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Decisões do Supremo Tribunal Federal e alusões aos princípios limitadores da atividade punitiva

4 OS POSTULADOS GARANTISTAS E AS IMPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS

4.5 Decisões do Supremo Tribunal Federal e alusões aos princípios limitadores da atividade punitiva

Não é despiciendo lembrar que a doutrina de Ferrajoli é baseada nas peculiaridades da constituição italiana. Não há menção, em sua obra, de dispositivos constitucionais impositivos de criminalização naquela carta maior. Daí a necessidade de o jurista brasileiro redobrar os cuidados na aplicação irrefletida de uma teoria que foi construída à revelia das peculiaridades da Constituição da República de 1988 (já que fulcrada na caracteriologia do direito italiano) e que, em si, comporta grandes indagações quanto à sua fiabilidade, vez que assentada em premissas colidentes, que comportam diretrizes erráticas, onde ponderações axiológicas são permitidas ou proscritas conforme se esteja a favor ou contra a proteção de uma liberdade individual.

4.5 Decisões do Supremo Tribunal Federal e alusões aos princípios limitadores da atividade punitiva estatal ou aos princípios propulsores da atividade punitiva estatal.

O Supremo Tribunal Federal já afirmou que o modelo normativo brasileiro é garantista, por estabelecer um sistema protetivo de direitos e garantias individuais. A afirmação pode ser tida como verdadeira, vez que o próprio autor da teoria do garantismo,

Luigi Ferrajoli176, diz que o modelo garantista é um modelo limite, irrealizável, utópico, podendo-se falar apenas em graus de garantismo, conforme haja maior ou menor devoção aos seus postulados. A asserção foi feita nos seguintes termos177:

O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processos jurisdicionais e administrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além disso, representa uma exigência de fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais. A máxima do fair trial é uma das faces do princípio do devido processo legal positivado na Constituição de 1988, a qual assegura um modelo garantista de jurisdição, voltado para a proteção efetiva dos direitos individuais e coletivos, e que depende, para seu pleno funcionamento, da boa-fé e lealdade dos sujeitos que dele participam, condição indispensável para a correção e legitimidade do conjunto de atos, relações e processos jurisdicionais e administrativos. Nesse sentido, tal princípio possui um âmbito de proteção alargado, que exige o fair trial não apenas dentre aqueles que fazem parte da relação processual, ou que atuam diretamente no processo, mas de todo o aparato jurisdicional, o que abrange todos os sujeitos, instituições e órgãos, públicos e privados, que exercem, direta ou indiretamente, funções qualificadas constitucionalmente como essenciais à Justiça.

Ao que parece, contudo, a colocação da atividade jurisdicional brasileira como “garantista”, pelo Supremo Tribunal Federal, não está a permitir as distinções propaladas na obra de Ferrajoli. É dizer, os julgados do Supremo Tribunal Federal, pelo menos de maneira expressa, não concedem ao intérprete a liberdade de lançar mão de juízos advindos da moral apenas em apanágio às liberdades e garantias individuais. Recente julgado do Supremo Tribunal Federal faz verdadeiro alerta quanto a qualquer exagero garantista. Temperamentos garantistas, segundo tal recente julgado, devem ser feitos de maneira parcimoniosa, de forma a evitar a subversão do sistema jurídico posto, ao custo de desfigurar-se o estrutural normativo penal, sob a condenável premissa de que toda restrição à liberdade ofende direitos fundamentais individuais. A prudência na recepção do ideário garantista fica expressa no julgamento do Recurso Extraordinário 453.000, de relatoria do Min. Marco Aurélio, com julgamento em 4-4-2013. O julgamento foi proferido pelo Plenário da Corte e divulgado no Informativo 700, com cláusula de repercussão geral.

Ali, discutia-se sobre a possibilidade de reconhecer condenações anteriores do indivíduo como causas de agravamento das penas (art. 61, I, do Código Penal Brasileiro). Argumentou a parte recorrente que a consideração da reincidência, para fins de

176 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão : teoria do garantismo penal. 2 ed. Rev. E ampl. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2006, pp 786.

177 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 529.733, voto do Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 17-10-2006, Segunda Turma, DJ de 1º-12-2006.

recrudescimento da reprimenda penal, ofendia ao princípio constitucional que proíbe levar-se em consideração por mais de uma vez um determinado fato, em prejuízo do réu (princípio do ne bis in idem). A consideração da reincidência, para fins de agravamento e consequentemente, elevação da pena, ofenderia também o princípio da proporcionalidade e da individuação da pena, segundo a parte recorrente.

No corpo do julgado, o Supremo Tribunal Federal fez considerações valorativas em prol da atividade repressiva estatal, distanciando-se das determinações garantistas puristas. Ali foi considerado que a reincidência “comporia consagrado sistema de política criminal de combate a delinquência”.

O informativo de jurisprudência divulgou o julgamento da forma a seguir transcrita:

Considerou-se que a reincidência comporia consagrado sistema de política criminal de combate a delinquência e que eventual inconstitucionalidade do instituto alcançaria todas as normas acima declinadas. Asseverou-se que sua aplicação não significaria duplicidade, porquanto não alcançaria delito pretérito, mas novo ilícito, que ocorrera sem que ultrapassado o interregno do art. 64 do CP. Asseverou-se que o julgador deveria ter parâmetros para estabelecer a pena adequada ao caso concreto. Nesse contexto, a reincidência significaria o cometimento de novo fato antijurídico, além do anterior. Reputou-se razoável o fator de discriminação, considerado o perfil do réu, merecedor de maior repreensão porque voltara a delinquir a despeito da condenação havida, que deveria ter sido tomada como advertência no que tange à necessidade de adoção de postura própria ao homem médio. Explicou-se que os tipos penais preveriam limites mínimo e máximo de apenação, somente alijados se verificada causa de diminuição ou de aumento da reprimenda. A definição da pena adequada levaria em conta particularidades da situação, inclusive se o agente voltara a claudicar. Estaria respaldado, então, o instituto constitucional da individualização da pena, na medida em que se evitaria colocar o reincidente e o agente episódico no mesmo patamar. Frisou-se que a jurisprudência da Corte filiar-se-ia, predominantemente, à corrente doutrinária segundo a qual o instituto encontraria fundamento constitucional, porquanto atenderia ao princípio da individualização da pena. Assinalou-se que não se poderia, a partir da exacerbação do garantismo penal, desmantelar o sistema no ponto consagrador da cabível distinção, ao se tratar os desiguais de forma igual. A regência da matéria, harmônica com a Constituição, denotaria razoável política normativa criminal. O min. Luiz Fux acresceu não se poder saber o motivo de o agente ter voltado a delinquir depois de punido – se isso decorreria de eventual falibilidade do sistema carcerário, da personalidade do indivíduo ou de outros fatores. Diferenciou reincidência de reiteração criminosa e sublinhou que nesta dar-se-ia ao acusado o denominado período de probation, para que refletisse sobre sua atitude e não voltasse a cometer o delito. O min. Gilmar Mendes aludiu a índices que indicariam que a reincidência decorreria da falência do modelo prisional, que não disporia de condições adequadas para a ressocialização. Colacionou medidas positivas para reverter o quadro, como formação profissional e educacional de condenados e indicou a importância do debate crítico acerca do modelo punitivo existente. Por fim, determinou-se aplicar, ao caso, o regime da repercussão geral reconhecida nos autos do RE 591.563/RS (DJE de 24-10-2008). Além disso, por maioria, permitiu-se que os ministros decidam monocraticamente casos idênticos.

Fazendo remissão ao art. 5º, inc. XLI, o Plenário, por maioria, julgou procedente ação direta 4.424, de relatoria do Min. Marco Aurélio, proposta pelo Procurador-Geral da

República, atribuindo interpretação conforme a Constituição aos arts. 12, I; 16 e 41, todos da Lei 11.340/2006. Na oportunidade, alvitrou-se a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão corporal, praticado mediante violência doméstica e familiar contra a mulher. Incursionando em dados estatísticos sobre a violência contra a mulher, e, portanto, lançando mão de argumentos metajurídicos, o Supremo Tribunal Federal aludiu expressamente à necessidade de dar azo à atividade repressora do Estado, à vista do dever de afastar práticas discriminatórias dos direitos e garantias fundamentais:

Preliminarmente, afastou-se alegação do Senado da República segundo a qual a ação direta seria imprópria, visto que a Constituição não versaria a natureza da ação penal -- se pública incondicionada ou pública subordinada à representação da vítima. Haveria, conforme sustentado, violência reflexa, uma vez que a disciplina do tema estaria em normas infraconstitucionais. O Colegiado explicitou que a Constituição seria dotada de princípios implícitos e explícitos, e que caberia à Suprema Corte definir se a previsão normativa a submeter crime de lesão corporal leve praticado contra a mulher, em ambiente doméstico, ensejaria tratamento igualitário, consideradas as lesões provocadas em geral, bem como a necessidade de representação. (...) No mérito, evidenciou-se que os dados estatísticos no tocante à violência doméstica seriam alarmantes, visto que, na maioria dos casos em que perpetrada lesão corporal de natureza leve, a mulher acabaria por não representar ou por afastar a representação anteriormente formalizada. A respeito, o Min. Ricardo Lewandowski advertiu que o fato ocorreria, estatisticamente, por vício de vontade da parte dela. Apontou-se que o agente, por sua vez, passaria a reiterar seu comportamento ou a agir de forma mais agressiva. Afirmou-se que, sob o ponto de vista feminino, a ameaça e as agressões físicas surgiriam, na maioria dos casos, em ambiente doméstico. Seriam eventos decorrentes de dinâmicas privadas, o que aprofundaria o problema, já que acirraria a situação de invisibilidade social. Registrou-se a necessidade de intervenção estatal acerca do problema, baseada na dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), na igualdade (CF, art. 5º, I) e na vedação a qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (CF, art. 5º, XLI). Reputou-se que a legislação ordinária protetiva estaria em sintonia com a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher e com a Convenção de Belém do Pará. Sob o ângulo constitucional, ressaltou-se o dever do Estado de assegurar a assistência à família e de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Não seria razoável ou proporcional, assim, deixar a atuação estatal a critério da vítima. A proteção à mulher esvaziar-se-ia, portanto, no que admitido que, verificada a agressão com lesão corporal leve, pudesse ela, depois de acionada a autoridade policial, recuar e retratar-se em audiência especificamente designada com essa finalidade, fazendo-o antes de recebida a denúncia. Dessumiu-se que deixar a mulher -- autora da representação -- decidir sobre o início da persecução penal significaria desconsiderar a assimetria de poder decorrente de relações histórico-culturais, bem como outros fatores, tudo a contribuir para a diminuição de sua proteção e a prorrogar o quadro de violência, discriminação e ofensa à dignidade humana. Implicaria relevar os graves impactos emocionais impostos à vítima, impedindo-a de romper com o estado de submissão. Entendeu-se não ser aplicável aos crimes glosados pela lei discutida o que disposto na Lei 9.099/1995, de maneira que, em se tratando de lesões corporais, mesmo que de natureza leve ou culposa, praticadas contra a mulher em âmbito doméstico, a ação penal cabível seria pública incondicionada. Acentuou-se, entretanto, permanecer a necessidade de representação para crimes dispostos em leis diversas da 9.099/1995, como o de ameaça e os cometidos contra a dignidade sexual. Consignou-se que o Tribunal, ao julgar o HC 106.212/MS (DJE de 13-6-2011),

declarara, em processo subjetivo, a constitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006, no que afastaria a aplicação da Lei dos Juizados Especiais relativamente aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista." (ADI 4.424, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 9-2-2012, Plenário, Informativo 654.)

Note-se que o julgado, contudo, não faz menção expressa à necessidade de repressão criminal das condutas atentatórias aos direitos das mulheres vítimas de violência doméstica, ressaltando somente a necessidade de intervenção do Estado no afastamento de práticas atentatórias aos direitos fundamentais. Nada obstante, culmina por concluir, ainda que tacitamente, pela imprescindibilidade do encabeçamento das ações penais que versem sobre violência doméstica contra a mulher pelo Ministério Público, à vista dos vícios de vontade aos quais as ofendidas estão sujeitas.

O julgado é recente. Termina por reconhecer a necessidade de intervenção punitiva estatal diante de determinadas hipóteses, dando concretude ao comando constitucional contido no art. 5º, XLI, da Constituição da República.

Contudo, em julgados mais antigos, o Supremo Tribunal Federal, analisando a aplicabilidade do art. 5º, XLII, da Constituição (“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”), entendeu pela possibilidade de restringir-se o direito à liberdade de expressão em casos nos quais os escritos, edições, divulgações e comercialização de livros façam apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias178. No caso, o sujeito passivo do crime seria a comunidade judaica. Mas admitiu que crimes contra judeus poderiam ser atingidos pela causa de extinção de punibilidade denominada prescrição, ao entendimento de que, se os judeus não são uma raça (embora sejam uma etnia!), segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade.

Alguns anos mais tarde, o Supremo Tribunal Federal179 entabulou que a Constituição da República não proíbe a suspensão da prescrição, por prazo indeterminado, na hipótese do art. 366 do CPP (o artigo em referência determina que fique suspensa a prescrição quando o acusado, citado por edital, não constituir advogado ou não comparecer diante do juízo. A suspensão não tem prazo definido). A indeterminação do prazo da suspensão não constituiria,

178 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min. Presidente Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-2003, Plenário, DJ de 19-3-2004.

179 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 460.971, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 13-2- 2007, Primeira Turma, DJ de 30-3-2007.

no entender do STF, hipótese de imprescritibilidade, vez que não estaria obstada a retomada do curso da prescrição, mas apenas a condiciona a um evento futuro e incerto. Tal situação seria substancialmente diversa da imprescritibilidade. Foi dada interpretação segundo a qual, quando a CF enumera causas de imprescritibilidade no art. 5º, XLII e XLIV, não proíbe, em tese, que a legislação ordinária crie outras hipóteses.

Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade de crescimento do espectro de afastamento da prescrição, mitigando a imobilização da atuação punitiva estatal pelo decurso do tempo. Trata-se de um posicionamento que conflui com o escopo estatal de punição de crimes como instrumento de promoção do direito social à segurança pública, bem como da proteção à segurança dos indivíduos. Orientação em sentido oposto foi adotada no julgamento do HC 80.949180, também de Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence. Ali se entendeu que a Constituição reservou a determinados crimes particular severidade repressiva (art. 5º, XLIII e XLIV), tratando-se de hipóteses taxativas, delas, não se podendo inferir exceções à garantia constitucional da vedação da prova ilícita, em função da gravidade do crime investigado. Veja-se que, no primeiro caso, as hipóteses de imprescritibilidade não precisariam estar adstritas às previstas na Constituição; no segundo, as imposições constitucionais criminalizadoras não teriam o condão de autorizar o que o próprio texto constitucional não fizera expressamente.

Percebe-se, portanto, que os julgados do Supremo Tribunal Federal aplicam as normas jacentes nas chamadas imposições constitucionais criminalizadoras apartados de sistematização. Qual o alcance dessas normas? Até onde elas autorizam o Estado a prosseguir em sua atividade persecutória? Os julgados do Supremo Tribunal Federal, na hipótese, mais confundem que elucidam.

A confusão fica explícita no julgamento, em plenário, do HC 104.339, cujo Relator foi o Min. Gilmar Mendes, quando se abraçou o entendimento de que a vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, pelo art. 44 da Lei 11.343/2006, apelidada de Lei de Drogas, é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência, do devido processo legal, “entre outros”. A Lei de Drogas, ao afastar a concessão da liberdade provisória de forma apriorística e genérica, retiraria do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar, em inequívoca antecipação de pena, indo de encontro a diversos dispositivos constitucionais. No julgado, entendeu-se que a segregação cautelar, nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes ou outros

180 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 80.949, voto do Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 30-10-2001, Primeira Turma, DJ de 14-12-2001.

previstos na Lei em comento, deve ser imposta segundo os mesmos pressupostos e fundamentos dos demais delitos previstos no ordenamento jurídico. Portanto, na hipótese não se reconheceu a possibilidade de o legislador infraconstitucional vedar a liberdade provisória sem fiança, tendo em conta que o legislador constitucional fê-lo quanto à liberdade provisória com fiança. Aqui fica sobejamente retratada a aplicação desarrazoada dos princípios garantistas, com limitações de normas constitucionais (presunção de inocência) sobre outras normas constitucionais (imposição criminalizadora contida no inciso XLIII do art. 5º da Constituição), sem que haja a explicitação de quaisquer critérios para que as primeiras se sobreponham às ultimas.

O raciocínio seria lógico: se o constituinte originário vedou a liberdade provisória com fiança, certamente aí estaria incluída a liberdade provisória sem fiança, pois a primeira vedação conteria a segunda, já que a fiança é um dificultador da consecução da liberdade. Ora, se até esta está vedada, aquela (sem fiança), por logicidade comezinha, também estaria. Mas esta questão não é enfrentada pelo decisório em vértice. Sequer há o cuidado de distinguir quais princípios constitucionais estariam a coimar o art. 44 da Lei de Drogas, fazendo-se a preguiçosa remissão ao princípio constitucional da presunção de inocência, ao do devido processo legal, “entre outros”. Pior é constatar que a decisão encerrada no HC 104.339 se contrapõe à atingida no HC 93.940, cujo Relator foi o Min. Ricardo Lewandowski181. Ali se vislumbra o entendimento de que a vedação à concessão de liberdade provisória com fiança significa, por dedução lógica insuperável, a proibição da liberdade provisória com fiança. O dispositivo constitucional em análise é o mesmo que serviu do paradigma para o HC 104.339. Ocorre que no HC 93.940, a conclusão foi outra:

Homicídio duplamente qualificado. Crime hediondo. Liberdade provisória. Inadmissibilidade. Vedação constitucional. Delitos inafiançáveis. (...) Sentença de pronúncia adequadamente fundamentada. Eventual nulidade da prisão em flagrante superada. Precedentes do STF. A vedação à liberdade provisória para crimes hediondos e assemelhados que provém da própria Constituição, a qual prevê a sua inafiançabilidade (...). Inconstitucional seria a legislação ordinária que viesse a conceder liberdade provisória a delitos com relação aos quais a Carta Magna veda a concessão de fiança. Decisão monocrática que não apenas menciona a fuga do réu após a prática do homicídio, como também denega a liberdade provisória por tratar-se de crime hediondo. Pronúncia que constitui novo título para a segregação processual, superando eventual nulidade da prisão em flagrante. (Os grifos inexistem no original)

181 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 93.940, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 6-5- 2008, Primeira Turma, DJE de 6-6-2008.