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2 PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

4.6. Decisão e seus efeitos

Enquanto no inquérito policial o Ministério Público requer o arquivamento à autoridade judicial, no inquérito civil simplesmente faz o arquivamento. A decisão que determina o arquivamento deve ser necessariamente bem fundamentada, e é obrigatória a sua revisão pelo Conselho Superior do Ministério Público.

O arquivamento implícito ocorre quando o inquérito termina sem a propositura da ação civil pública e sem o controle de arquivamento. O controle do arquivamento implícito é mais dificultoso, pois não são remetidos os autos do inquérito ao Conselho Superior, único órgão competente para realizar essa revisão.

O arquivamento implícito pode ocorrer, v.g., quando um promotor ao oferecer a Ação Civil Pública, faz com um objeto menos abrangente do que teoricamente permitiriam as apurações feitas no inquérito. Dessa forma, estaria procedendo ao arquivamento em relação às partes das investigações. O promotor poderá proceder dessa forma tanto no aspecto subjetivo, em relação ao pólo passivo da lide, como em relação ao aspecto objetivo. No entanto, toda vez que proceder dessa forma, deverá fundamentar a sua decisão.

O Poder Judiciário não poderá de forma alguma intervir no controle desse arquivamento. Mas o problema que surge é que aquele órgão que teria legitimidade para fazer o controle, ou seja, o Conselho Superior do Ministério Público, não terá meios para ter conhecimento do que não foi arquivado nesses casos. Dessa forma, o controle do arquivamento implícito acabará sendo exercido pelos co-legitimados a propor a Ação Civil Pública.

No que concerne à discricionariedade ou obrigatoriedade do Ministério Público em instaurar ou não inquérito civil, bem como propor ou não a Ação Civil Pública, temos que, quando identifica a hipótese de atuação, esta será obrigatória. Fora desses casos, não obstante, será discricionária a instauração de inquérito e propositura da ação.

Neste sentido, a lição de Mazzilli, para quem o princípio da obrigatoriedade para o Ministério Público significa que “identificando um de seus membros uma hipótese em que a

lei lhe imponha a ação, não se admite recuse-se a fazê-lo: neste sentido, sua ação é um dever; entretanto, tem liberdade para apreciar se ocorre hipótese em que sua ação se torna obrigatória”.41

Ao determinar o arquivamento do inquérito civil, o membro do Ministério Público deverá, no prazo de três dias, remeter os autos ao Conselho Superior, sob pena de falta disciplinar. O Conselho Superior, ao receber os autos do inquérito civil, deverá apreciar os fundamentos desse arquivamento, surgindo três hipóteses: i) homologa o arquivamento; ii) recusa o arquivamento determinando a propositura da Ação Civil Pública; iii) converte o julgamento em diligência, para novas investigações que entenda serem necessárias. A lei da ação civil pública permite que as associações civis legitimadas a propor a Ação Civil Pública apresentem razões e juntem documentos antes de o Conselho Superior proferir a sua decisão na revisão do arquivamento. Na verdade, quaisquer interessados também podem encaminhar ao Conselho Superior as suas razões que possam contribuir para a decisão sobre o arquivamento do inquérito, que não impede que outro co-legitimado proponha a ação.

O Ministério Público, depois de determinar o arquivamento do inquérito, não está inibido a reabri-lo ou a propor a Ação Civil Pública. Há duas correntes doutrinárias a esse

respeito, entendendo a primeira que o inquérito civil só poderia ser reaberto se houvesse novas provas que tivessem força para o processo, em analogia com o inquérito policial, o que reputamos acertado. A segunda corrente segue no sentido de que o inquérito pode ser reaberto mesmo sem a existência de novas provas.

Quanto aos recursos, há previsão na Lei Complementar Paulista n° 734/93 de um contra a instauração, e outro contra o indeferimento de instauração. Para Mazzilli, criticando a abertura que fez a lei paulista:

O inquérito, procedimento administrativo investigatório a cargo do Ministério Público, é informado pelo princípio da obrigatoriedade (e não o da oportunidade e da conveniência). Por força da independência funcional de que gozam os órgãos do Ministério Público, o controle de legalidade sobre a sua instauração está afeto somente ao Poder Judiciário e não a outros órgãos, internos ou externos ao próprio

Ministério Público, por mais hierarquizados que sejam (1999,p. 282).

Referido autor trabalha com a idéia de que eventuais ilegalidades no curso da instrução do inquérito podem e devem ser apreciadas pelo Poder Judiciário, através de mandado de segurança ou habeas corpus. No entanto, continua, “o habeas corpus não serve

para trancar um inquérito civil, mesmo que ilegitimamente instaurado, ao contrário, será adequado para coibir eventual mandado de condução coercitiva eventualmente expedido, quando falte justa causa ao ato constritivo”.42 Isso se dá porque o inquérito civil não causará,

normalmente, qualquer cerceamento ao direito de locomoção.

Outra decisão que pode tomar o membro do Ministério Público é a propositura de ajustamento de conduta. A primeira dúvida que surge em relação ao termo de ajustamento de conduta é a possibilidade de haver transação de direitos metaindividuais, já que os legitimados não agem em busca de direito próprio, não são os titulares do direito e por isso, em tese, não poderiam transigir sobre um direito que não seria deles.

A primeira previsão desse tipo de transação foi feita no Estatuto da Criança e do Adolescente. Depois, no Código de Defesa do Consumidor, onde havia dois dispositivos prevendo esse termo de ajustamento. No entanto, só um deles foi formalmente vetado pelo

Presidente, de forma a se ter a possibilidade deste compromisso de ajustamento para qualquer interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo.

O compromisso é feito entre o causador do dano, de ajustar a sua conduta às exigências legais, e o Ministério Público, que se obriga somente a não propor a Ação Civil Pública. É reconhecida a este compromisso a qualidade de título executivo extrajudicial.

Só podem tomar compromisso de ajustamento os órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou coletiva. Dessa forma, associações civis, sociedades de economia mista, autarquias, fundações públicas não poderiam tomar esses compromissos. No entanto, já há entendimento no sentido de que as autarquias e fundações públicas podem tomar esses compromissos.

Muitas vezes, quando o Ministério Público toma esses compromissos, o faz somente em parte, ou seja, o objeto das investigações é mais amplo do que o que é acordado no compromisso de ajustamento. Desta forma, as investigações prosseguirão em relação às apurações que não foram objeto do acordo, enquanto o objeto do acordo é arquivado e submetido à apreciação do Conselho Superior, para a sua revisão.

Feito o compromisso de ajustamento, o Promotor de Justiça promoverá o arquivamento do inquérito civil, enviando os autos ao Conselho Superior. Homologado o arquivamento, os autos retornam ao promotor, que notificará o responsável para que cumpra o compromisso. Se for cumprido, comunica-se ao Conselho Superior. Em caso de descumprimento, poderá incidir multa, além de poder ser executado o título executivo. Incumbirá ao órgão do Ministério Público, que celebrou o compromisso, fiscalizar o cumprimento do acordo por parte do responsável.

Poderá haver rescisão do compromisso voluntariamente, pelo mesmo modo pelo qual foi feito, ou judicialmente, por uma ação anulatória. O compromisso de ajustamento tem eficácia no momento em que é tomado pelo órgão público competente para tanto, ao contrário do que diz a lei complementar paulista nº 734/93 que só terá eficácia quando houver o arquivamento do inquérito.

Deverá o termo versar sobre as condições do cumprimento das obrigações assumidas pelo investigado, não podendo haver disponibilidade do direito material. O compromisso não poderá versar sobre interesses indisponíveis, nem sobre disposição do patrimônio público.

O compromisso não impede que qualquer outro co-legitimado proponha a Ação Civil Pública, no caso de discordar do compromisso efetuado pelo Ministério Público. Diferentemente, questiona-se se o próprio órgão do Ministério Público que procedeu ao compromisso de ajustamento poderia propor a Ação Civil Pública. Hugo Nigro Mazzilli entende que sim, baseado na inexistência de óbice jurídico a isso, “porque os compromissos

de ajustamento supõem implicitamente terem sido pactuados sob a cláusula rebus sic stantibus, ou seja, se as condições de fato em que se baseou o compromisso se alterarem,

nada impede que a questão seja discutida em juízo”.43

A lei de improbidade administrativa prevê expressa vedação quanto ao compromisso de ajustamento de conduta. Essa vedação não deve ser vista de forma absoluta, devendo se conformar ao interesse público, contanto que não exista a renúncia de quaisquer direitos por parte do Ministério Público, pois isso seria muito mais vantajoso ao interesse público, do que a propositura de uma ação.

O Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, não está isento de causar danos a terceiros, o que justificaria o pagamento de indenização ao prejudicado, pela pessoa jurídica de direito público a que está vinculado o órgão ministerial.

5. APLICAÇÃO

DOS

PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS

DO

CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO CIVIL