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2 PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

5.4. Das provas obtidas por meios ilícitos

Na mesma linha do processo em geral, as provas obtidas por meios ilícitos deverão ser desconsideradas. Da mesma forma, as provas atingidas pelos vícios, também ficarão comprometidas. A questão tem a ver com a teoria geral das provas, pela qual ninguém pode ser denunciado ou condenado com fundamento em provas ilícitas. A atividade persecutória do Poder Público deve se submeter a parâmetros de caráter ético-jurídico, cuja transgressão só pode importar na absoluta ineficácia dos meios probatórios produzidos pelo Estado.

A norma inscrita no artigo 5º, LVI, da Carta Política, preceitua que a prova obtida por meios ilícitos deve ser afastada pelo Poder Jurisdicional, mesmo que os fatos apurados sejam relevantes, sob pena de decretação de inconstitucionalidade da persecução ou da investigação. Neste sentido, o membro do Ministério Público deve levar para os autos do inquérito civil todos os elementos de convicção que lhe cheguem às mãos, não só a informação que corrobore seu intento, mas também a que o contradiga. Mas, antes de tudo, deve levar tão- somente os elementos obtidos ou produzidos por meios lícitos, porquanto o que está fora disso não ostenta eficácia jurídica.

A Suprema Corte norte-americana considera essencial a Exclusionary Rule, a partir do enunciado da IV Emenda à Constituição, pela qual a ilegítima produção ou a ilegal colheita de prova incriminadora concorre, de modo absoluto e determinante, para o banimento processual de evidência ilicitamente coligida. Note-se a advertência do então e sempre brilhante ministro Rafael Mayer, para quem a produção ou colheita de prova, feita “à socapa, para servir, com a

incidência do declarante, como dado a comprometer a sua integridade pessoal, incorre na infringência dos mais elementares princípios da ética e do mínimo de lealdade que deve presidir as relações humanas”.59

Ademais, consoante preciso magistério de Ada Pelegrini Grinover60, é “irrelevante

indagar-se a respeito do momento em que a ilicitude se caracterizou (antes e fora do processo ou no curso do mesmo)”. A bem da verdade, o que está a Carta Política a resguardar é o momento da admissibilidade, de modo a tentar impedir os momentos posteriores, notadamente a valoração da prova ilícita.

A atividade probatória encontra limites na dignidade da pessoa humana e no respeito aos seus valores fundamentais. O direito de propor e ver produzidos os meios de prova, com reais possibilidades de convencimento do juiz, constitui desdobramento do direito do contraditório. Destarte, a obtenção de provas com infração aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa tem repercussão imediata no plano processual, tornando a prova imprestável, mesmo que sua utilização seja remota.

O alcance da inadmissibilidade atinge, além do seu momento de produção, também a fase de admissibilidade e valoração. Embora a Constituição Federal não estabeleça sanção no caso das provas ilícitas, as conseqüências devem defluir dos princípios gerais do direito.

Luiz Francisco Torquato Avolio, tratando da atipicidade constitucional, no sentido da desconformidade a um modelo imposto pelas normas constitucionais, assevera que “com

relação às normas de garantia, não há lugar para a irregularidade sem sanção”.61

59 RTJ 110/807.

60 GRINOVER, A.P., Liberdades públicas e processo penal, p.151.

A conseqüência será, portanto, a decretação de sua inexistência jurídica, “já que essa

repercute no estrito âmbito do interesse das partes”62, tornando ineficaz a prova coligida aos autos e aquelas dela derivadas. O ingresso contra constitutionem importa na nulidade absoluta da prova, não surtindo efeitos desde a sua origem, “retroagindo a sua ineficácia ao momento

do seu nascedouro”.63 Aceitar a utilização de prova obtida no curso do inquérito civil, para propositura da ação civil pública, sem que se tenha sido concedido ao investigado a possibilidade de ampla defesa e contraditório, terá por conseqüência a nulidade absoluta da prova, de todos os atos posteriores e, conseqüentemente, nula será a sentença que nela se fundar.

Com base na constatação da nulidade dos meios de prova, desde seu nascimento, não se pode alegar que a prova repetida no curso da ação civil pública tem o condão de afastar a inconstitucionalidade do inquérito civil. O fato de ter sido proposta ação civil com base naquela prova colhida ao arrepio da Lei Maior, acarreta a nulidade da petição inicial e, como rastilho de pólvora, tudo o que daí advir ao processo jurisdicional. Dada a absoluta ineficácia probatória do meio coligido ilicitamente no inquérito civil, tornam-se imprestáveis os produtos seguintes, seja o oferecimento de ação civil pública, seja o compromisso de ajustamento de conduta. De forma idêntica, mesmo a sentença transitada em julgado nos autos da ação civil pública, fundada em prova coligida em desatenção às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, por atipicidade constitucional, deverá ser declarada nula.

No termo de arquivamento, caso não conste expressamente a desconsideração da prova eventualmente obtida por meio ilícito, nos parece que o interessado poderá valer-se de mandado de segurança para suprir a omissão. Contribuirá para a concessão do writ igualmente o fato de que os co-legitimados podem se utilizar daquelas provas para propositura de ação civil pública, bastando que requisitem cópias do processo administrativo e com estas instruam a petição inicial. Outro argumento sustentável no mandado de segurança é o de que o arquivamento não transforma a matéria fática, subjacente aos autos arquivados, em situação jurídica que deva ser respeitada, podendo o próprio Ministério Público, sobretudo quando por outro membro, vir a se utilizar futuramente daquela prova ilícita. Secunda a posição exposta o voto da lavra do eminente ministro Sepúlveda Pertence, in verbis: “estou convencido de que

62 AVOLIO, L.F.T., Provas Ilícitas, p. 93.

essa doutrina da invalidade probatória do fruit of the poisonous tree é a única capaz de dar

eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita”.64