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3.3 DESCRIÇÃO DAS DECISÕES

3.3.8 Ação Cautelar (AC) n 4.327

3.3.8.1 Decisão nos autos da Ação Cautelar n 4.327 – 30 de junho de 2017

O ministro Marco Aurélio, que assumiu a relatoria da ação por redistribuição a partir de 31 de maio de 2017, deferiu pedido de reconsideração da decisão anteriormente proferida pelo ministro Edson Fachin, originalmente relator da ação. Nesse ato, restabeleceu a atividade do cargo de senador que havia sido suspensa pela decisão anterior.

Os fundamentos do pedido de reconsideração relatados na decisão foram a proteção à atividade parlamentar pela Constituição Federal, o caráter excepcional da determinação de afastamento do exercício do cargo e a soberania do voto popular. O senador teria, ainda, rogado ser inerente ao cargo propor, discutir e aprovar leis, não incorrendo em crime de obstrução à Justiça por fazê-lo, bem como fundamentado seu pleito na inviolabilidade do Parlamentar disposta no artigo 53 da Constituição Federal.

A PGR, questionada, manifestou-se pela manutenção das medidas cautelares, afirmando tratar-se de situação análoga à analisada nas AC n. 4.039 e 4.070, ambas relatadas em tópicos antecedentes. Para o órgão, a motivação seria a existência de provas do intento de obstrução das investigações da Operação Lava Jato pelo Parlamentar, materializadas pela articulação para aprovar leis que anistiariam o crime de “caixa dois” e o abuso de autoridade, bem como pelo intento de influenciar a nomeação de ministro da Justiça a fim de intervir no processo de definição dos Delegados da Polícia Federal que seriam incumbidos das investigações relativas àquela operação. Invocou, ainda, a prática de desvio de finalidade no exercício do mandato. Segundo o órgão, a peculiaridade do quadro impunha a adoção de medidas excepcionais.239

Quanto ao trâmite processual, parece relevante descrever o ocorrido: Marco Aurélio consignou, na decisão de 30 de junho, caber somente ao autor e ao colegiado rever o conteúdo de decisão individual. No entanto, por não terem retornado os autos da PGR desde o dia 20 de junho do mesmo ano, atestou figurar inviável a apreciação da questão pelo colegiado ainda no primeiro semestre judiciário de 2017, pois 30 de junho era o último dia de funcionamento do STF.240 Por essas razões, o relator justificou ter proferido decisão em sede de reconsideração, ainda que não fosse o autor da decisão reconsiderada.

Como razões da decisão, Marco Aurélio expôs o voto que confeccionara para o julgamento do agravo pela Primeira Turma.241 A decisão abordou expressamente a problemática da separação de poderes e suas implicações:

A controvérsia reveste-se de importância maior, envolvendo, sob a óptica da atuação parlamentar, a separação, independência e harmonia de poderes reveladas na Constituição Federal.

[...]

Em quadra de abandono a princípios, de perda de parâmetros, de inversão de valores, de escândalos de toda ordem, cumpre ser fiel aos ditames constitucionais e legais, sob pena de imperar o descontrole institucional, com risco para a própria democracia. O Constituinte de 1988 optou por desenho capaz de assegurar o pleno exercício das prerrogativas atribuídas pelo voto popular aos parlamentares, base da democracia representativa. O sistema é amplo e direciona a garantir o exercício do mandato, em face de cassações e abusos ocorridos no passado recente, em regime de exceção, contra Deputados e Senadores. Buscou-se a prevalência da tomada de decisão por agentes políticos diretamente escolhidos pelo povo.242

Na sequência, o ministro menciona o §2º do artigo 53 da Constituição Federal, relativo à imunidade parlamentar à prisão, o §3º do mesmo dispositivo, que prevê a possibilidade de sustação do andamento de ação penal por crime ocorrido após a diplomação pela Casa parlamentar, e o seu §8º, que aborda a hipótese de suspensão das imunidades durante o estado de sítio, o que só poderia ocorrer mediante a votação de dois terços dos membros da Casa respectiva. Após consigná-los, dispôs: “O princípio da separação dos poderes encerra a impossibilidade absoluta de limitação de um Poder da República por outro, no que independentes e harmônicos entre si.” 243. Quanto às medidas cautelares, entendeu que:

A liminar de afastamento é, de regra, incabível, sobretudo se considerado o fato de o desempenho parlamentar estar vinculado a mandato que se exaure no tempo. Em síntese, o afastamento do exercício do mandato implica esvaziamento irreparável e irreversível da representação democrática conferida pelo voto popular.

240 Ibidem, p. 6.

241Cumpre elucidar que o senador postulou fosse recebida sua petição como pedido de reconsideração e,

sucessivamente, como agravo regimental. O Ministro Marco Aurélio determinou sua apreciação enquanto agravo pelo Pleno, ainda que também tenha recebido o pedido como reconsideração, ao qual deu provimento.

242 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática na Ação Cautelar n. 4.327. 30 jun. 2017. p. 7. 243 Ibidem, p. 9.

[...] A suspensão do mandato eletivo, verdadeira cassação temporária branca, sequer está prevista, como cautelar substitutiva da prisão, no caso descabida, no artigo 319 do Código de Processo Penal. 244

Nos termos acima expostos, o ministro retirou as medidas restritivas ao exercício do mandato parlamentar e demais cautelares anteriormente impostas. Note-se que esta decisão abarca expressamente a problemática de interferência que é levantada como questão a ser analisada neste trabalho. Segundo Marco Aurélio, a harmonia entre os poderes é abalada por decisões que interfiram nesta seara, visto que inexiste autorização constitucional para tanto. Em mesmo sentido, o ministro ainda dispôs:

Implementado, repentinamente, via ação cautelar ajuizada presente a instauração de inquérito, conflitou com [...] os ares próprios ao Estado de Direito. Ocorreu, sem julgamento, sanção prévia, com mitigação da importância do mandato eletivo, substituindo-se o Supremo, na voz isolada do antecessor na relatoria, ao Senado Federal.245

Tendo em vista a data em que proferido tal juízo, este vigorou durante o recesso do Supremo. O MPF interpôs agravo regimental, o qual apenas foi a julgamento ao final do mês de setembro, intervalo durante o qual o senador exerceu suas atividades parlamentares.