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4 OS POSTULADOS GARANTISTAS E AS IMPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS

5.4 Dever estatal da tutela da segurança pública

fisicamente o indivíduo, a fim de conferir proteção concreta, factual, ao ordenamento.

Não é possível proteger a ordem pública sem esse olhar para o futuro e um tal juízo de prognóstico é autorizado pelo ordenamento. Como adverte Jakobs221, aliás, a perspectiva para frente, para o futuro, pesa mais para a tutela da ordem pública que o fato já consumado:

[…] nesse caso, a perspectiva não só contempla retrospectivamente o fato passado que deve ser submetido a juízo, mas também se dirige – e sobretudo – para frente, para o futuro, no qual uma “tendência a [cometer] fatos delitivos de considerável gravidade” poderia ter efeitos “perigosos” para a generalidade.

5.4 Dever estatal da tutela da segurança pública.

Incumbe ao Estado respeitar os direitos individuais, e é certo que este estudo em momento algum propõe ou sequer sugere que se ignorem os direitos fundamentais ditos de primeira geração ou dimensão, os quais se voltam à proteção do homem, como singularidade humana digna e, portanto, signatária de todas as garantias de gozo desta condição.

De outro lado, não pode o Estado ignorar que está igualmente adstrito a promover a segurança, como direito social e também, condição sem a qual para a plena vivificação da dignidade humana. A defesa da segurança pública, e por via de consequência, da segurança pessoal e da ordem pública, é uma das facetas da promoção do direito à segurança, e não deve ser excepcionada sem justificação adequada, sob pena de enredar o Estado em indesculpável omissão no desempenho da incumbência de garantir condições mínimas de existência digna.

O dever estatal de promoção de segurança pública é avivado e intensificado diante de indivíduos que reiteram a prática de delitos.

Ao aviso de Jakobs222,

Certamente, o Estado tem direito a procurar segurança frente a indivíduos que reincidem persistentemente na comissão de delitos. Afinal de contas, a custódia de segurança é uma instituição jurídica. Ainda mais: os cidadãos têm direito de exigir do Estado que tome medidas adequadas, isto é, têm um direito à segurança […]

221 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Câncio. Direito penal do inimigo : noções e críticas. 4ª ed. atual. e

ampl. - Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2010, p. 23

222 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Câncio. Direito penal do inimigo : noções e críticas. 4ª ed. atual. e

No Habeas corpus nº 2011.000010-7223, o Tribunal de Justiça de Alagoas entendeu pela confirmação da perigosidade da paciente e a necessidade da mantença de sua custódia em apanágio à ordem pública, sendo a reiteração do ato criminoso tomado como ponto de justificação principal da mantença da prisão.

A paciente foi presa em flagrante, em 03 de julho de 2009, pela mercancia de crack (17 pedras, acondicionadas de tal forma que se inferiu a venda) e, posta em liberdade, incorreu em nova prisão em flagrante, em 18 de agosto de 2009, com 14g de crack e a quantia de R$ 427,20 (quatrocentos e vinte e sete reais e vinte centavos). Além disso, pela investigação, resulta que a paciente integra organização criminosa que abastece parte do Bairro do Jacintinho no que concerne ao tráfico de drogas.

A alegação dos impetrantes era a de que, embora houvesse mandado de prisão expedido em face da paciente, não existia decisão judicial decretando sua prisão. A par disso, afirmam que sua soltura não implicava em risco para a ordem pública, para a aplicação da lei penal ou para o andamento do feito, sendo, aquela, detentora de condições pessoais favoráveis, pois que primária, com bons antecedentes, tendo residência fixa e profissão definida.

Os juízes impetrados deixaram de prestar informações, vez que os autos estavam em poder do Ministério Público para oferta de alegações finais.

Ao manter a prisão, o Tribunal, através do voto do Relator, assim se pronunciou:

Porém, em análise dos autos, se constata a improcedência dos argumentos colacionados pelo requerente. Em relação aos requisitos para a decretação da segregação cautelar, observa-se que, no caso em tela, a medida se mostra necessária, pois a Paciente, presa em flagrante, é integrante de grupo formado com a finalidade de traficar drogas, em um organizado esquema que abastece boa parte da população do Jacintinho, tudo conforme se constata da séria e complexa investigação policial procedida para desbaratar a quadrilha. Há notícia nos autos de que Paciente (sic) fora presa em flagrante na posse de 17 (dezessete) pedras de crack, 02 aparelhos celulares, ligas, sacos plásticos, uma gilete e a quantia de R$ 432,35 (quatrocentos e trinta e dois reais e trinta e cinco centavos).

Às fls. 18 dos autos, observa-se que a Paciente já fora detida em flagrante pela prática do mesmo delito – tráfico de drogas – e que, posta em liberdade, voltou a ser detida

223 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas. Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Prisão em

flagrante. Trafico de entorpecentes. Alegação de inexistência de decreto de prisão preventiva. Ausência de prova negativa tal decreto (vg certidão). Inexistência de certeza acerca do decreto. Suposto envolvimento da paciente em grupo criminoso vocacionado à prática de tráfico de entorpecentes. Porte de arma, homicídios e roubos. Acusada solta e presa em flagrante, novamente, um mês depois, pela prática, em tese, de tráfico de drogas. Periculosidade da agente. Entendimento da Procuradoria-Geral de Justiça no mesmo sentido. Manutenção da segregação cautelar. Denegação da ordem por unanimidade. Habeas corpus nº 2011.000010- 7. Impetrante Marêncio Ediel Lima de Albuquerque e outro. Impetrado Juízes de Direito da 17ª Vara Criminal da Comarca de Maceió – Núcleo de Combate ao Crime Organizado. Paciente Edileusa Pereira da Silva. Relator Otávio Leão Praxedes. Acórdão em habeas corpus n. 301002011.

um mês depois novamente portando grande quantidade de droga e dinheiro, o que demonstra inegável inclinação da acusada na prática da traficância.

Tendo em vista tais aspectos, percebe-se certa periculosidade da Paciente, que, após ser solta, foi presa em flagrante novamente, pela suposta prática do mesmo delito. Atente-se ainda, que, conforme consulta ao Sistema de Automação do Judiciário – SAJ, a Acusada figura como ré em outros processos que tramitam na 15ª Vara Criminal da Capital – Entorpecentes.

Quanto à alegação de inexistência do decreto prisional, o Tribunal disse ser ela carente de provas, vez que bastaria certidão do juízo para comprovação da real inexistência da decisão que teria originado o mandado de prisão.

Neste julgado, parece certa a afirmação de que o Tribunal não poderia ter decidido de outra forma. Se a paciente já havia sido presa e, agraciada com o retorno à liberdade, volta pouco tempo depois a reincidir na mesma conduta, é mais que discricionariedade, senão dever das instâncias de controle, impedir seu retorno à sociedade. É que o direito à segurança, tanto dos indivíduos como da sociedade, também é direito fundamental a ser tutelado pelo Poder Judiciário, sem o quê não há como falar em estrita observância da ordem constitucional. Isso é o que determina o art. 144 da Constituição da República.

O dever de proteção à sociedade não pode ser menoscabado, ainda que sob a alegação de proteção de direitos individuais dos acusados. Contudo, há que se perguntar até onde pode ir o Judiciário no cumprimento de tal dever ou, em outras palavras, há de se responder à indagação: até onde o ordenamento jurídico brasileiro poderia perseguir o dever de defesa da ordem pública?

Aqui importa compreender e problematizar o que é hodiernamente considerado como ponto extremado de utilização do direito penal em favor da consecução dos objetivos político- criminais: o direito penal do inimigo.