade, que compartilham a mesma identidade. Irei expor que essas denominações são incompatíveis com

o referencial marxista, sustentado em Vigotski (1983) adotado por mim, na presente pesquisa e, indicado como norteador das pesquisas tidas como objeto de investigação desta tese.

O sujeito surdo é um sujeito que não ouve. No entanto, é um sujeito social e histórico que vive em uma sociedade permeada de contradições, que cria desigualdades diversas, por ser regida pelo modo de produção capitalista. A individualidade, o psiquismo e a linguagem serão determinados por essa disputa de classes, cujas regras ditadas pelo capital, ultrapassam os limites econômicos e determinam as relações humanas em todos os seus aspectos.

Meu interesse foi esclarecer que a surdez é um fato biológico, que a negação disso, não leva a lugar nenhum. Também quis esclarecer, que apesar desse fato ser dado, ele não é determinante na vida de um indivíduo. Assim, não criarei nomenclatura nova, mas, farei o esclarecimento de que a surdez na qual estou me referindo, parte dessa compreensão. Compreensão essa, que entende o indivíduo como ser social, que será determinado em sua completude por suas relações com o trabalho, com a natureza e com os outros indivíduos, em uma sociedade capitalista.

Assim, é desse lugar que parto e é dessa compreensão de surdez que escrevo. Ao longo do texto, quando fizer análises e afirmações, indicarei o termo surdo, no entanto, usarei as respectivas denominações, conforme a utilização do autor, cuja obra estou fundamentado minha discussão. Mas, não adentrarei mais no debate se é “certo ou errado”, pois penso que essa discussão não perpassa pelos objetivos traçados para minha investigação.

Inseri a presente discussão, pois acredito que até mesmo as denominações, que são pretensamente neutras e são compreendidas, como buscando serem menos excludentes, têm atendido aos interesses de classe. A busca em nome da não segregação e da inclusão tem atendido aos interesses do capital, na desestruturação da educação e na tentativa de justificar o fracasso escolar, por meio de denominações cada vez mais abrangentes e pulverizadas.

Passarei agora para o debate em torno da educação especial e da educação de surdos, apontando seus determinantes históricos.