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4 OS POSTULADOS GARANTISTAS E AS IMPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS

5.3 Defesa da ordem pública, juízo de prognóstico e coação

No habeas corpus nº 2010.001903-1219, o trigésima oitava decisão analisada neste estudo, o Tribunal de Justiça de Alagoas denegou a ordem postulada, aludindo, no voto do relator, à necessidade de mantença da segregação para asseguramento da aplicação da lei penal e à presença dos demais requisitos para a permanência da constrição.

A impetração pediu a concessão da ordem em face dos bons antecedentes e atividade lícita desenvolvida pelo paciente, além de endereço certo, bem como aos incontestáveis indícios de que agiu em legítima defesa.

Prestando informações, a autoridade apontada como coatora declinou que os argumentos da impetração pertinem ao mérito da causa, dimanando dilação probatória a ser produzida no decurso da instrução processual.

O Procurador-Geral de Justiça opinou pela denegação da ordem. É de se transcreverem alguns trechos do voto do relator:

[…] Pelas fotos trazidas aos autos, constata-se os requintes de violência ao qual foi perpetrado o delito, denotando uma personalidade altamente agressiva, ainda mais,

219 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas. Habeas corpus liberatório. Alegação de ilegalidade e

constrangimento ilegal do decreto segregatório. Levantamento de tese de legítima defesa pelo impetrante. Questão de mérito. Dilação probatória. Via inadequada. Precedentes das cortes superiores. Necessidade de mantença da ordem pública. Aplicação da lei penal, e conveniência da instrução processual. Ordem conhecida e denegada. Decisão unânime. . Habeas corpus nº 2010.001903-1. Impetrante Ilo Henrique Pereira Fonseca e outro. Impetrado Juiz de Direito da 9ª Vara Criminal da Comarca da Capital. Paciente Ivanildo Silva dos Santos. Relator Mário Casado Ramalho. Acórdão em habeas corpus n. 504112010.

considerando que a vítima era seu amigo; Também (sic) nota-se que o acusado tentou evadir-se do local do crime.

[…] Ademais, denota-se da análise dos autos que a vítima foi atingida de um só golpe no pescoço, suficiente para decepar parcialmente sua cabeça.

Ressalte-se o fato de que o paciente não chegou a ser preso, tendo evadido-se do local do crime, conforme informações prestadas pelo juízo a quo, pelo que constituiu o impetrante para promover sua defesa nos autos do processo principal. Ora, isto por si já impõe a mantença da medida constritiva da liberdade do paciente, vez que nítida a tentativa de evadir-se à aplicação da lei penal, bem como, presentes os demais requisitos desta constrição.

[…]

Isto posto, face a garantia da aplicação da lei penal e demais fatores, ante as circunstâncias do suposto crime, viabilizado com extrema violência e requintes de crueldade, ante o fato de que o acusado foragiu do distrito da culpa, ante o fato de que dificulta a aplicação da lei penal e demais pressupostos, não vejo outro sentido de concessão da Ordem requerida.

Percebe-se que, no julgado, o Tribunal valora sob vários matizes a conduta levada a efeito pelo paciente, atribuindo àquela e a este diversos adjetivos. A conduta é tida como de extrema violência. O acusado, como detentor de personalidade altamente agressiva. Levou-se em consideração o relacionamento se amizade que o autor do crime tinha com a vítima.

De fato, pelo detalhamento do crime, todas as observações parecem pertinentes.

Para os fins específicos perseguidos neste estudo, importa destacar que o Tribunal, ainda que não propositadamente, neste acórdão, utiliza a prisão cautelar como forma de coação, na produção física da contenção deste paciente, considerado perigoso. Aqui, segundo a visão externada por Jakobs, a coação não pretende exclusivamente comunicar a reafirmação do ordenamento, não significa afirmar que a norma segue vigente. Pretende precipuamente, inocuizar o sujeito considerado perigoso220, agressivo e desmerecedor de confiança, vez que capaz de assassinar o próprio amigo. É preciso dizer, no entanto, que Jakobs não se enquadra como retributivista nem, também, adepto das teorias da prevenção, rigorosamente falando.

Veja-se que o que se pretende é, portanto, a tutela da incolumidade da ordem pública, o que não pode ser feito sem que o Tribunal, ao examinar um fato empiricamente constatado – assassinato – faça um juízo de probabilidade, não baseado em dados passíveis de falseabilidade mas sim, sustentado pela lógica.

É razoável, dentro de um raciocínio lógico, inferir que um sujeito que mata violentamente um amigo viola o ordenamento jurídico e mostra considerável indiferença com os postulados deste ordenamento. Tamanha indiferença pode ser perfeitamente identificada

220 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Câncio. Direito penal do inimigo : noções e críticas. 4ª ed. atual. e

com a predisposição para o cometimento de novas violações, pelo quê se deve conter fisicamente o indivíduo, a fim de conferir proteção concreta, factual, ao ordenamento.

Não é possível proteger a ordem pública sem esse olhar para o futuro e um tal juízo de prognóstico é autorizado pelo ordenamento. Como adverte Jakobs221, aliás, a perspectiva para frente, para o futuro, pesa mais para a tutela da ordem pública que o fato já consumado:

[…] nesse caso, a perspectiva não só contempla retrospectivamente o fato passado que deve ser submetido a juízo, mas também se dirige – e sobretudo – para frente, para o futuro, no qual uma “tendência a [cometer] fatos delitivos de considerável gravidade” poderia ter efeitos “perigosos” para a generalidade.

5.4 Dever estatal da tutela da segurança pública.

Incumbe ao Estado respeitar os direitos individuais, e é certo que este estudo em momento algum propõe ou sequer sugere que se ignorem os direitos fundamentais ditos de primeira geração ou dimensão, os quais se voltam à proteção do homem, como singularidade humana digna e, portanto, signatária de todas as garantias de gozo desta condição.

De outro lado, não pode o Estado ignorar que está igualmente adstrito a promover a segurança, como direito social e também, condição sem a qual para a plena vivificação da dignidade humana. A defesa da segurança pública, e por via de consequência, da segurança pessoal e da ordem pública, é uma das facetas da promoção do direito à segurança, e não deve ser excepcionada sem justificação adequada, sob pena de enredar o Estado em indesculpável omissão no desempenho da incumbência de garantir condições mínimas de existência digna.

O dever estatal de promoção de segurança pública é avivado e intensificado diante de indivíduos que reiteram a prática de delitos.

Ao aviso de Jakobs222,

Certamente, o Estado tem direito a procurar segurança frente a indivíduos que reincidem persistentemente na comissão de delitos. Afinal de contas, a custódia de segurança é uma instituição jurídica. Ainda mais: os cidadãos têm direito de exigir do Estado que tome medidas adequadas, isto é, têm um direito à segurança […]

221 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Câncio. Direito penal do inimigo : noções e críticas. 4ª ed. atual. e

ampl. - Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2010, p. 23

222 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Câncio. Direito penal do inimigo : noções e críticas. 4ª ed. atual. e