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EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO DE SURDOS

CAPÍTULO 1 EDUCAÇÃO ESPECIAL E A EDUCAÇÃO DE SURDOS: INDICATIVOS HISTÓRICOS E

1.2 EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO DE SURDOS

A educação especial tem sido tratada como uma questão paralela à educação comum, e, assim como a educação de surdos, a maioria das produções tem sido baseada, segundo Bueno (2011) em um cientificismo neutro, em que o excepcional é visto como um indivíduo diferente e a educação especial seria um progresso alcançado pela sociedade

moderna, na direção de atender o excepcional3. Outro aspecto destacado é que essa história é desvinculada da educação geral e de seus determinantes sociais, políticos e econômicos.

As análises da história dos excepcionais e da educação especial dissociadas de seus determinantes históricos, segundo Bueno (2011), cumprem o papel de: 1) isola-los da realidade concreta e 2) destacar essas “condições como paradigma da interpretação”. Dessa forma, a história é contada como um progresso contínuo de benefícios aos excepcionais. Servindo, assim, como um aliado das classes dominantes, na sociedade capitalista.

A história da educação de surdos é indicada por alguns personagens que foram preceptores dos surdos de famílias nobres, que realizavam um processo de desmutização do surdo. Bueno (2011) especifica o que consistiu, a princípio, a educação do surdo:

É preciso, também, distinguir o que significa educar crianças surdas nessa época. Enquanto que, para as crianças ouvintes, a educação se constituía no ensino de leitura, gramática, matemática e artes liberais, a educação de seus irmãos surdos se confinava basicamente a técnicas de desmutização ou substituição da fala por gestos, que parece corresponder muito mais à recuperação da doença. De qualquer forma, não se pode negar que foi nesse período que se passou a ter uma preocupação e uma atuação sistemáticas no processo de comunicação de crianças surdas. (BUENO, 2011, p. 72).

O fato de algumas pessoas terem se dedicado com mais afinco à educação dos surdos no século XVI e XVII, não quer dizer que não tenha havido antes um processo de educação dessas crianças. Bueno (2011) critica a indicação de alguns nomes como pioneiros da educação dos surdos, pois, já no século XV, Rodolfo Agrícola, afirmou ter conhecido um surdo que aprendeu a ler e escrever e Rabelais criou em seu livro um personagem que fazia leitura labial. A história dos cegos também indica esses problemas, mostrando que viviam à margem da sociedade e desassistidos. No entanto, Bueno (2011) destaca que alguns cegos de família rica, não sofriam com a cegueira, conseguindo aprender e ascender socialmente, mesmo sendo cegos. Isso ocorria por sua condição social, que não impunha as mesmas barreiras que aos cegos de classe popular. Essa diferença de classe era vista e descrita na educação especial como genialidade individual e não como questões relativas às condições de vida concreta dos sujeitos.

Bueno (2011) afirma que o interesse pela educação especial se deu devido ao “movimento contraditório de participação-exclusão”, que marca a sociedade capitalista, na busca pela produtividade. O marco inicial da educação especial é indicado no século XVIII, com a criação das instituições especiais, no entanto, esse período corresponde ao período de predomínio do ideal liberal, que contraditoriamente, favorece a criação dessas instituições e a

3 Termo utilizado pelo autor.

exclusão social dos que pudessem interferir em seu crescimento. Esta última questão, frequentemente é “esquecida” pelos historiadores.

Destaca que a escola para surdos teve em sua origem, três funções básicas:

A primeira corresponde à ampliação de oportunidades educacionais para os deficientes, isto é, à demonstração de que a “instrução do surdo-mudo permitia sua incorporação à sociedade e que tal instrução poderia ser desenvolvida em escolas públicas e gratuitas” (ibid., p.293).

Além disso, desde o surgimento dos preceptores, a “educação” da criança surda se confundiu com o processo de reabilitação, pois o foco central, quando não o único, residia na desmutização ou no uso de gestos como forma substitutiva da linguagem oral.

Por fim, na medida em que se deslocou da elite para o povo miúdo, cumpriu função segregadora, confinando os mais pobres no interior das instituições, respondendo ao processo de racionalização da sociedade que passou a exigir, cada vez mais, o afastamento dos desocupados e o seu encaminhamento, de alguma forma, para o processo produtivo (BUENO, 2011, p. 81).

Fundamentada nessa contradição da emergência do interesse pela educação especial e educação de surdos na sociedade capitalista, destaco a questão histórica da educação especial e da educação de surdos e as influencias econômicas e sociais que as determinaram.

Assim como a educação especial, a educação de surdos emerge fortemente vinculada à medicina, instigada pela curiosidade de como funcionava o aparelho auditivo e como ocorria a educação desse sujeito. No entanto, o aspecto pedagógico foi durante muito tempo secundarizado.

Soares (2005) procura entender em sua obra “A Educação do Surdo no Brasil” a sobreposição do aspecto clínico em relação ao pedagógico, no que diz respeito ao surdo no Brasil. O trabalho clínico corresponde aos treinos fono-articulatórios de aquisição de fala, que constitui a prática da chamada abordagem oralista. O oralismo, ou método oral, visava capacitar o surdo na habilidade de falar, através do treino fono-articulatório.

Soares (2005) afirma que é difícil fazer uma pesquisa histórica sobre a educação especial e, principalmente, sobre a educação de surdos, pois poucos são os estudos que têm buscado esse viés histórico. Destaca que tanto os deficientes quanto os surdos, especificamente, foram alvo na Idade Moderna tanto da medicina quanto da religião. A primeira, pois aguçava a curiosidade dos médicos em compreender a surdez e como os surdos desenvolviam a fala e adquiriam conhecimento, buscando compreender o seu funcionamento. A segunda, por sua vez, buscava através da caridade, ajudar os desvalidos, além de ter interesses em não perder devotos.

Dentre os médicos que se preocuparam em estudar o surdo, destaco o médico, matemático e astrólogo italiano, Girolamo Cardano (1501-1576) que a partir de seus estudos

fisiológicos deduziu que a surdez em si não acarretava problemas nem atraso na inteligência do indivíduo.

Cardano também teria proposto avaliar o grau da capacidade de aprendizagem entre diferentes tipos de surdos. Para isso, propôs a seguinte divisão: aqueles que haviam nascido surdos, os que adquiriram a surdez antes de aprender a falar, os que a adquiriram depois de aprender a falar e, finalmente, os que a adquiriram depois de aprender a falar e escrever. A partir disso, teria estabelecido uma relação entre as diferentes categorizações, através do nível de aprendizagem alcançado por cada um. Isso o teria levado a afirmar que a surdez, por si mesma, não modificava a inteligência da criança e que, portanto, a educação deste tipo de pacientes deveria ser realizada pelo ensino da leitura e da escrita. (SOARES, 2005, p.17).

Outro médico que se dedicou ao estudo do surdo-mudo foi o italiano Johann Conrad Amman (1724-1811), atentando tanto para o aspecto clínico, como para o pedagógico. Ensinou a leitura labial e a oralidade aos surdos, o que têm ajudado até os dias de hoje, no aspecto educacional. O médico inglês, John Wallis (1616-1703) dedicou-se, em um primeiro momento a oralidade do surdo, e, em um segundo momento, preocupou-se em ensiná-los por meio da escrita. O médico Wilhelm Kerger, também dedicou-se a essa temática, pois tinha uma filha surda e desenvolveu técnicas de como ensiná-la por meio da leitura labial e, por meio de figuras e exercícios práticos da língua escrita.

Os religiosos preceptores e estudiosos da língua também se dedicaram a atuar com os surdos. Na educação de surdos, cito o monge beneditino Pedro Ponce de Léon (1520- 1584), que era responsável pela educação de dois surdos, “ensinando-os a falar, ler, escrever, fazer contas e executar preceitos religiosos como rezar e até a confessar-se”. Alguns alunos nobres que visavam administrar seus negócios ainda aprendiam filosofia, astrologia, história etc. Além disso, usavam um tipo de alfabeto manual, que se acredita ter surgido nos mosteiros, “onde o silêncio era uma maneira de atingir recolhimento, sacrifício, encontro de espiritualidade”. Nesse contexto, desenvolveram uma forma de comunicação através de sinais para não quebrar o silêncio nos mosteiros. (JANNUZZI, 2006, p. 30).

Juan Pablo Bonet (1573-1633) “tornou a linguagem visível na forma do alfabeto visual” ao ensinar os surdos. Juntamente com Manuel Ramirez de Carrión (1579-1652) tornaram-se os primeiros preceptores de surdos preocupando-se com a gramática, com a soletração fonética e com a escrita. Com Bonet apareceu o primeiro tratado de ensino de surdos-mudos e a criação de um alfabeto dactilológico.

O francês Jacob Rodrigues Pereira (1715-1780) inicia a educação de surdos, na França, em 1744, com seu processo de “desmutização”, utilizando a visão e o tato. Depois de ensinar o surdo a falar, iniciava o ensino da gramática, chegando às frases e as abstrações mais complexas. Pereira dividiu a surdez em total, parcial profunda e parcial média.

O abade Charles Miguel de L’Épee (1712-1789) fundou o Instituto Nacional dos Surdos-Mudos de Paris, em 1760, onde ensinou os surdos por meio dos “sinais metódicos”, que seguia palavra por palavra da língua francesa. Roch Ambroise Sicard (1742-1822), seguidor de L’Épee, valorizou a participação dos surdos na criação da língua de sinais.

Sobre a questão da escrita e da oralidade Soares (2005) afirma:

Com relação à utilização da escrita na educação de surdos, nos séculos XVI e XVII, cabe indagar se a escrita teria sido empregada, não como um conhecimento valorizado e exigido para a inserção social, tal como ocorreu nos séculos posteriores, mas como um recurso que podia ser utilizado em substituição à fala. Haveria, então, nesse caso, uma priorização da linguagem escrita secundarizando-se a linguagem oral, não pelo fato de se julgar necessário ao surdo a obtenção desse tipo de conhecimento, mas, sim, por se constituir em elemento facilitador para sua participação social. (SOARES, 2005, p. 25).

A autora afirma que o ensino da escrita não necessariamente poderia estar vinculado à intenção de ofertar algum tipo de instrução ao surdo, mas poderia estar vinculado à necessidade de dominá-la, em substituição à fala, para sua inserção social. Lembrando que a tentativa, seja de oralização seja de escrita, era destinada, assim como a educação da época, a poucos surdos filhos de nobres.

Esse período histórico foi marcado pela emergência da classe burguesa. A visão da “individualidade, caracterizada pela confiança no poder da razão para estabelecer os próprios caminhos” era a forma de pensar do humanismo e era proveniente das transformações econômicas ocorridas no final da Idade Média, que após a Revolução Comercial do século XVI, entrou em decadência. A burguesia tomava o lugar dos senhores feudais, e ampliava seus negócios por meio das viagens ultramarinas. O interesse pela educação é crescente no Renascimento, “educar tornava-se questão de moda e uma exigência, conforme a nova concepção de ser humano”. Nesse período a Reforma Protestante criticava a leitura da Bíblia por intermediários, além de criticar as hierarquias, os castigos. A reforma teve como principais representantes Lutero (1483-1546) e Melanchton (1497-1560) e o teólogo francês Calvino (1509-1564). (ARANHA, 2006, p.124).

A igreja, por sua vez, para combater o crescimento do protestantismo, criou as chamadas ordens religiosas, iniciada com Inácio de Loyola (1491-1556), militar espanhol que fundou a Companhia de Jesus, cujos seguidores eram denominados de jesuítas, que foi criada em 1534 e estava vinculada diretamente à autoridade papal. A Ordem espalhou-se por diferentes países, inclusive no Brasil, e viu na escola um mecanismo de instalar e consolidar seu dogma, religião e educação. Seu rigor e disciplina formaram gerações por mais de duzentos anos que estão presentes até os dias de hoje. O aspecto pedagógico e seus conteúdos, assim como sistemáticas de estudo foram organizados no Ratio Studiorum. Ao mesmo tempo

em que exerceu forte influência no ensino e formação, os jesuítas também foram alvo de críticas ferrenhas aos seus dogmas e imposições.

Essa importância destinada à educação atingiu os surdos, que eram ensinados à oralizar, ler, escrever, a aprender a gramática, seja para adquirir conhecimento, seja para humanizar-se conforme o pensamento da época. Teve início também o método gestual que teve em L’Epée seu representante, que criou a primeira escola de surdos-mudos de Paris e devido ao número de alunos e a necessidade de oferta de uma instrução rápida e simultânea para todos, desenvolveu uma “linguagem mímica universal”, “que possibilitasse a esses surdos transformarem-se em elementos úteis manualmente para a sociedade”. (SOARES, 2005, p. 31).

O médico Jean Marie Gaspar Itard (1774-1838) depois de não ter sucesso em suas tentativas de cura da surdez foi para o Instituto Nacional de Surdos Mudos de Paris e desenvolveu trabalhos de treino auditivo, por meio de instrumentos, valorizando os resíduos auditivos. Foi em 1800 para o instituto e lá permaneceu por 38 anos, inserindo cursos de articulação para surdos-mudos. Para Soares (2005), baseada em Werner (1949), ele conseguiu vencer a resistência ao método fonético que se tinha, por influência de L’Epée. (SOARES, 2005, p. 32).

O período histórico do Iluminismo foi marcado por grandes transformações sociais políticas, econômicas, culturais etc. Nesse período houve a supremacia da razão em contraposição ao teocentrismo medieval. Na economia, o liberalismo indica os anseios da burguesia e o pensamento de Estado não-intervencionista. No campo político, “as ideias liberais opunham-se ao absolutismo”, Rousseau discutiu o contrato social por meio de um viés menos elitista. Na moral, “buscavam formas mais laicas, que permitissem a naturalização do comportamento humano”, como é representado na obra Emílio, na qual aponta para uma pedagogia espontaneísta. E na religião, o deísmo não aceita dogmas e fanatismos, nem rituais, “admitindo que Deus era apenas o Primeiro Motor, o Criador do Universo, o Supremo Relojoeiro”. (ARANHA, 2006, p. 173).

A escola, no contexto histórico do Iluminismo, deveria ser leiga e livre. Aranha (2006) descreve algumas ideias desse período, que não necessariamente eram cumpridas:

 Educação como encargo do Estado;

 Obrigatoriedade e gratuidade do ensino elementar;

 Nacionalismo, isto é, recusa do universalismo jesuítico;

 Ênfase nas línguas vernáculas, em detrimento do latim;

 Orientação prática, voltada para as ciências, técnicas ofícios, não mais privilegiando o estudo exclusivamente humanístico. (ARANHA, 2006, p. 174).

O marquês de Condorcet (1743-1794), foi eleito deputado da assembleia legislativa na França e defendia “os ideais da educação popular”, redigiu o Plano de Instrução Pública que embora não tenha sido aprovado, inspirou outros como Robespierre (1758-1794), que em 1793 apresentou o Plano Nacional de Educação, que colocava a educação como influenciadora do regime político e social. Essas ideias irão tomar força no século XIX. (ARANHA, 2006).

No Brasil, havia um grande contraste com o que ocorria na Europa, pois “continuava com uma aristocracia agrária escravista, a economia agroexportadora dependente e submetida à política colonial de opressão”. Como consequência para a cultura e educação Aranha (2006) aponta:

Persistia o panorama do analfabetismo e do ensino precário, restrito a poucos, uma vez que a atuação mais eficaz dos jesuítas se fez sobre a burguesia e na formação das classes dirigentes, além da tarefa dos missionários entre os índios. Uma sociedade exclusivamente agrária, que não existia especialização e em que o trabalho manual estava a cargo de escravos, permitiu a formação de uma elite intelectual cujo saber universal e abstrato voltava-se mais para o bacharelismo, a burocracia e as profissões liberais. Resultou daí um ensino predominantemente clássico, por valorizar a literatura e a retórica e desprezar as ciências e a atividade manual. Durante esse longo período do Brasil colônia, aumentou o fosso entre os letrados e a maioria da população analfabeta. (ARANHA, 2006, p. 193).

No século XVIII, a revolução Industrial iria acirrar mais o contraste entre ricos e pobres, devido às extensas jornadas de trabalho, estabelecidas nas novas relações de produção imposta pelo sistema fabril. A classe do proletariado organizou-se contra os interesses da burguesia, inspirados nas “ideologias críticas do liberalismo burguês”. O nacionalismo desse século culminou na independência de muitas colônias, dentre elas o Brasil. Em 1888 deu-se a abolição da escravatura e em 1889 foi proclamada a República.

Ainda no século XIX, as escolas italianas se destacaram em relação à educação de surdos, no que tange a linguagem oral, influenciando a Argentina e até mesmo o Instituto de Surdos Mudos de Paris. Foram realizados 4 congressos, que indicavam qual deveria ser o melhor método para trabalhar com o surdo. O primeiro, realizado em 1878, Congresso Internacional de Surdos-Mudos, asseverou que o método combinado era mais adequado, mantendo os gestos para auxiliar os professores e alunos, quando fosse necessário para a compreensão. Em 1880, porém, o segundo Congresso, que aconteceu em Milão, recomendou o uso do método oral puro, permanecendo o mesmo pensamento no Congresso realizado em Bordeaux, em 1881. Em 1892, o Congresso realizado em Gênova, confirmou a adoção do método oral puro e defendeu a utilização do método único de instrução para todos os institutos. Soares (2005) conclui:

Em todos os congressos aqui apresentados, era defendida uma melhor maneira do surdo adquirir linguagem. Entretanto, nenhum deles demonstrou a preocupação em fazer com que o surdo pudesse adquirir a instrução, tal como era compreendida para os normais. Apesar dos diferentes pontos de vista, o saber escolar já começara a ter um significado mais relevante nas discussões a respeito da expansão do ensino para as camadas populares. (SOARES, 2005, p. 35).

Com os pensadores da Revolução Francesa deu-se impulso às discussões sobre a “educação dos normais”. Condorcet (1743-1794), por exemplo, vinculava a liberdade e o poder à instrução, ao conhecimento. Os preceitos de “liberdade, igualdade e fraternidade” eram o lema da revolução, assim como a educação democrática.

Soares (2005) problematiza que provavelmente L’Epée não fora influenciado por esses lemas e desenvolveu um trabalho muito mais assistencialista que educativo com os surdos, no instituto de Paris. Tanto com Cardano (1501-1576) quanto com os demais médicos, preceptores e linguistas, a escrita e a leitura, assim como a oralização e a utilização dos resíduos auditivos, ocupavam o lugar central. No entanto, isso não acarretava num trabalho pedagógico de instrução direcionado aos surdos. Apesar disso, já era um trabalho específico e uma atenção ao tratamento com esses sujeitos, no entanto, ainda não era suficiente para torná- los cidadãos.

Cardano, já no século XVI, afirmou que o surdo não tinha impedimento para adquirir conhecimento e destacou a escrita como meio de substituição da fala. Apesar de sua descoberta e afirmação, no século XIX, o foco passa a ser na fala, tornando-se pré-requisito para o ensino.

No contexto da educação especial de modo geral ressalto Gilberta Jannuzzi que em seu livro a “Educação do Deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do século XXI”, traz uma importante colaboração para o estudo histórico do processo de escolarização do deficiente, vinculando-o aos determinantes sociais e suas bases materiais, a partir da análise de documentos governamentais federais e alguns estaduais, a partir de 1970 até o início do século XXI. A autora adverte:

Voltar ao passado, no entanto, não significa que ele explique totalmente o presente, não supõe que ele nos ensine como deveria ter sido. Ele mostra-nos o que foi, e que os acontecimentos não se dão de forma arbitrária, mas que existe relacionamento entre eles; que a sua construção é processo humano, dentro de condições existentes e percebidas como possíveis. Ao retomar o passado, também se poderá, talvez, clarificar o presente quanto ao velho que nele persiste e perceber algumas perspectivas que incitarão a percorrer novas direções. (JANNUZZI, 2006, p. 2). A autora afirma que o início da institucionalização da educação das crianças deficientes se deu devido à proliferação das ideias liberais no Brasil, no fim do século XVIII e início de XIX, que segundo ela, apesar de ter havido alguns movimentos importantes, foi um

liberalismo de elite, pois defendia mudanças até o limite de não prejudicar seus interesses como classe dominante.

A primeira Constituição, de 1824 garantia “instrução primária e gratuita para todos”, apesar de pouco ter sido feito para as camadas populares essa ideia de educação para todos já estava presente nessa época, no entanto, a partir do século XX vai tomar enormes proporções, pelo menos nas discussões. A lei de 15 de outubro de 1827, que indicava a escola de primeiras letras, não conseguiu ser cumprida e, no que tange a educação das crianças deficientes, o avanço foi quase nulo. No entanto, na Constituição 1824 era determinado que os incapacitados físicos ou moral não tivessem direitos políticos. (JANNUZZI, 2006, p. 7 e 8).

O atendimento dos deficientes ocorreu, possivelmente, nas Câmaras Municipais nos diferentes Estados, principalmente, com a criação de Santas Casas de Misericórdias, que foram surgindo em diferentes épocas pelo Brasil. No entanto, poucos são os registros de como essas crianças eram acolhidas e tratadas. A criação das rodas de expostos4 também pode ter atendido crianças com diferentes “anomalias”. Em meados do século XIX, algumas religiosas