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A EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO CIVIL

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A EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

NO INQUÉRITO CIVIL

MESTRADO EM DIREITO

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ANDRÉ GUILHERME LEMOS JORGE

A EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

NO INQUÉRITO CIVIL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito (Direito Constitucional), sob orientação do Professor Doutor Ricardo Hasson Sayeg.

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“O conflito entre a justiça e a segurança jurídica deve ser resolvido à medida que o direito positivo, assegurado através da regulamentação e do poder, tenha também a preferência, mesmo se for materialmente injusto e inapropriado; a não ser que a contradição da lei positiva com a justiça atinja um grau tão insuportável que a lei como direito incorreto tenha de ceder à justiça”.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é algo que sempre pode gerar injustiças, pelo fato de que às vezes um simples gesto pode significar uma grande realização e, por vezes, nos esquecemos desses pequenos grandes acontecimentos. Contudo, muitos são aqueles inesquecíveis, como os proporcionados pelas pessoas que passo a elencar.

A Vladmir Oliveira da Silveira que, por me mostrar os caminhos da pós-graduação,

acabou por me transformar e, me transformando, somente poderia tê-lo como irmão e ícone.

Agradeço pela compreensão e paciência a meu professor e orientador Ricardo Hasson

Sayeg.

Aos professores Paulo de Barros Carvalho, Cláudio Filkenstein, Nelson Luís Pinto,

Marcelo Oliveira Figueiredo, André Ramos Tavares, Willis Santiago Guerra Filho, Jacy

Mendonça, Márcio Cammarosano e Silvio Rocha, que me acompanharam durante o curso de

mestrado.

Aos meus amigos, com quem troquei informações e muito aprendi, Ernani de Paula

Contipelli, Felipe Chiarello Souza Pinto, Thiago Matsushita, Daniel Majzoub, Lauro

Ishikawa, Osmar Paixão Côrtes, Luís Celso Cecílio Ribeiro, Marcus Bastos, Luciana

Piovesan, Rafael Jardim, DanielGelcer e Vanessa Toqueiro Ripari.

Aos professores Jacinto Nelson Miranda Coutinho, Luiz Alberto David Araújo, Lênio

Streck, Luís Edson Fachin, Fernando Facury Scaff, Marcelo Cattoni, Cláudio Bezerra

Brandão, Ricardo Pereira Lira, Antônio Celso Pereira, Vicente de Paulo Barreto, Orides

Mezzaroba, Celso Campilongo, Ingo Sarlet, Luiz Gustavo Grandinetti, Fernando Dantas,

José Francisco Siqueira Neto, Menelick de Carvalho Netto, Heleno Taveira Torres, Luiz

Antônio Rizzatto Nunes, Alexandre Morais da Rosa e Jayme Wanderley Gasparoto, com os

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Aos membros do Conselho Técnico Científico da CAPES, no triênio 2005/2007, com quem pude assimilar, como membro eleito pela Associação Nacional dos Pós-Graduandos, o real sentido da ciência e perceber que, por muito que venha a saber, muito pouco terei aprendido.

Aos meus pais Wiliam e Maida, ápice pelo exemplo de caridade, base pelo renúncia em favor da prole.

Aos meus irmãos, Plínio, Murilo, Rossana e Estevão, pela certeza indelével que me trazem da força da fraternidade.

À Bia, pelo apoio e companhia.

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RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade demonstrar que os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa devem ser aplicados aos atos que se encadeiam durante o curso do inquérito civil. Buscou-se em toda a dissertação demonstrar a incongruência presente na afirmação de que, por ser inquisitorial o processo, inexistiria espaço para a concretização de diversos aspectos da contrariedade. A partir do estudo da evolução da principiologia, foi traçado um corte epistemológico, para enfim apresentar o valor e o alcance das normas erigidas constitucionalmente como direitos fundamentais. Surge o embate entre a segurança social, representada pela inquisitoriedade pura e, de outro lado, o devido processo legal, assegurador da liberdade individual. Como decorrência imediata do devido processo legal, encontram-se o contraditório e a ampla defesa, pelo que a conclusão será que o Estado de Direito somente atingirá sua plenitude quando se garantir a efetividade plena a todos os aspectos da defesa. A fim de adentrar em definitivo no instrumento inquisitorial objeto do trabalho, serão percorridos os caminhos traçados pelos administrativistas, nas inúmeras tentativas de definir a sucessão de atos e fatos ocorridos no seio da Administração Pública. O processo administrativo é uma conquista da evolução conceitual, após infindáveis debates, sobretudo quando delimitamos o exato limite entre as funções do Estado. A instituição do Ministério Público, nascida para coibir arbitrariedades advindas da concentração de poderes investigatórios e decisórios nas mãos do soberano, acaba por se inserir no espectro das atividades estatais. Um de seus instrumentos mais poderosos, o inquérito civil, atribui a cada membro do parquet, uma gama imensa de poderes investigatórios, fato que, por si só, seria suficiente para embasar a presença da defesa. A conclusão a que se chega, ao prestigiar a moderna processualística administrativa e exigir a efetividade dos princípios constitucionais, alinha-se à busca mundial pela concretização dos direitos humanos.

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ABSTRACT

The objective of the following essay is to demonstrate how the constitutional principles of the rights to contest and of legal defense should be applied to the acts within the public prosecution. This kind of process is based in inquiring examination, which requires secrecy. To support the adversary practice here would, therefore, be an incongruent statement. After studying the evolution of the study of legal principles, we traced an epistemological division, to present the value and the reach of the laws constitutionally originated as fundamental rights. Now, appears the conflict between national security, represented by the secret investigation, against the due process of law, guarantied as an individual liberty. As an immediate consequence of the due process of law, we find the right to contest and the right of legal defense, concluding that the State of Law will only achieve its plenitude when all aspects of legitimate defense become effectively guarantied. Intending to penetrate profoundly within the inquisition instrument, centered as object of this essay; we drove through the roads traced by experts in Public Law, in innumerous attempts to define the series of acts and facts bonded in the heart of the Public Administration. The administrative process is a conquest of conceptual revolution, aroused after many debates, mainly when we determined the exact limits between the State functions. The Public District Attorney Office, once born to cohibit arbitrary acts, originated from the concentration of inquisitor and decision making powers in the hands of the sovereign one, now tends to insert itself in this power concentrating position. One of its most powerful instruments, the public prosecution, attributes to each member of the D.A. Office a compound of immense investigatory powers, a fact that per se, is enough to embrace the present theory. The conclusion arrived, giving prestige to modern public process policies and demanding the effectiveness of constitutional principles, lines itself in a parallel position to the world search for the materialization of human rights.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ...15

1.1. Princípios constitucionais...15

1.2. Princípios gerais de direito ...17

1.3. Princípios e regras ...19

1.4. Colisão entre princípios...25

2 PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA ...33

2.1. Direito de defesa...33

2.2. Princípios constitucionais e processo ...35

2.3. Princípio do contraditório...37

2.4. Princípio da ampla defesa...41

2.5. Distinções entre contraditório e ampla defesa...42

3 PROCESSO E PROCEDIMENTO ...44

3.1. Notícia histórica...44

3.2. Processualidade ...46

3.3. Processo e procedimento administrativo ...49

4 INQUÉRITO CIVIL...55

4.1. Evolução dos interesses...55

4.2. Definição e natureza jurídica...59

4.3. Competência ...63

4.4. Instauração...65

4.5. Poderes investigativos ...68

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5 APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA

AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO CIVIL...76

5.1. Inquérito civil e processo administrativo...76

5.2. Contraditório no inquérito civil ...77

5.3. Ampla defesa e inquérito civil...87

5.4. Das provas obtidas por meios ilícitos... 96

5.5. Inquérito civil, garantias fundamentais e estado de direito ...89

CONCLUSÃO...96

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INTRODUÇÃO

Neste trabalho será abordada a aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa ao inquérito civil. Procuraremos extrair da Constituição Federal normas de processo aptas a tutelar os jurisdicionados frente à conduta de quem age em nome do Poder Público ou de quem, ao agir, interfere numa esfera demarcada pelos direitos consagrados constitucionalmente como fundamentais.

O processo de tutela de direitos fundamentais deve ser desenvolvido como um processo de natureza constitucional, da mesma forma como as ações previstas em nosso ordenamento jurídico para garantir esses direitos que são constitucionais.

A efetividade dos princípios constitucionais será, portanto, tema central do trabalho, razão pela qual o contraditório e a ampla defesa serão tratados como direitos fundamentais concretos.

Antes, porém, de se tentar fixar quaisquer conclusões, é de fundamental importância traçar a natureza jurídica do instituto inquisitorial introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 7.347/85, em análise paralela com a atuação da instituição do Ministério Público, responsável pela condução da investigação.

As manifestações por vezes noticiadas pela imprensa, a rememorar o regime fascista, perpetradas por quem tem o dever legal de conduzir as investigações com isonomia, sem perseguições ou favorecimentos, fazem com que o inquérito civil se converta em meio apto a condenar sem processo, em detrimento do devido processo legal e da presunção da inocência. Isto sem falar da famigerada figura do procedimento preparatório ao inquérito civil que, como filhote da inconstitucionalidade, somente pode fazer grassar a insegurança social e a arbitrariedade, sobretudo quando associada à publicidade irresponsável.

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manifestação espacial e temporal. O humanismo será também pano de fundo para o presente trabalho, para subsidiar a hipótese levantada da atuação desmedida de parte dos poderes constituídos, bem como dos elevados a esta condição de “Poder”, como o Ministério Público e a imprensa.

A partir da análise das condutas estatais, como premissas do problema para as quais se pretende encontrar soluções, deduz-se que a divulgação antes da instauração, o falar fora dos autos, o pré-julgamento, a exposição das diligências à mídia, a forja de provas, as buscas genéricas, são exemplos da cultura da vingança assente no direito estatal do inimigo, que a cada dia impõe mais obstáculos ao exercício do direito de defesa.

Assim, o primeiro capítulo analisará os princípios constitucionais, sua importância e conceituação. Logo em seguida, serão cotejados os princípios constitucionais, amplamente decantados pela pós-graduação pátria com o que a doutrina chama de princípios gerais de direito.

A diferenciação entre princípios e regras é tema recorrente em qualquer pesquisa que se pretenda completa sobre a matéria, de modo que não se pode deixar de enfrentá-lo. Ademais, no diapasão da busca de efetividade que se tem hoje, em todo o globo, dos princípios que albergam valores fundamentais, faz-se mister observar como se dá a solução de eventuais conflitos entre princípios. A técnica da ponderação, com base no princípio da proporcionalidade, será proposta como método de solução.

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Antes de adentrar no estudo do inquérito civil, é indispensável fazer o acompanhamento das lições doutrinárias acerca da conceituação de processo e suas conseqüências jurídicas. Pari passu com a conceituação, traremos a noção de procedimento, ainda enfocada sob diversas ópticas, por vezes suficientes para simplesmente afastar a aplicação das garantias constitucionais processuais, com base exclusivamente em rótulos. Comparativamente, em diversos estudos doutrinários, chega-se a inverter o ponto de partida de análise, afirmando que o procedimento só será processo quando estiver presente o contraditório, conferindo deste modo preponderância à rotulagem quanto a ser processo ou procedimento. A interpretação que aguarda o contraditório chegar antes dependerá de vontade legislativa – vontade essa que, não raro e perigosamente, pode nunca se fazer presente -, para só então se classificar como processo ou procedimento.

No capítulo 4, com a devida preocupação com as minúcias e detalhes do procedimento do inquérito civil, levaremos a termo as características do instituto e suas conseqüências, da instauração até as conclusões possíveis. Inevitável será comparar o instituto com seu similar utilizado na esfera penal, justamente pela maturidade que o tratamento deste já atingiu. Serão expostos os pontos em que o contraditório e a ampla defesa teriam espaço, neste ponto ainda baseados somente na legislação infraconstitucional. Deveras, os poderes investigativos que serão tratados guardam intima relação com a teoria das provas, razão pela qual a colheita e a produção das mesmas merecem atenção redobrada. Para garantir a licitude dos meios de prova, pelo fato de se atribuir poderes ao investigador, proporemos a concessão da possibilidade de contrariedade e defesa, em manifestação da paridade de armas ao investigado.

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defender ou contrariar a acusação. “De lege ferenda”, em vista da problemática levantada da indiferença aos princípios tratados, a sua inserção em cada diploma infraconstitucional, mesmo que desnecessário por serem já albergados na Constituição Federal, mas como atitude apta a coibir os desmandos dos arautos da dogmática.

Finalmente, a conclusão retoma, em síntese, os principais aspectos tratados ao longo da pesquisa nos capítulos anteriores.

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1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

1.1 Princípios constitucionais

A sensível ampliação da utilização dos princípios pela jurisprudência, seja na interpretação, seja na aplicação do ordenamento jurídico, seria, por si só, fator de análise mais aprofundada do tema. Ademais, de outro lado, a doutrina tem se debruçado sobre a principiologia com afinco já há tempos, distinguindo a norma em regras e princípios, como forma de demonstrar que estes devem albergar os valores fundamentais da sociedade, jamais arredáveis por disposições contidas naquelas, de hierarquia inferior.

Por outro lado, confinar o estudo do fenômeno jurídico aos termos do direito positivo, é fazer tábula rasa dos fatos e dos valores. Em outras palavras, estudar o Direito sob seu aspecto dogmático, equivale a preocupar-se tão somente com o estudo da norma jurídica positiva. Segundo André Ramos Tavares:

Atualmente a doutrina majoritária reconhece que as Constituições contemporâneas são tributárias de certos valores que albergam em suas normas como diretrizes, comandos ou objetivos a serem alcançados por todo o sistema normativo e pelos operadores do Direito. Ao sublinhar esta ‘nova fase’ do direito constitucional os autores estão especialmente preocupados em que se desmistifique a ‘neutralidade axiológica da Constituição, que vinha sendo apontada pela doutrina (2003, p. 22).

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Servindo de pautas ou critérios por excelência para avaliação de todos os conteúdos normativos, os princípios, desde sua constitucionalização, que é ao mesmo passo no mais alto grau, recebem como instância valorativa máxima categoria constitucional, rodeada do prestígio e da hegemonia que se confere às normas inseridas na Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os princípios se convertem em norma normarum, ou seja, norma das normas (2003, p. 289-290).

Sampaio Dória, enfrentando o que ele mesmo qualificou de tormentosa tarefa, define os princípios:

Como as bases orgânicas do Estado, aquelas generalidades do direito público que, como naus da civilização, devem sobrenadar às tempestades políticas, e às paixões dos homens. Os princípios constitucionais da União Brasileira são aqueles cânones sem os quais não existiria esta União tal qual é nas suas características essenciais (1926, p. 17-18).

Para Ruy Samuel Espíndola, a idéia de princípio, em sentido lato, ou mesmo sua conceituação, independentemente de qual seja o campo do saber:

Designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia-mestra, por um pensamento-chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou subordinam (2002, p. 52).

Cumpre não confundir princípios e valores, consoante Robert Alexy, para quem a distinção reside na localização, posto que os valores encontram-se no âmbito axiológico, enquanto os princípios estão no plano deontológico. Os valores são elementos estranhos ao âmbito normativo, mas nele influenciam diretamente. É com acerto que Ramos Tavares lembra que:

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O autor ainda aponta a localização dos valores, quando inseridos na esfera jurídica, ao afirmar que os mesmos:

Ora se apresentam como autênticas normas, inseridas no próprio Texto Constitucional, ora servem como diretrizes interpretativas – o que significa dizer que as demais normas devem ser interpretadas consoante os valores plasmados nas normas constitucionais (2003, p. 24).

Neste diapasão, o receptáculo natural da idéia de valores dominantes na sociedade é a Carta Política. Ainda com Ramos Tavares: “Os valores são positivados, em geral, por meio dos denominados princípios constitucionais. São, pois, os princípios constitucionalmente

adotados que apresentam a carga axiológica incorporada pelo ordenamento jurídico”.1

1.2 Princípios gerais de direito

Insta definir o que seriam os princípios gerais de direito, em especial para distingui-los dos princípios constitucionais.

Para que este desafio atinja bom termo, faz-se mister breve digressão, na esteira do pensamento de Paulo Bonavides, acerca da juridicidade dos princípios. O mestre aponta a existência de três fases distintas, no que concerne aos princípios jurídicos, quais sejam a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista.

Na concepção jusnaturalista, os princípios somente poderiam ser considerados como algo ditado pela razão. Para os adeptos desta corrente, um princípio deveria ser tomado como axioma, ou seja, como uma verdade universal irretorquível.

Com a codificação, tomando por exemplo clássico nossa Lei de Introdução ao Código Civil, os princípios gerais do Direito somente se prestavam a preencher lacunas, apenas sendo convocados a atuar quando o ordenamento positivo não abrigasse solução, ou a solução conduzia a um resultado indesejável pelo sistema.

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As Constituições passam a contemplar em suas normas uma carga axiológica definida e pujante, com o advento da denominada fase pós-positivista, sobretudo após períodos em que a lei era utilizada para justificar as mais graves atrocidades contra a humanidade. É aí que se opera uma transmutação dos princípios gerais do direito em princípios constitucionais. Estes passam a ter força cogente primária, convertem-se, nos dizeres de Paulo Bonavides, no “pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas

constitucionais”.2

No mesmo sentido, Ramos Tavares3 fala numa fusão da maioria dos princípios gerais

do Direito, presentes nas concepções jusnaturalista e positivista, às Constituições atuais, o que “fez essa categoria (princípios) sofrer aquela transformação mencionada, que os trouxe à

fase pós-positivista”.

Em sua obra Hermenêutica e Interpretação Constitucional, Celso Bastos conclui que nas Constituições atuais:

Tem-se assistido a uma crescente assimilação dos princípios gerais do Direito, que passam a ser traduzidos em normas expressas. Aliás, é o corpo onde naturalmente devem encontrar-se insertos. Não obstante isso, esses princípios continuam a pertencer a um patamar mais elevado, merecendo a designação de princípios gerais de Direito. Diz-se ‘mais elevado’ não no sentido de colocá-los acima da própria Constituição, com o que serviriam de limites materiais ao próprio poder constituinte (2002, p. 219).

A partir da fase pós-positivista os princípios constitucionais encontram-se todos em um idêntico patamar, não se podendo falar em relação de hierarquia. Diferentemente ocorre com a colisão entre princípios, quando, hic et nunc, um cederá espaço à atuação do outro. Por estarem de uma vez por todas normatizados, tornam-se o ápice e a base da pirâmide jurídica, fulminando qualquer provimento estatal que com eles conflitem.

Não obstante, há que se registrar a existência de princípios constitucionais específicos a determinados setores, como o princípio constitucional do não-confisco ou o princípio da moralidade administrativa. Continuam, contudo, sendo princípios constitucionais, podendo

2 BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, p. 264.

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receber, no máximo, o adjetivo “específico” logo após a conjunção; teríamos, destarte, princípios constitucionais e princípios constitucionais específicos.

1.3 Princípios e regras

Como categoria geral, as normas formam o gênero, do qual regras e princípios são espécies. Até algum tempo atrás, a teoria dos princípios baseava-se em construção simplista, a qual tinha como único fator distintivo perante as regras o critério da generalidade. Da simples leitura da regra, nota-se que sua incidência está restrita a determinadas situações, em virtude da descrição sempre mais objetiva. Por seu turno, os princípios albergam um grau de abstração maior, podendo desta forma serem aplicados a diversas situações. Há que se fixar neste ponto que inexiste hierarquia entre regras constitucionais e princípios constitucionais, à vista do princípio da unidade da Constituição, embora possam desempenhar funções distintas dentro do ordenamento.

É nesse sentido que Willis Santiago Guerra Filho traça a distinção entre normas jurídicas que são regras e normas que contêm princípios:

Normas jurídicas que são regras, em cuja estrutura lógico-deôntica há a descrição de uma hipótese fática e a previsão da conseqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são princípios, por não trazerem semelhante descrição de situações jurídicas, mas sim a prescrição de um valor, que assim adquire validade jurídica objetiva, ou seja, em uma palavra, positividade (2007, p. 52).

Canotilho propõe critérios para diferenciação dos princípios frente às regras, iniciando pelo grau de abstração, segundo o qual os princípios possuem um grau de abstração relativamente elevado, ao passo que as regras têm esse grau relativamente baixo. Como segundo critério, o mestre lusitano aponta o grau de determinabilidadena aplicação do caso

concreto, que preceitua mediações para que os princípios possam ser aplicados, em

decorrência de seu alto grau de abstração, ao passo que as regras podem ser aplicadas diretamente. Outro critério de distinção reside justamente no caráter de fundamentalidade no

sistema das fontes do Direito, pelo qual os princípios desempenham papel de primazia no

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importância estruturante no sistema jurídico. Aponta ainda a proximidade da idéia de Direito, como traço peculiar aos princípios, que seriam standards juridicamente vinculantes, decorrentes de exigência da “justiça”, enquanto as regras podem ter um conteúdo meramente funcional. Por derradeiro, fia-se na natureza normogenética dos princípios, sendo estes fundamentos das regras, i.e., os princípios são responsáveis pela “geração saudável” das regras.

Em sentido diferente do apontado por Canotilho, sobretudo em virtude do princípio da unidade da Constituição, Ana Paula de Barcellos e Luís Roberto Barroso assinalam critérios diversos. Ditos autores trabalham com o postulado de que princípios e regras desfrutam igualmente do status de norma jurídica e integram, sem hierarquia, o sistema referencial do intérprete. Destacam tão-somente três critérios, que para eles afiguram-se suficientes, embora reconheçam a pertinência de múltiplos outros. Cingem-se, desta forma, ao conteúdo, à estrutura normativa e às particularidades da aplicação.

Quanto ao conteúdo, os autores marcam uma posição de destaque dos princípios, ao afirmar que as regras são descritivas de condutas, ao passo que aqueles são:

Normas que identificam valores a serem preservados ou fins a serem alcançados. Trazem em si, normalmente, um conteúdo axiológico ou uma decisão política. Isonomia, moralidade, eficiência, são valores. Justiça social, desenvolvimento nacional, redução das desigualdades regionais, são fins públicos (BARCELLOS; BARROSO, 2003, p.111).

Já no que concerne ao segundo critério, o da estrutura normativa, atribui-se ao intérprete dos princípios tarefa mais complexa, porque estes não detalham condutas a serem seguidas, mas simplesmente fins ou estados ideais. A descrição pela regra delimita os atos a serem praticados para seu cumprimento adequado, sendo desnecessário um processo de racionalização mais sofisticado, mesmo que a atividade do intérprete jamais possa ser qualificada como mecânica.

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hipótese de fato que contempla se for inválida, se houver outra mais específica ou se não estiver em vigor. Sua aplicação se dá, predominantemente, mediante subsunção. No que tange aos princípios, situados em uma ordem pluralista, demais disso eventualmente podem se contrapor, não se pode falar em tudo-ou-nada. A colisão dos princípios faz, assim, parte da lógica do sistema, que é dialético. Para suplantar a celeuma envolvida, forçoso atinar para a dimensão de peso ou importância dos princípios. Em termos práticos, sugerem os autores que, à vista de elementos concretos, deverá o intérprete:

Fazer escolhas fundamentadas quando se defronte com antagonismos inevitáveis, como os que existem entre a liberdade de expressão e o direito de privacidade, a livre iniciativa e a intervenção estatal, o direito de propriedade e sua função social. A aplicação dos princípios se dá, predominantemente, mediante ponderação (BARCELLOS; BARROSO, 2003, p.113).

Relatam ainda Barcellos e Barroso que:

Nos últimos anos ganhou curso generalizado uma distinção qualitativa ou estrutural entre regra e princípio, que veio a se tornar um dos pilares da moderna Dogmática Constitucional, indispensável para a superação do Positivismo legalista, onde as normas se cingiam a regras jurídicas. A Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central. A mudança de paradigma nessa matéria deve especial tributo às concepções de Ronald Dworkin e aos desenvolvimentos a ela dados por Robert Alexy. A conjugação das idéias desses dois autores dominou a teoria jurídica e passou a constituir o conhecimento convencional na matéria (2003, p.108-109).

A tese de separação de Dworkin4 se constitui de duas partes. A primeira parte indica que as regras são aplicáveis de uma forma tudo-ou-nada (all-or-nothing fashion). Vindo a ocorrer a hipótese declinada na regra, sendo esta válida, deverão sobrevir as conseqüências previstas na norma. Se sobrevier conflito de regras, sem que uma estatua exceção para a outra, uma delas será inválida, sendo despedida do ordenamento jurídico. Os princípios, como já dito, não seguem o ditame do tudo-ou-nada, de modo a não forçar a imposição das conseqüências, mas fornecem todos os subsídios para que a solução se opere, após as mediações realizadas pelo intérprete. Podem colidir princípios, quando então um deles irá se sobrepor aos demais, mas jamais tratados como exceção.

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Diz-se que os princípios não comportam exceção pela constatação de que apontam uma direção, que deverá ser apreciada no caso concreto, à luz do peso relativo dos princípios envolvidos. Assim, não têm a pretensão de regular exaustivamente as hipóteses às quais serão aplicados. Já a norma, quando não se aplica, e para não ser taxada de inválida, deve trazer consigo exceção que afaste, no caso concreto, a aplicação que seria ordinária.

A solução ao choque de regras jurídicas quem nos dá é George Salomão Leite e Glauco Salomão Leite5, para quem “faz-se de império determinar qual delas será válida

através dos critérios de resolução de antinomias, para, depois, proceder à sua aplicação”.

E seguem, para arrematar a releitura do pensamento de Dworkin, com a solução para a colisão de princípios, para a qual:

O intérprete/aplicador deverá verificar as circunstâncias fáticas presentes no caso concreto para saber qual o princípio deverá ser privilegiado naquele momento. A ponderação por um ou outro princípio só poderá ser feita à luz da situação concreta que reclama uma solução, exigindo do aplicador verdadeiro exercício de sopesamento entre os princípios concorrentes no caso específico (LEITE; LEITE, 2003, p. 153).

Para Robert Alexy, os princípios são normas que impõem que algo seja realizado na maior medida do possível, respeitadas as possibilidades reais e jurídicas existentes. A partir de um critério eminentemente qualitativo, vê os princípios, portanto, como mandamentos de otimização, já que poderiam ser cumpridos em diversos graus, mas que devem obediência ao substrato fático-jurídico.

A concepção de Alexy acerca das regras também não discrepa em essência do lecionado por Dworkin. Por esta razão, Paulo Bonavides, pela voz da experiência, lança luzes sobre a pretensa divergência sustentada pelo próprio Alexy, ao pontificar que:

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Embora Alexy sustente que sua teoria difere da de Dworkin por considerar os princípios como mandamentos de otimização, crê-se não haver razão para esse traço distintivo. Com efeito, as limitações que encontram os princípios e que restringem sua plena eficácia são as mesmas que orientam e determinam o peso de cada um, na hipótese de colisão. Então, de qualquer modo, a determinação do peso levará em conta as condições do caso concreto, buscando-se a otimização dos princípios envolvidos, restringindo apenas o necessário do que foi preterido (2003, p. 276).

Se ainda alguma dúvida pairar sobre a convergência dos pensamentos de Dworkin e Alexy acerca da distinção entre regras e princípios, devemos nos socorrer da posição de Alexy sobre o confronto entre regras. Em linhas gerais, afirma que se surgir este confronto, evidentemente com conseqüências jurídicas opostas para a situação concreta, de tal sorte que essa oposição não possa ser eliminada mediante a inserção de uma cláusula de exceção, há de se conceber como inválida ao menos uma das regras.

Contudo, nem sempre o afastamento de uma regra implica invalidação. É o que salientam George e Glauco Salomão Leite, lembrando que as regras atuam como concretizações ou desdobramentos dos princípios. Assim, pode ocorrer que:

Quando uma regra figurar como concreção de um princípio que está em colisão com outro, o princípio afastado também levará consigo as regras que lhe dão desdobramento normativo, sem que isso acarrete a exclusão dessas regras da ordem jurídica (LEITE; LEITE, 2003, p. 154).

Salutar a distinção feita por Sérgio Sérvulo da Cunha,6 entre a eficácia e a efetividade. Enquanto a eficácia está relacionada à incidência da norma, no seu plano lógico-jurídico, a aplicação da norma ao caso concreto está relacionada à efetividade. O autor desenvolve essa idéia em algumas passagens, buscando denominar como eficácia a produção de efeitos pela norma, mediante a sua incidência. Para ele o conceito de eficácia supõe o de vigor, que é a capacidade de produzir efeitos.

Ilustrativa a passagem em frente:

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Ao ouvirmos falar em eficácia, nosso olhar se dirige imediatamente para aqueles resultados, para o plano da realidade social onde queremos que eles produzam. Se assim fizermos, porém, estaremos saltando por cima de outro plano da realidade (o plano lógico, relativo aos conceitos, classes, categorias, relações), sem o qual não é possível a produção daqueles efeitos (CUNHA, 2006, p. 197).

Havendo descumprimento da norma, três alternativas se abrem, quais sejam: a) nada se faz e a norma restou inefetiva; b) reclama-se que a norma seja aplicada à autoridade competente; c) reclama-se que a norma seja aplicada, mas é impossível de se fazer produzir os seus efeitos, sendo por isso imposta uma sanção ao seu descumpridor.

Os efeitos produzidos por uma norma jurídica são diferentes dos efeitos produzidos por um princípio, sendo que a diferença principal é normalmente o efeito jurídico produzido pelas normas, encontrado no seu próprio enunciado. Para Sérvulo da Cunha, a eficácia da norma fica suspensa até a ocorrência do fato concreto nos moldes em que ela mesma projetou. E, quanto aos princípios, não há que se falar em vigência, somente em sua força.

Significativa conclusão de Sérvulo da Cunha, razão pela qual extraímo-la:

Entre o princípio e os fatos que ocorrem no respectivo âmbito de eficácia situam-se as normas, que estabelecem a mediação entre uns e outros. Em sistemas logicamente consistentes, a interpretação da norma – mediante a qual se transita da eficácia para a efetividade – não pode obliterar o princípio (CUNHA, 2006, p. 200).

Há ainda importantes conceitos sobre os princípios, como aquele que preceitua que quanto mais numerosas as normas correspondentes a um âmbito de eficácia, mais fácil será revelar o princípio respectivo e o seu enunciado. Em outras palavras, o âmbito de eficácia de um princípio geral do Direito é maior do que o âmbito de eficácia de um princípio geral de algum dos ramos do Direito. É auto-explicativo o trecho que se segue:

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Ao tratar da intensidade da eficácia, Sérvulo da Cunha aponta duas características do princípio: a) sua capacidade normogenética; b) possibilidade de ser aplicado “per saltum”, ou seja, independentemente da mediação de uma norma. O legislador deve atenção ao princípio, evitando contrariá-lo e editando as normas que o concretizem. Entretanto, salvo determinação expressa:

Não está obrigado a preencher o campo de eficácia do princípio, desde que tal abstenção não o mobilize nem contrarie: essa tarefa inclui-se na sua discricionariedade. Se há déficit de concretização do princípio, isto é, se faltam normas pertinentes ao seu âmbito de eficácia, é preciso avaliar se ocorre silêncio eloqüente, contenção do legislador diante de uma questão problemática, ou se existe lacuna – caso em que poderá ser “per saltum” a eficácia (CUNHA, 2006, p. 201).

1.4 Colisão entre princípios

Pode ocorrer em determinado caso concreto que mais de um princípio possa ser aplicado, o que levou a doutrina a erigir soluções para tentar afastar a colisão. Antes de qualquer digressão, forçoso lembrar que inexiste hierarquia normativa entre princípios, o que justamente torna a tarefa de optar por um, em detrimento de outro, quando ambos seriam aplicáveis, algo complexa. A dimensão do peso a que alude Dworkin, tratada acima, sugere que quando dois princípios colidem, o princípio de peso relativamente maior será aplicado, sem que com isso invalide o princípio de peso menor.

São temas típicos do Processo Constitucional os princípios gerais do processo consagrados na Constituição, como contraditório, ampla defesa e devido processo legal.

Vale assinalar serem civis as ações que provocam o exercício da jurisdição constitucional. Mesmo aquelas que visam tutelar interesses difusos, somente o são por não serem os titulares individualizáveis, não chegando a se tornarem interesses públicos, de todos e de cada um da sociedade política.

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constitucionais, sendo elas próprias garantias constitucionais. Expoente defensor do processo constitucional, Willis Santiago Guerra Filho, para quem:

Será aquela forma processual própria para a tutela de direitos fundamentais, sendo este o seu objeto, seja imediato, quando for a ordem jurídica subjetiva aquela ameaçada ou violada, seja mediato, quando a necessidade de proteção seja da ordem jurídica constitucional objetiva, cuja violação ameaça igualmente o núcleo essencial desta mesma ordem, em sendo aquela de um Estado democrático de Direito, resultante dos direitos e garantias fundamentais por ela consagrados (2007, p. 12).

De outro lado estão os interesses diversos dos indivíduos, das coletividades que venham a formar ou mesmo os estatais, os quais pela variedade e extensão não têm como se resguardar preventiva ou exaustivamente em ordenamento, daí a previsão do processo constitucional como meio apto a solucionar as situações imprevistas. É o que pode se chamar de “obra aberta”7 em constante construção e reformulação pelos intérpretes, sobretudo no seio de um Estado que se pretenda Democrático de Direito a reclamar a permanente conciliação de valores que somente de forma abstrata de compatibilizam.

A interpretação constitucional não pode olvidar da fórmula política adotada, que serve como guia e baliza para a concretização dos valores. Na clássica lição de Pablo Lucas Verdú, “a fórmula política de uma Constituição é a expressão ideológica que organiza a convivência

política em uma estrutura social”.8 Não há como negar que a interpretação constitucional

pressupõe uma teoria dos direitos fundamentais, que para tanto devem ser conceituados para a delimitação do processo constitucional.

Algo que ainda entre nós merece cuidados, em vista da freqüente confusão semântica, mesmo entre doutrinadores, reside na distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais. Buscaremos na obra de Guerra Filho seus fundamentos, para que não pairem dúvidas sobre o tema. Diz o autor que, de um ponto de vista histórico, os direitos fundamentais são originalmente direitos humanos. Contudo, os direitos fundamentais adquirem a qualidade de produtor de efeitos no plano jurídico, enquanto manifestações positivas do direito. Por seu turno, por serem pautas ético-políticas, situados em uma dimensão suprapositiva, os direitos humanos têm natureza deôntica diversa das normas jurídicas, especialmente as de Direito interno. Finalizando a questão, deve-se enfocar a

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característica dos direitos humanos de terem uma vocação universalista, internacional, ao contrário dos direitos fundamentais, assentados em ordem jurídica interna.

Outra distinção, agora no seio dos direitos fundamentais, encontra-se no pensamento do jurista Paulo Bonavides, para quem se dividem em gerações. Willis Santiago Guerra Filho pontua que ao invés de “gerações” é melhor se falar em “dimensões de direitos fundamentais”, o que, nesse contexto, não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas. E para concluir o raciocínio, clareia a importância de sua divergência no sentido de que:

Os direitos “gestados” em uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já trás (sic) direitos da geração sucessiva, assumem uma outra dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada – e, conseqüentemente, também para melhor realizá-los (2007, p. 43).

Bonavides leciona que a primeira geração é aquela em que aparecem as chamadas liberdades públicas, “direitos de liberdade”, que são direitos e garantias dos indivíduos a que o Estado omita-se de interferir em uma sua esfera juridicamente intangível. Com a segunda geração, surgem direitos sociais a prestações pelo Estado para suprir carências da coletividade. Englobam os direitos culturais e econômicos, bem como os direitos de coletividade, germinados por obra da reflexão antiliberal durante o século XX. Já na terceira geração, concebem-se direitos cujo sujeito não é mais o indivíduo nem a coletividade, mas sim o próprio gênero humano. Podem ser caracterizados como direitos de solidariedade, e não fraternidade como pretendem alguns. A derradeira geração de direitos fundamentais, que seriam o direito à Democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo, decorrem da globalização política que ora se desenvolve, como forma de garantir a participação dos povos da periferia nos rumos da sociedade aberta do futuro.

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Deve-se levar em conta a circunstância de que a teoria do direito contemporânea, ao expandir seu objeto de estudo da norma para o ordenamento jurídico, terminou por incluir nele espécie de norma que antes sequer era considerada como tal, o que, por via de conseqüência, acarretou uma ampliação também no conceito de norma até então corrente. E é precisamente nessa ‘nova espécie’ de norma que se irá incluir aquela de direitos fundamentais, bem como, juntamente com elas, outras, dotadas da mesma ‘fundamentalidade’, mas que não conferem direitos, nem configuram qualquer outra situação subjetiva (2007, p. 50).

A distinção já feita entre regras e princípios adquire especial importância nesta altura, já que a norma que consagra direito fundamental deve ser classificada como principiológica. Como mandamentos de otimização, que se cumprem na medida das possibilidades oferecidas, os princípios não seguem o modelo de solução de conflitos adotado para as regras; as colisões entre aqueles serão solucionadas de forma que o acatamento a um não implique o desrespeito completo do outro. Relevante para nós é também a solução para um choque entre regra e princípio, quando este prevalece sempre, conquanto não diretamente sobre a regra, mas sobre o princípio em que a regra se baseia.

Outra característica dos princípios, albergues das normas de direito fundamental, é precisamente sua relatividade, que em outras palavras nada mais é do que a constatação de que um princípio não pode ser acatado em toda e qualquer situação de forma absoluta, sob pena de infringir, em algum momento, alguma pauta valorativa. Por tal razão, a postulação do mestre cearense, fincada em bases lógica e axiológica, por um princípio da proporcionalidade, “para que se possam respeitar normas, como os princípios – e, logo, também as normas de

direitos fundamentais, que possuem o caráter de princípios –, tendentes a colidir”.9

Para solucionar as colisões, importante também construir um sistema normativo, deduzido do ordenamento jurídico. Kelsen10 erigiu a norma hipotética fundamental como elo responsável pela validação de toda a cadeia de normas, mesmo não sendo obra resultante de ato de vontade, mas simplesmente “obra pensada”. Muito embora o mestre vienense tenha reformulado seu pensamento, torna-se inarredável a tentativa de construir uma pirâmide para situar nosso ordenamento jurídico.

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Para Willis Santiago Guerra Filho11, no topo da pirâmide estaria a decisão política fundamental, o princípio do Estado Democrático, que pode ser entendido como resultado da conjunção de duas exigências básicas, “e que podem ser traduzidas no imperativo de respeito à legalidade, devidamente amparada na legitimidade”. Deste princípio basilar podem-se extrair outros, em ordem decrescente de importância, como “princípios fundamentais estruturantes”, “princípios fundamentais gerais”, “princípios constitucionais especiais” e, por fim, as normas constitucionais tidas como regras.

Como “princípios fundamentais estruturantes” podem ser apontados o “princípio do Estado de Direito” e o “princípio democrático”, que como já mencionado sustentam a fórmula política. Canotilho acrescenta a estes o “princípio republicano”, no que Guerra Filho discorda, para enfim acrescentar o “princípio federativo” como legítimo princípio estruturante.

Da classe dos “princípios fundamentais gerais” devemos pinçar, dentre os enunciados pela Carta Política no art. 1°, aquele protetor da dignidade da pessoa humana, que manda os homens, em suas relações interpessoais, não agirem de forma a tratar o outro como objeto.

Por derradeiro, leciona Guerra Filho (2007), que o alvo de nosso estudo, os direitos fundamentais, “estariam consagrados objetivamente em ‘princípios constitucionais especiais’, que seriam a ‘densificação’ (CANOTILHO) ou ‘concretização’ (embora ainda em

nívelextremamente abstrato) daquele ‘princípio fundamental geral’, de respeito à dignidade

humana”.12 O princípio da proporcionalidade, por sua natureza conciliadora dos direitos

fundamentais, somente pode ser deduzido também da dignidade humana.

A norma de direito fundamental, no atual estágio de desenvolvimento, não pode sofrer restrições com base no vetusto argumento de ser norma programática. Aliás, tal denominação somente tem, ainda, razão de ser, naquelas que contêm pautas para a ação estatal. É dizer, aquelas normas exigentes de uma prestação do Estado, tais como as de direito cultural, podem ainda ser denominadas de programáticas, embora sua efetividade esteja de todo e por tudo resguardada. O princípio de interpretação constitucional denominado “princípio da máxima efetividade” pode bem colorir esta idéia, pois pelo mesmo não se pode admitir normas

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constitucionais como promessas a serem um dia incerto atendidas, nem tampouco exortações de boa conduta.

A admoestação de Marcelo Lima Guerra nos parece de exatidão inquestionável, quando, ao tratar da aplicação dos direitos fundamentais, assinala que:

Em toda sua atuação jurisdicional, a atividade hermenêutica do juiz submete-se ao princípio da interpretação conforme a Constituição, no seu duplo sentido de impor que a lei infraconstitucional seja sempre interpretada, em primeiro lugar, tendo em vista a sua compatibilização com a Constituição, e, em segundo lugar, de maneira a adequar os resultados práticos ou concretos da decisão o máximo possível ao que determinam os direitos fundamentais em jogo (1998, p. 52-53).

Ocorre que adequar os resultados concretos da decisão ao que determina o direito fundamental em jogo significa também, por vezes, afastar a aplicação de outro possível. Tal aplicação prática é a responsável pela conflituosidade entre princípios, solucionável entre nós pela aplicação do princípio da proporcionalidade, princípio dos princípios, que ao mesmo tempo manda respeitar um e desrespeitar ao mínimo o outro.

A forma como o princípio é visto atualmente pode ser desdobrada em três vertentes: proporcionalidade em sentido estrito, adequação e exigibilidade. O mesmo que afirmar o emprego do princípio em tela seria identificar o fim almejado pela disposição constitucional interpretada, delineando os meios utilizáveis para tanto. Dentre os meios, porque se só existir um não há conflito, deve-se buscar algum adequado para atingir o resultado. Pode ser que vários superem esta fase, quando então, dentre todos igualmente eficazes, somente o que menos agrida os valores constitucionais colidentes no caso concreto. Por último, a proporcionalidade em sentido estrito preceitua a escolha de meio juridicamente mais vantajoso, a partir do sopesamento entre as vantagens e desvantagens que trazem para interesses das pessoas, individual ou coletivamente consideradas. Guerra Filho (2007)13 vê cair como luva a função da proporcionalidade “pela circunstância de se tratar de um princípio extremamente formal e, à diferença dos demais, não haver um outro que seja seu

oposto vigorando, em um ordenamento jurídico digno desse nome”.

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Tal ênfase no tratamento dos problemas jurídicos a partir do sopesamento dos princípios leva ao inevitável enfraquecimento do legalismo, presente no positivismo normativista, para o qual as normas do direito positivo se reduziriam às regras. Parte daí a crítica de Forsthoff, mencionada por Guerra Filho (2007)14, de não admitir valor maior do que o da segurança, garantida supostamente pela estrita observância da lei, que não poderia se submeter a controle a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade.

Encerra-se este capítulo com a transcrição integral de trecho daquele que, quando se fala em princípio da proporcionalidade no Brasil, tem seu nome associado:

O momento atual, porém, se mostra extremamente propício à sua recepção, com a entrada em vigor da nova Constituição, para vir ao encontro dos reclamos da sociedade brasileira por uma ordem sócio-política equânime. A ausência de uma referência explícita ao princípio no texto da nova Carta não representa nenhum obstáculo ao reconhecimento de sua existência positiva, pois ao qualificá-lo como “norma fundamental”, nos termos da Teoria Pura kelseneana, se lhe atribui o caráter ubíquo de norma a um só tempo ‘posta’ (positivada) e “pressuposta” (na concepção instauradora da base constitucional sobre a qual repousa o ordenamento jurídico como um todo) (2007, p. 106).

Mesmo que se pudesse imaginar fosse possível elaborar uma lista contando todos os princípios de um sistema jurídico, não se poderia responder à questão sobre qual é a relação de primazia entre eles. A lista somente iria fixar algo quando os pesos relativos aos princípios pudessem ser estabelecidos, mas mesmo que não o fizesse também seria qualificada como teoria de princípios. Conforme a fixação fosse sem relação de primazia ou então estabelecendo todas as relações possíveis para cada caso, ele seria tanto mais fraco ou mais forte, respectivamente.

Dworkin (2002)15 procurou elaborar a mais precisa teoria dos princípios da qual se tem notícia, a qual deveria conter aqueles princípios e seus pesos relativos, que melhor justificam os precedentes, as normas estatuídas e as prescrições da Constituição e sobre cuja base, em cada caso, sempre exatamente uma resposta é correta. A Soundest Theory of Law (“teoria da lei que soasse mais alto”) peca justamente pelo fato de ser impossível provar em cada caso a única resposta correta e, mesmo que se faça em inúmeros casos, hora sobrevirá em que obediência cega a dado valor fulminará outro. Evidentemente que os princípios têm

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2. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

2.1 Direito de defesa

A idéia de defesa esteve presente nos sistemas jurídicos primitivos, embora sem os contornos conceituais atuais do contraditório. O processo romano-canônico surgiu como uma junção de regras costumeiras do direito bárbaro com o direito romano e o direito canônico. Deu surgimento à idéia de um novo processo em que se pretendia defender o cidadão, pois o processo era muito mais lento e rígido, com reduzida liberdade de convicção do magistrado.

O direito de defesa existia nos ordenamentos jurídicos destes primitivos povos, sempre que o litígio fosse entre dois particulares. Quando o Estado litigava com algum particular, não havia defesa por parte deste, a não ser que o Estado fizesse alguma concessão. Foi com a revolta dos ingleses em 1215, contra os abusos do Rei “João Sem-Terra”, que foi feita a Magna Carta, na qual foram positivados vários direitos fundamentais dos cidadãos. Este documento trouxe o princípio do contraditório que poderia ser invocado contra o soberano, em seu artigo 39.

Diversos documentos históricos foram promulgados visando proteger a idéia de defesa, tais como: The Petition of Rights, Habeas Corpus Act e Bill of Rights. Os valores do devido processo legal aparecem também na Revolução Francesa e na Constituição Americana, conforme leciona Mendonça Júnior:

A partir do final do século XIX, desenvolve-se o processo como relação de direito público, tendo como escopo a realização da justiça material, atuando com feição instrumental para a consecução dessa finalidade. O contraditório apresenta-se como pilastra para o alcance dos fins processuais na sociedade moderna (2001, p. 32).

E arremata: “Os desdobramentos do due process of law constituem-se em garantia da legitimidade da jurisdição, propiciando um processo regular, perante juízos imparciais e em

busca de decisões justas”.16

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Para o mesmo autor, a defesa decorreria “da vinculação do direito de ação, criando para o réu o poder de pedir ao órgão estatal que desatenda ao pedido do autor, emitindo-se

uma decisão declaratória negativa do direito material postulado”.17 Segue seu raciocínio no

sentido de que a Constituição Federal, ao se referir a litigantes, consigna sua referência ao processo judicial e ao administrativo; já quando menciona acusados, cuida de todos em geral, inclusive aqueles acusados nos procedimentos disciplinares das instituições de direito privado, porquanto algumas destas exercem fortes influências na coletividade, de modo a assumir interesse público.

Por paridade de armas, busca-se superar uma visão meramente formal de igualdade, a fim de atingir uma noção de igualdade real, que leve em conta as desigualdades individuais. Podemos elencar dois pontos essenciais à idéia de igualdade no processo: a) a exigência de um mesmo tratamento aos que se encontrem na mesma posição jurídica no processo, só se admitindo desigualdades em razão de situações pessoais inteiramente justificáveis; b) a igualdade de armas no processo para as partes.

A necessidade da paridade de armas significaria a possibilidade de ser conferido às partes tratamento especial para compensar eventuais desigualdades, para suprir o desnível da parte inferiorizada. Esse tratamento favorável ao réu foi cristalizado na máxima do in dubio

pro reo ou favor rei.

Na Corte Constitucional da Itália, faz-se necessário que à capacidade profissional do Ministério Público se contraponha semelhante qualificação ao que assista ao imputado. Aqui no Brasil, também em razão do princípio do contraditório, no processo penal, deve o réu estar bem defendido, pois se assim não for poderá o juiz declará-lo indefeso, proporcionando-lhe melhores condições para ser defendido.

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2.2 Princípios constitucionais e processo

O sistema inquisitivo baseia-se na busca da verdade plena, buscando raízes na crença de que quanto maiores os poderes concedidos ao inquisidor, tanto mais condições de surgimento da verdade. Pode-se afirmar que na fase inquisitorial surge cristalino o embate entre a segurança social e a liberdade individual, sendo que o primeiro sempre estará em posição sobranceira, pois ao investigado não se concedem os direitos inerentes à defesa.

Entre nós tal sistema é destinatário de críticas freqüentes, principalmente por alguns insistirem em classificar o acusado como objeto e não sujeito de direitos, como se autorizado o arbítrio do julgador. Não se pode negar que aquele que concentra em si as qualidades de inquisidor e julgador terá mais propensão a julgar favoravelmente à pretensão. Do mesmo modo, o Ministério Público, no curso do inquérito civil, por ele instaurado e conduzido, terá mais entusiasmo para encaminhar a peça inicial da ação civil pública, ou ao menos levar o indiciado a assinar um termo de ajustamento de conduta.

Ironia do destino, a instituição do Ministério Público surge justamente com o intuito de se suplantar a fase inquisitorial, consoante nos relembra Scarance Fernandes:

A instituição do Ministério Público surgiu na história justamente para que, mediante um processo acusatório, fosse superado o sistema inquisitorial, quando, nas mãos de uma só pessoa, se reuniam as funções de acusar e de julgar. Essa conquista favoreceu o indivíduo e assegurou o contraditório, propiciando ao acusado o direito de contraditar os atos formulados por órgão diverso do que julga. É, assim, necessário existir no processo penal partes em posições opostas, colocadas em condições de contrariarem os atos da parte adversa (2002, p. 63).

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De qualquer maneira, inequívoca sinalização no sentido de que o devido processo legal por vezes se confunde com o próprio Estado de Direito. A aglutinação destes conceitos vem bem definida por Rovégno, para quem:

Atualmente, as idéias de Estado Democrático de Direito, devido processo legal, processo acusatório e contraditório caminham unidas, interpenetram-se e revigoram-se mutuamente, constituindo um notável patrimônio humanístico da sociedade contemporânea (2005, p. 247).

A norma que concede direito fundamental deve ser compreendida como princípio, cujo recuo em determinados casos somente então é admissível quando um princípio em sentido contrário o justifica. O legislador é, dessa forma, vinculado ao princípio de direito fundamental.

Princípios são mais que pontos de vista não-vinculativos, dos quais o juiz pode se servir à vontade. Inexiste motivo para contar algo no sistema jurídico que em nenhum sentido vincula juridicamente. Delosmar Mendonça Júnior lembra que o processualista moderno adquiriu a consciência de que:

Como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa refletir as bases do regime democrático, nela proclamados; ele é, por assim dizer, o microcosmos democrático do Estado-de-Direito, com as conotações da liberdade, igualdade e participação (contraditório), em clima de legalidade e responsabilidade. A Constituição é vista como raiz processual, e o processo como instrumento político e ético que reflete, em cada momento histórico, o perfil ideológico do Estado, positivado em princípios e regras (2001, p. 46-47).

Falando sobre a importância da previsão do contraditório como princípio pétreo, o autor aduz que:

Conjunturas sócio-políticas podem levar ao entendimento limitado, no sentido de que o contraditório seria a mera ciência do processo e audição da parte, sem possibilidade de ampla participação, não apenas na formação da prova, mas também em todos os argumentos jurídicos destinados a formar a convicção do juiz. Então, a Constituição “qualificou” a defesa e, conseqüentemente, o seu instrumento (contraditório) (MENDONÇA JÚNIOR, 2001, p. 56).

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2.3 Princípio do contraditório

É Leonardo Greco (1996) quem nos traz a notícia da gênese do contraditório, ao lecionar que:

A audiência bilateral tem origem na Antiguidade grega, mecionada por Eurípedes, Aristófanes e Sêneca (Picardi), chegando ao Direito comum como um princípio de Direito natural inerente a qualquer processo judicial, consistente no princípio segundo o qual o juiz somente está apto a decidir o pedido do autor depois de notificá-lo ao réu e de dar a este a oportunidade de se manifestar (1996, p. 154).

E continua o mestre:

John de Salisbury, no século XII, no seu Policrático, ressaltava a importância da teoria do processo como elemento fundamental de união entre a Filosofia política, impregnada de ética, e a concepção da dialética como ars opponendi et respondendi (Giuliani). E, assim, o contraditório deixou de impor apenas a ciência inicial do réu ao pedido do autor e a sua resposta a esse pedido, para tornar-se um método contínuo preparatório de todas as decisões adotadas no processo (GRECO, 1996, p. 154).

Pela importância que outro registro do artigo nos trará em nossas conclusões, pedimos licença para transcrever trecho do mesmo:

A regra da igualdade se fragilizou a partir do século XVI, com o absolutismo monárquico, porque o processo passou a ser regulado pelo príncipe, o que reduziu o contraditório ao direito de ser ouvido, à audiência bilateral (Oliveira)”. “O positivismo da segunda metade do século XIX e da primeira metade do século XX, por sua vez, se encarregou de esvaziar a função axiológica da audiência bilateral e do próprio contraditório, desclassificando-o como princípio imanente do processo judicial e sobrevivendo circunstancialmente como regra técnica característica de alguns procedimentos, mas não de outros (GRECO, 1996, p. 155).

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Garantia da eficácia concreta dos direitos fundamentais, característica não só do processo judicial, mas também do processo administrativo, conferindo uma dimensão jamais alcançada ao princípio político da participação democrática, já que, sem ele, esses direitos não passam de vazias proclamações (1996, p. 155).

Outro ponto em que nos parece aguda a percepção do professor da Faculdade de Direito Campos de Goytacazes, Greco (1996), é quando afirma peremptoriamente que “o direito de influir por todos os meios idôneos nas decisões judiciais que possam atingir a sua

esfera de interesses não depende de regulamentação por lei infraconstitucional”.18

Corrobora com tal assertiva a idéia que visa proteger a aplicação ampla e irrestrita do contraditório a quaisquer procedimentos que tenham o condão de limitar a liberdade, o patrimônio ou mesmo um simples interesse do cidadão, simplesmente por se tratar o contraditório de expressão do princípio político da participação democrática.

Traz ainda a mais moderna interpretação do conteúdo e alcance do princípio, somente possível àqueles que se libertaram das amarras da legalidade, para buscar na legitimidade o fundamento do Estado de Direito. Deveras, o princípio em comento, mormente o aspecto de influir na prestação jurisdicional “é uma garantia da qual não pode ser privado qualquer cidadão, como exigência de participação eficaz, haja ou não litígio, haja ou não cognição

exaustiva, haja jurisdição provocada ou de ofício, seja qual for o procedimento (Trocker)”.19

Devemos, pois, diminuir a importância da regência da matéria de fato, seja pelo princípio dispositivo ou pelo inquisitório, além do que o contraditório não pode sofrer limitações impostas pelo legislador ordinário, sob pena de comprometer sua eficácia.

É por tais razões que o contraditório não pode se distanciar do inquérito policial, como não pode também se afastar do inquérito civil, como se verá por mais razões. O descarte de provas inadiáveis, como exames cadavéricos ou de corpo de delito, faz-se de rigor se aptas a constituir fundamentos essenciais de uma condenação, justamente por não atendido a contento o princípio do contraditório.

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Nosso vetor bem poderia ter sido, no início das pesquisas, breve passagem do final do artigo do professor Greco, nos seguintes termos:

No momento em que a crise da Justiça, assolada pela explosão de demandas, exige soluções corajosas, a afirmação das exigências de um processo de qualidade, impregnado de humanismo, deve ecoar como um alerta de que os cidadãos esperam aquilo do Judiciário não são somente decisões rápidas, mas especialmente decisões justas (1996, p. 158).

Com Canuto Mendes de Almeida (1973)20, “o contraditório é, pois, em resumo,

ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”. O atuar das

partes, muito embora de maneira egoística, porquanto somente apresentará argumentos que lhe são favoráveis, faz da decisão um convencimento aperfeiçoado. O aspecto moral da decisão não foi esquecido por Cândido Rangel Dinarmarco, para quem a segurança e a conseqüente austeridade da Justiça são valores inalienáveis. Nas suas palavras:

Para aumentar a segurança e, com isso, a austeridade da Justiça, possibilitando decisões e soluções mais justas e adequadas ao direito material é que está aí a garantia do contraditório como instrumento de que se vale o Legislador para evitar os riscos de medidas que não estejam de acordo com os juízos axiológicos da própria sociedade (1987, p. 100).

As prerrogativas conferidas pelo princípio do contraditório variam conforme o teor da matéria tratada pela doutrina, mas acompanhamos o pensamento do professor Vicente Greco Filho, que enumera as seguintes:

Poder contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas que devem, se pertinentes, obrigatoriamente ser produzidas; acompanhar a produção de provas, fazendo, no caso das testemunhas, as perguntas pertinentes que entender cabíveis; falar sempre depois da acusação; manifestar-se sempre em todos os atos e termos do processo aos quais deve estar presente; recorrer quando inconformado (1996, p.58).

Sob outro prisma Delosmar Mendonça Júnior traça observações do contraditório relacionado ao princípio da igualdade:

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Se todos são iguais perante a lei, e, na lei, a prerrogativa de mostrar fundamentos fáticos e jurídicos para a obtenção de tutela jurisdicional favorável deve corresponder a igual oportunidade e prerrogativa de demonstrar a inviabilidade da pretensão material. Nos processos penal e administrativo não se pode falar em igualdade de indivíduos; todavia, em virtude da autolimitação do poder estatal deve haver a igualdade de “partes dentro do processo”, ou seja, a paridade de posições, em face da dialética do processo (2001, p. 38-41).

A norma emerge como consectário da igualdade, de modo que ambas as partes da lide possam desfrutar na relação processual, de iguais faculdades e devam se sujeitar a iguais ônus e deveres.

O contraditório é composto por três elementos essenciais: a) informação, por meio do qual sem conhecimento da existência da demanda não há possibilidade de defesa de direitos, além de que sem ciência da atitude de uma parte a outra não pode participar; b) participação, de modo a garantir o contínuo acompanhamento das atividades processuais, ensejando manifestações de colaboração com a descoberta da verdade e do direito e também reação, confrontação, contraposição e contrariedade aos atos desfavoráveis; c) paridade que em toda matéria que diga respeito à defesa judicial de direitos no processo está afeta ao princípio do contraditório.

Imprescindível cuidarmos do contraditório diferido, mormente no que concerne às perícias. Por vezes, os vestígios não subsistirão até o desfecho da investigação, nem tampouco até a fase instrutória do processo, de modo que as perícias devem ser feitas imediatamente. Por esta razão, e por outras, como desconhecimento dos autores do fato ilícito, o contraditório pode ser diferido. Novamente vamos nos socorrer dos ensinamentos de Greco Filho:

A Constituição não exige, nem jamais exigiu, que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato. Há atos privativos de cada uma das Partes, como há atos privativos do juiz, sem a Participação as Partes. Todavia, o que assegura o contraditório é a oportunidade de a eles se contrapor por meio de manifestação contrária que tenha eficácia prática antes da decisão. Assim, por exemplo, é válida a prova pericial realizada na fase de inquérito policial, por determinação da autoridade policial, desde que, em juízo, possa ser impugnada e, se estiver errada, possa ser refeita (1996, p. 47).

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