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3.3 DESCRIÇÃO DAS DECISÕES

3.3.7 Mandado de Segurança (MS) n 34.609

No Mandado de Segurança n. 34.609, a Suprema Corte foi provocada a se manifestar sobre a nomeação de Wellington Moreira Franco como secretário-geral da Presidência da República, cargo equiparado ao de ministro de Estado227. Em decisão liminar, o ministro relator Celso de Mello indeferiu o pleito do Partido Sustentabilidade, impetrante, determinando a manutenção da nomeação realizada por Michel Temer.

O relator debateu, inicialmente, a própria legitimidade dos partidos políticos na interposição de mandados de segurança em busca da tutela de direitos difusos, sustentando a sua inviabilidade e apontando diversos precedentes, em que pese reconheça a recente posição adotada pelo ministro Gilmar Mendes em julgamento liminar do Mandado de Segurança n. 34.070, quanto à nomeação como ministro de Estado do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, decisão analisada no subitem 3.2.3.

9. A interferência excessiva do direito e do Poder Judiciário na política, ainda que iniciada ou fomentada pela atuação dos próprios partidos políticos, pode acarretar prejuízo à separação dos poderes e, em última análise, ao próprio funcionamento da democracia. Agrega-se ao dia-a-dia político um elemento de insegurança, consistente em saber como o Judiciário se pronunciará sobre os mais variados atos praticados pelo Executivo e pelo Legislativo, inclusive aqueles eminentemente internos, como os atos de nomeação e exoneração de Ministro de Estado. 10. Não por outra razão, antes mesmo do advento da Lei nº 12.016/2009, que afastou, expressamente, o cabimento de mandado de segurança coletivo para a tutela de direitos difusos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta própria Suprema Corte – ainda que em precedentes menos numerosos – já havia se firmado nesse sentido.228

Em que pese problematize a viabilidade de utilização do mandado de segurança in casu, o relator adentrou à discussão de mérito do pedido. Nesse sentido, ao comentar as razões de pedir apresentadas pelo impetrante, o ministro dispôs que o desvio de finalidade não pode ser presumido, menos ainda em razão de prerrogativa de foro, haja vista que a mudança de jurisdição para o STF não implicaria em benefício ao investigado:

227 BRASIL. Artigo 25, parágrafo único da Lei 10.683, de 28 de maio de 2003. Planalto. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.683.htm>. Acesso em: 16 dez. 2017.

228 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática no Mandado de Segurança n. 34.609. Impetrante:

Rede Sustentabilidade. Impetrado: Presidente da República. Relator Ministro Celso de Mello. 14 fev. 2017. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=34609&classe=MS-MC- AgR&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 12 out. 2016. p. 10-11.

Assinale-se, neste ponto, desde logo, que a nomeação de alguém para o cargo de Ministro de Estado, desde que preenchidos os requisitos previstos no art. 87 da Constituição da República, não configura, por si só, hipótese de desvio de finalidade (que jamais se presume), eis que a prerrogativa de foro – que traduz consequência natural e necessária decorrente da investidura no cargo de Ministro de Estado (CF, art. 102, I, “c”) – não importa em obstrução e, muito menos, em paralisação dos atos de investigação criminal ou de persecução penal.

E a razão é uma só: a mera outorga da condição político-jurídica de Ministro de Estado não estabelece qualquer círculo de imunidade em torno desse qualificado agente auxiliar do Presidente da República, pois, mesmo investido em mencionado cargo, o Ministro de Estado, ainda que dispondo da prerrogativa de foro “ratione muneris”, nas infrações penais comuns, perante o Supremo Tribunal Federal, não receberá qualquer espécie de tratamento preferencial ou seletivo, uma vez que a prerrogativa de foro não confere qualquer privilégio de ordem pessoal a quem dela seja titular.229

Por essas razões, assigna que incumbe a quem acusa o desvio de finalidade fazer prova inequívoca de que, “não obstante editando ato revestido de aparente legalidade, ter-se-ia valido desse comportamento administrativo para perseguir fins completamente desvinculados do interesse público”230. No caso dos autos, as evidências trazidas pela agremiação impetrante consistiram no fato de que, investigado pelo Poder Judiciário, Moreira Franco teria o objetivo de alterar o foro de processamento das denúncias em face do ministro nomeado, o que atrapalharia o exercício regular da jurisdição.231 O relator considerou inexistir prova suficiente para determinar o desvio.

Em sequência, adentrou ao mérito propriamente dito: ainda que provada a intenção de alteração de foro, a nomeação de Moreira Franco como ministro de Estado levaria à obstrução das investigações criminais? Concluiu, finalmente, que não, já que a alteração do foro para o STF não consistiria em vantagem conferida a determinadas figuras públicas, tampouco seria motivo para prejuízo das investigações.

Posta a questão nos termos que venho de expor, e reconhecendo que a mera investidura no cargo de Ministro de Estado, por si só, não constitui motivo ensejador da alegada obstrução da justiça nem traduz anômala manifestação da vontade político- administrativa do Presidente da República, a caracterizar a alegada ocorrência, no caso, do vício nulificador do desvio de finalidade (defeito jurídico que nunca se presume), entendo oportuno rememorar, no ponto, a grave observação feita por ANDRÉ RAMOS TAVARES, em obra doutrinária (“Curso de Direito Constitucional”, p. 1.051, item n. 4.1.7, 11ª ed., 2013, Saraiva), em passagem que tenho por inteiramente aplicável à espécie ora em julgamento, pois não tem sentido algum sustentar-se que o deslocamento da competência penal de qualquer feito (inquérito policial ou processo judicial) para o Supremo Tribunal Federal represente inconcebível causa de impunidade, ou motivo de absurda frustração da investigação criminal, ou, ainda, fator de sua indevida procrastinação:

“Falar de ‘blindagem’ em virtude do foro privilegiado, como usualmente se fala em parte da doutrina, é depreciar a dignidade do STF, que não tem sua atuação pautada pela vontade da Presidência da República. Pelo contrário, é um dos ‘Poderes’ da República e, nesta qualidade, com todas as garantias para pronunciar-se de maneira

229 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática no Mandado de Segurança n. 34.609. p. 17. 230 Ibidem, p. 13.

autônoma, sem sucumbir à pressão de outros ‘Poderes’ e sem o receio de represálias posteriores (institucionais, econômicas ou pessoais).”232

O relator enumerou, ainda, uma série de procedimentos a que ministros de Estado estão sujeitos, que se mantêm as mesmas, independentemente do foro, como a possibilidade de investigação pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público Federal, de prisão cautelar e preventiva, de busca e apreensão domiciliar e, segundo Celso de Mello, inclusive de afastamento cautelar de sua função pública, entre outras medidas aplicáveis.233

O Mandado de Segurança, portanto, recebeu decisão liminar de improcedência, sem determinar interferência do Poder Judiciário no Poder Executivo e, até o momento, não houve julgamento em cognição exauriente.